“Toz cria como necessidade. Pensa em telas que retratem momentos diferentes de sua vida, da sua história. Mistura materiais, rabisca e pratica o desenho diariamente, numa busca incessante por novas formas. Seja com spray ou pincel, tinta a óleo ou com colagens. Toz escreve uma história inspirada no cotidiano moderno e urbano. Transita tanto nas ruas como nas galerias de arte onde seu traço forte, as cores intensas e a temática que fala insistentemente ao espaço lúdico dentro de nós invadem o olhar”, escreve a curadora e crítica Isabel Sanson Portella sobre o artista.
“Cultura Insônia”
Por Felippe Moraes
[Texto curatorial da exposição “Cultura Insônia”, exibida em 2017 na Caixa Cultural Rio de Janeiro, RJ]
Em 2010, Toz conheceu Insonia. Poderíamos dizer que fora criado, mas suas implicações na obra do artista são tão profundas que parecem ultrapassar aquele que o revelou, levando-nos a crer em uma possível existência mitológica a priori dessa criatura, com vontades, ambições e humor próprios.
Insonia, que cresceu e aos poucos foi mostrando seu povo e sua cultura. Gradativamente expressando-se na pluralidade de suas aparições, é um personagem análogo ao imaginário de diversas tradições. É possível pensa-lo sob o arquétipo do trickster, uma entidade ambígua e brincalhona, podendo-se encontrar paralelos com Hermes, Mercúrio, o Coringa, e nos contextos brasileiro e africano, como uma deidade tão controversa quanto querida: Exu.
Insonia é tanto o malandro da Lapa, Seu Zé Pelintra, quanto o arruaceiro Saci-Pererê. Assim como este, que só se torna visível quando se cai na modorra – estado suspenso entre o sono e a vigília em que é difícil discernir o onírico do plausível – a criatura começou a revelar-se para o artista nas suas noites em claro. Foi nessas fronteiras borradas entre delírio e a linearidade, entre indivíduo e a coletividade que se deram sua existência e seu fenômeno. É uma manifestação dessa mitologia universal no universo particular do artista.
Como uma faceta desse arquétipo, é possível pensar a própria figura do grafiteiro. Ao observá-lo pela ótica da história da arte, percebemos esse ator curioso e indefinível que vem das ruas, passa à galeria, elude o cubo branco, retorna ao urbano em uma monumentalidade inédita, não nos revelando seu lugar de (des)pertencimento. Talvez porque não tenha e não queira ter. Sua pertinência está exatamente no esgarçamento dos limites e de sua eterna inadequação.
O grafiteiro, tal qual Insonia, tal qual Exu, quando acreditamos ser possível compreendê-los, nos eludem e assumem uma nova forma, um novo discurso em uma excêntrica e irreverente pantomina caleidoscópica que distorce nossas noções de linearidade, território e identidade.
“Percursos”
Por Isabel Sanson Portella
Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.
Paulo Leminsky
Tomaz Viana, o Toz, é produto de Salvador, Bahia, safra de 1976. Herdou dessa terra de Todos os Santos o gosto pela cor, pelo mar, pela alegria exuberante de simplesmente viver. As brincadeiras de criança, as festas populares, desenhos animados e histórias em quadrinho ficaram para sempre na memória do menino Toz e vieram com ele para o Rio de Janeiro. Aos 15 anos, já acumulara conhecimentos de artes plásticas, pois acompanhava a mãe nas aulas de pintura e gostava de fazer seus próprios desenhos utilizando vários tipos de material. O pai, que trabalhava com publicidade, sempre incentivou suas investidas no campo dos rabiscos. Experimentou a tatuagem, como primeiro trabalho, mas não gostava de sangue e acabou mudando de planos. Ao desembarcar no Rio, o jovem baiano ficou assombrado, principalmente com as pichações. Eram tantas e em tantos lugares, como ele nunca havia visto em sua terra. Começou sua trajetória de grafiteiro e, seguindo a tradição, fazia muitas letras wildstyle, com setas e riscos. Mas isso não o satisfazia. Queria espaço para desenvolver os personagens que começava a criar, inspirados na sua história e na sua criatividade. O hip hop, os skatistas, os grafiteiros ganhavam força na ocasião e impulsionavam um tipo de arte imediatista e urbana.
Movido por necessidades financeiras, Toz decidiu então estudar design e profissionalizar-se. Foi assim, conhecendo mais a fundo o Graffiti, que se apaixonou perdidamente. Dali para frente foi uma conversa longa, de quase 10 anos: partiu para as ruas, criou uma identidade, procurou novos suportes, pintou pedaços de madeira, carros abandonados, caixas e caixotes e principalmente chamou a atenção. Seus personagens falam à alma de quem os vê porque são inspirados em gente querida: seus avós idosos, sua sobrinha, sua mulher… Assim apareceram nos muros o BB idoso, a tradução perfeita do complexo de Peter Pan; a sensual e doce Nina; o Shimu, inspirado nos seus cachorros; o Julius. Algum tempo depois, o personagem Insônia surge da necessidade de criar a partir das vibrações noturnas, do silêncio e dos ruídos da rua à noite. As mudanças de vida geraram um novo olhar para o entorno, fazendo perceber outros seres, outros tons. Como diz Toz, “perdemos o sono quando estamos tristes demais, felizes demais, apaixonados ou desiludidos demais.” Quando passou a fase noturna despontou a luz exuberante do Vendedor de Alegria que traz com ele bolas gigantes coloridas e muita leveza.
Toz cria como necessidade. Pensa em telas que retratem momentos diferentes de sua vida, da sua história. Mistura materiais, rabisca e pratica o desenho diariamente, numa busca incessante por novas formas. Seja com spray ou pincel, tinta a óleo ou com colagens. Toz escreve uma história inspirada no cotidiano moderno e urbano. Transita tanto nas ruas como nas galerias de arte onde seu traço forte, as cores intensas e a temática que fala insistentemente ao espaço lúdico dentro de nós invadem o olhar.
Formação
2002
– Graduação de Design Gráfico pela UniverCidade, Rio de Janeiro, RJ
Exposições coletivas
2011
– “Tudo de Novo”, FleshBeck Crew, Galeria Movimento, RIo de Janeiro, RJ e Galeria Spray, São Paulo, SP
– “Restos Urbanos”, Clark Art Center, Rio de Janeiro, RJ
– “Exposição Liberdade”, Carlos Vergara, Rio de Janeiro, RJ
– “The Change”, Banco Mundial, Washington DC, USA
– “Exposição Rio Nova Arte”, BNDES, Rio de Janeiro, RJ;
2010
– “I Bienal Internacional do Grafitti”, MUBE , São Paulo, SP;
– “Arte 24hrs, Sesc, Pier Mauá, Rio de Janeiro, RJ
2009
– “Conversando Calado”, Galeria Movimento, Rio de Janeiro, RJ
2008
– “Laços do Olhar”, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, SP
2007
– “Fabulosas Desordens”, Caixa Cultural, Rio de Janeiro, RJ
2006
– “Fleshbeck na Choque”, Galeria Choque Cultural, São Paulo, SP
– “O que é normal?”, Espaço Cultural Ecco, Brasília, DF
– “Mostra Santos de Arte sem Barreiras”, Centro Cultural Patrícia Galvão, São Paulo, SP
2005
– “Projéteis de Arte Contemporânea”, Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro, RJ
Exposições individuais
2014
– “Metamorfose”, Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, RJ
2013
– “Traço e Trejetória”, Lançamento do Livro, Galeria Movimento, Rio de Janeiro, RJ
2012
– “Vendedor de Alegria”, Galeria Movimento, Rio de Janeiro, RJ
2011
– “Salão de Arte”, Clube Hebraica, São Paulo, SP
2010
– “Insônia”, Galeria Movimento, Rio de Janeiro, RJ
– “Toz em Família”, Galeria Movimento, Rio de Janeiro, RJ
2008
– “Toz, Entre Nós”, Galeria Movimento, Rio de Janeiro, RJ
2007
– “Nina e Shimu no País das Maravilhas”, Galeria Carminha Macedo, Belo Horizonte, MG