(ultima atualização em junho/2019)
Rio de Janeiro, RJ, 1984.
Vive e trabalha em São Paulo, SP.
Indicado ao Prêmio PIPA 2016, 2017, 2018 and 2019.
Artista e membro da Cia Teatral Ueinzz. Frequentou cursos livres na Escola de Artes Visuais do Parque Lage entre 1998 e 2005. Fez Mestrado em História na PUC-Rio (2010). Entre 2006 e 2011 foi professor de História da Arte da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e, atualmente dá aulas no MAM-SP e no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo. Em 2010, trabalhou como curador da programação de filmes, performances e debates dos “Terreiros” dentro da 29ª Bienal de São Paulo. Em 2011 foi curador, junto com Fernando Cocchiarale, da exposição “Cavalos de Tróia” dentro da mostra “Caos e Efeito”, no Itaú Cultural.
Desde 2011, tem trabalhado com desenhos, colagens, filmes e instalações, tendo feito exposições individuais e coletivas como Arte Atual Festival (Instituto Tomie Ohtake, 2015), Rumos Itaú Cultural (2015), “Strip” (Fredric Snitzer Gallery, 2015), “Capital/Radical” (Galeria Central, 2014), “Objeto da Natureza” (Paço das Artes, 2014), “Boletim” (Galeria Milan, 2013), “É preciso confrontar as imagens vagas com gestos claros” (Oficina Oswald de Andrade, 2012), “Homeroadmovie” (CCSP, 2012). Com a Cia Teatral Ueinzz, colaborou desde 2011 no desenvolvimento das peças “Cais de Ovelhas e “Gravidade Zero”, além de outros projetos, e boa parte de seus trabalhos recentes nascem do contato e do trabalho nas experiências performáticas da Cia.
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes exclusivamente para o Prêmio PIPA 2019:
“Só a arte não ou O horror da noite ou Benvindo desespero”
Por Paulo Miyada
[Texto sobre a peça “Caos de Ovelhas”, da Cia Teatral Ueinzz, escrito em junho de 2015]
“Louco não é o sujo, é o que acha que pode ficar limpo”. XXX?
Na cena final da peça em processo “Caos de Ovelhas” da Cia Teatral Ueinzz, as vozes arrastadas dos atores proclamam repetidamente o mantra “Só a arte não”. O ambiente está escuro como em grande parte da peça, mas dessa vez pontilhado pelas pequenas luzes que escapam do tapume/backlight que se acende nesse momento. Embora grávido de inúmeras luzes fluorescentes, o objeto cênico vaza poucas luzes porque sua face de acrílico leitoso está recoberta de cera e carvão aplicados em gestos turbulentos e vários sobre a superfície.
Após dezenas de minutos mergulhados na aparente desordem de uma peça feita de cacos de discursos e cenas, os corpos dos atores se deixam uma última vez cair sobre o chão, uns sobre os outros e mesmo sobre a superfície oleosa do backlight. Desde o princípio da peça, a queda dos corpos funciona como metáfora e metonímia dos tombos da narrativa: o discurso rasteja, se levanta, deita-se, salta sobre uma cadeira, gira sobre o próprio eixo, sintoniza-se em canção, conforma um coro momentâneo, engatinha, bale como uma ovelha, chora, ameaça, murmura e emite ordens prontamente desrespeitadas. Toda autoridade – simbólica ou narrativa – cede no mundo do Ueinzz, fazendo pensar na possibilidade um pouco absurda de uma entropia política: uma revolução pela irredutibilidade do caos aos impulsos organizadores do trabalho e do sentido único.
Tudo se desmancha no ar. Só a arte não. Tudo resiste ao retorno do horror da noite escura que assombra os homens há centenas de milhares de anos, antes mesmo do advento da nossa espécie. Só a arte não. A arte veio depois do horror da noite, emergiu junto com outros sistemas complexos especuláveis pelos homens já sapiens de apenas algumas dezenas de milhares de anos atrás e deixou-se abraçar pelo desconhecido da densa sombra onde moram as aparições mais fulgurantes, desordenadas e talvez ameaçadoras. Tudo quer iluminar e retardar a noite. Só a arte não.
Aquele objeto, o tapume de luz que (não) ilumina o final da peça, vive também fora do ambiente do teatro, como instalação de Pedro França, artista que integra o corpus da Cia Ueinzz desde 2011. Sozinho, o objeto talvez se pareça demasiado ordeiro e elegante. Confunde-se – para os cultos – com algum exercício de pintura expressiva ou algum estudo das propriedades de um material plástico dado. Pode até parecer uma resposta algo tardia às turbulências da pintura de Cy Twombly ou Anselm Kiefer, ou quem sabe às maciças abordagens do desenho por Richard Serra. Mas não é bem disso que se trata. Quem viu o objeto em cena sabe que pouco importa a pujança gestual e a autenticidade dos materiais: seu assunto é o que no objeto falha, sua impotência programada de luminoso obscurecido.
Como, no círculo Ueinzz, toda certeza deve ruir e dar lugar ao benvindo desespero do não-saber (ou do não dizer o que se sabe), os ciclos de construção e desmanche que regem a dramaturgia da peça acabaram por entrar no ateliê de Pedro França e provocaram um turbulento afluxo produtivo que gerou um vasto número de imagens que podem acompanhar o backlight e, por assim dizer, corrigir sua excessiva elegância. Os cartazes que haviam sido produzidos para um amplo painel montado durante a “ocupação” do espaço b_arco pelo Ueinzz em março de 2015 retornaram ao ateliê do artista, acompanhados de colagens feitas para a viagem do grupo por Glasgow que aconteceu em seguida. Esses materiais, feitos a muitas mãos mas marcados pelas massas de sombra e pelos acentuados contrastes que se tornaram característicos da produção visual de Pedro França nos últimos tempos, foram sistematicamente profanados durante o mês de maio.
Foram multiplicados; reimpressos; colados; sobrepostos; rasurados; manchados; atacados por jorros de tinta; recobertos por massas de gesso; combinados aos pares e aos muitos; aderidos a telas, papelões e pedaços de madeira; desenhados por linhas coloridas; manipulados no computador; gravados; transferidos… Toda hierarquia visual e todo desejo comunicacional – toda a narração – foi colocada de castigo pelo artista, que trabalhou com intensidade ímpar nesse conjunto de imagens que já não são bem cartazes e tampouco ficam bem se chamados de pinturas ou desenhos. São coisas exauridas pela expressão de sua própriapotência. São cacos do horror da noite que calam com suas aparições numinosas.
Há reiterações de gestos e de signos quando se observa atentamente o conjunto de imagens. Elas não esclarecem nada, mas são suficientes para indicar que os ruídos e manchas não refletem aleatoriedade, mas sim turbilhão. Trata-se, no linguajar atual, de um exercício de pós-produção pervertido, em que os artifícios ficam mais e mais explícitos quanto mais o artista trabalha. Vez em quando uma ou outra imagem torna-se tão alegórica que parece pertencer a alguma desconhecida mitologia. Noutros momentos, os rabiscos são tão precários que parecem resultado de uma mão distraída ou uma mente absorta em outra parte.Em geral, os traços pertencem ao domínio do informe, mas no particular há diversos momentos para a ocorrência do belo.
Quem sabe, agora, possamos ver isso tudo reunido novamente com o tapume/backlight para ver se o fogo guardado nas imagens consegue acender o que há de irredutível na instalação.
PS desnecessário: Olhando tudo isso junto guardo em mim a certeza de que a existência terá porvir enquanto nosso mundo produzir, para cada progressista, um louco; para cada Eduardo Cunha, um Samuel Beckett; para cada Mark Zuckerberg, uma Cia. Teatral Ueinzz; para cada José Maria Marin, um Pedro França.
Entrevista
Por Felipe Kaizer
Felipe Kaizer: Suas caixas de luz surgem na sequência de trabalhos de grandes dimensões. Todos eles tensionaram os limites dos espaços que ocuparam. Mas no seu ateliê esses dispositivos tinham ainda outra relação com o entorno: conviviam com muitos desenhos, de vários tamanhos. Por que, apesar da escala variada da sua produção cotidiana, até agora você expôs quase exclusivamente obras grandes?
Pedro França: O que faço todos os dias no ateliê é desenhar. O desenho me põe quente, atento a tudo que está em volta. É uma forma de pensar, de tocar em problemas de natureza formal, temática e processual que mais tarde se desenvolvem em projetos de outra escala. Acho que todos os trabalhos grandes são desdobramentos de uma lógica de desenho. Meu “cinema” (homeroadmovie, 2012) tem vários começos, caracterizados por pequenos exercícios: uma série de desenhos de um cone de projeção, a exploração de alguns materiais, como carvão, cera e óleo, a tentativa de fazer um fac-símile da persiana de casa etc. Esses exercícios geraram trabalhos menores que não foram expostos porque suspeito da lógica de “varejo”. Essas iniciativas dispersas no ateliê precisam constituir no fim um corpo autônomo, capaz de ficar de pé por si só. As obras que vão para o mundo são resultado de processos longos.
Agora, é evidente que esse tipo de autonomia não é uma questão de tamanho. Trata-se de certa coesão. De qualquer forma, quero que os trabalhos excedam uma escala doméstica. Para mim é importante trabalhar numa escala arquitetônica, pública, capaz de provocar uma experiência imersiva, próxima da escala de equipamentos como cinema e outdoor. Tenho em mente murais mexicanos, painéis do Palácio Capanema e da Igreja da Pampulha, vitrais, afrescos e outras formas agigantadas de produção de imagens.
FK: No seu caso, a maturação de um “corpo autônomo” exige um desenvolvimento projetual. No entanto, a execução desses projetos precisa ser sua, do mesmo modo que os desenhos não podem ficar a cargo de outra pessoa. Há então uma confluência de dois tipos de desenho: um do projeto da obra e outro da própria obra. O segundo tipo trai a pureza do primeiro, mas os traços da construção manual são, por fim, esseciais às obras.
PF: Certamente. Há uma confusão entre o desenho como projeto e como ato físico. Até agora os trabalhos exigiram que fosse eu o responsável por sua execução – em função de decisões que vêm do contato intuitivo com o material e da infraestrutura no momento ao meu dispor –, mas minha adesão a essa forma de trabalho não é ideológica. Não acredito que a manualidade traz autenticidade. Acredito no poder que advém de uma relação tensa com um meio. Independente das estratégias empregadas, o mais importante é a existência de uma energia concentrada.
A rotina de ateliê produz um acúmulo de matéria-prima para as obras. Grande parte é lixo. Mas, quando tenho muita coisa concentrada, é só riscar um fósforo que algo lambe. As caixas de luz surgiram assim: eu estava fazendo desenhos com grandes áreas de preto – baseados em fotografias de florestas que fiz em minhas andanças – enquanto tinha em mente os backlights de anúncios em lojas, em especial um vizinho ao ateliê e próximo a um matagal. Além disso, tinha o acrílico imundo das minhas mesas de luz para fotografia e uns desenhinhos colados contra a luz na janela.
FK: Na busca por matéria-prima para as obras dentro e fora do ateliê, há um fascínio por determinadas estruturas e o modo como articulam luz, proporção e distância. É injusto dizer que afinal os backlights constituem uma obra formalista?
PF: Formalista, sim! Acredito que o problema com esse termo é que, repetido infinitamente, ele perdeu sua capacidade de significar; evoca fantasmas longínquos de seres que não andaram por essas terras. No neoconcretismo, por exemplo, não havia contradição entre pensamento formal e questões como a da participação. Para os formalistas russos, “forma” era uma estrutura geradora, ou seja, uma unidade que cria os próprios parâmetros de desenvolvimento. Nesse sentido, a caixa de luz pode ser uma forma: algo que sugere derivações, declinações, inversões ou combinações de si mesma.
FK: Mas a caixa de luz é mais do que uma estrutura que possibilita múltiplas variações sintáticas; ela é, sobretudo, um dispositivo para o olhar. Somado isso ao índice da mão do artista, não é possível reconhecer nessa obra uma dimensão aurática?
PF: Sim, mas até certo ponto. As caixas parecem reprodutíveis; suas placas poderiam ser descartadas ou refeitas. Trata-se de uma coreografia aberta, uma partitura com espaço para improviso. Por outro lado, há de fato um valor de culto associado a elas – isso porque foram concebidas para uma peça da Cia Teatral Ueinzz, chamada Cais de ovelhas. Uma caixa menor foi usada no cenário: ficava apagada como um tapume negro na maior parte da apresentação e se acendia na cena final, quando os atores imitam animais por um tempo indefinido.
Essa é a dimensão aurática que me interessa. Vejo essas caixas como um acessório ao ritual presencial do teatro, que possui a energia de acontecimento único. Cada vez mais me interesso por produzir trabalhos que cheguem depois ao lugar da arte; ou que saiam dele para contextos outros; enfim, quero que “arte” seja entendida como um dos momentos de sua existência.
“Do que se consegue pelas próprias forças” (para Bruno)
“Como você é linda! Parece nosso planeta, redonda e cercada por pássaros”
(Chris Marker, Vive la baleine!, 1972)
“Uma baleia imensa, vomitada do mar azul (que os deuses não deixem ser um mau presságio!), despejada na praia perto de Katwijk. Que terror dos oceanos profundos é uma baleia, quando é lançada pelo vento e por suas próprias forças para a costa, tornando-se prisioneira na terra seca. Nós traduzimos essa criatura para o papel, e fazemo-la famosa, para que as pessoas possam falar dela”.
(inscrição numa gravura de Jacob Mathan, de 1601, representando uma baleia encalhada em Katwijk, na Holanda)
As imagens feitas por homens perplexos e apaixonados diante dos monstros trazidos por suas próprias forças, por desígnio divino ou gesto demoníaco ao lugar das gentes, à beira da praia (e sabe-se lá o que precipitam por sua presença monumental: terremotos, incêndios, assassinatos e outros apocalipses…), as séries de gravuras que o herege século XVII não cansou de produzir do inexplicável suicídio animal fundindo precisão anatômica e imaginação, fascínio proto-naturalista e o espanto místico diante de um mundo a mercê dos deuses encheram meus cadernos e arquivos por cerca de um ano: Jacob Mathan, Jan Wierix, Willem van der Gouwen… até que quis fazer da minha baleia um monstro frágil, que apesar de sua vontade horizontal arranja um jeito de manter-se em pé, de carregar a si mesmo, assim mesmo com as entranhas à mostra, o verso emendado de fita, apoiado por pinos deformados à explícita a treliça de madeira mal pintada, descascada, de réguas que um dia já foram uma gigantesca torre de energia, ela mesma, aliás, assim fatiada em módulos humanos de 5 metros, e que agora suportam a baleia outodoor, cortina teatral, diorama. A madeira e o papel justapostos, as partes que parecem prestes a se soltar, e o pó negro a exalar do mostro que foi parar ali numa noite sem testemunhas. É um desenho grande demais para um homem só, que quatro, seis ou oito braços devem por em pé ou deitar no chão, de carvão, navalha, cola, cera e óleo, e que começa sem janela, sem tamanho determinado, crescendo de pedaço em pedaço, chegando ao limite de sua extensão ao tocar as paredes, desenho que não consigo ver de longe, e cujas partes destroem e se refazem diariamente, que não é projeto de uma idéia, mas de um termo, que engole impiedosamente um cardume de outros desenhos malsucedidos, uma baleia cujo corpo é montado com papéis pisoteados por meses, que circularam livremente daqui pra lá até se fixarem nesse corpo fabulado.
O slide show (MEME) reúne representações do suicídio produzidas entre a Grécia antiga e o início do século XX. Por autocensura dos veículos da grande imprensa (o temor do contágio, e, talvez, ainda o resíduo de uma antiga condenação cristã ao suicídio), as histórias e imagens dos suicidas tendem a escapar das páginas dos jornais. Afinal, o que diria uma fotografia de um corpo morto por sua própria consciência, a não ser o mesmo nada que dizem todas as fotografias de cadáveres ? Mas minhas prateleiras e pastas estão cheias de imagens que tentam construir sentido para tais gestos: além de Vasos Gregos e iluminuras medievais, Giotto, Artemisia, Rembrandt, Hogarth, Goya, Manet, Pissarro, Georg Grosz, Karl Arnold … elegias póstumas, reações no calor da hora, descrições de misérias pessoais e de mundos terríveis mortes de vergonha, de desespero, de amor, de culpa, de orgulho. Nessas tentativas de dar conta do caráter inexplicável desse gesto extremo encontrei belos exercícios de imaginação e descrição daquilo que não é e não pode ser visto, mas que, ainda assim, podemos tentar representar.
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes exclusivamente para o Prêmio PIPA 2017:
Vídeo produzido pela Matrioska Filmes com exclusividade para o PIPA 2016:
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