Nascida na baía de Guanabara, criada nas margens do Paraíbuna, atravessou o oceano atlântico até a Seine, desaguou no Rhône e praticou três anos de Stand Up Paddle no lago Paranoá. Atualmente margina o Tietê à procura de rios subterrâneos.
Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora [RJ] e em Artes Plásticas pela Université Paris 8 [FR]. Mestre em Fotografia Contemporânea pela École Nationale Supérieure de la Photographie [FR] e em Poéticas Contemporâneas pela Universidade de Brasília [DF].
Expôs coletivamente 30 vezes em 4 países diferentes [Brasil, França, China, Canadá]. Individualmente, 3 vezes. Participou de 13 publicações e duas residências artísticas. Ganhou 2 prêmios [Arca-Suiss + Transborda Brasília].
“Minuta 2010-2014”, duração: 14’15”.
“Bonjour, au revoir et merci”, duração: 5’00”.
“Medida Metereológica”, duração: 01’25”.
“O peso do pedaço de papel”
Em individual no ‘JF Foto15’, artista e pesquisadora Júlia Milward faz refletir sobre o valor afetivo da fotografia
Por Mauro Morais
[Artigo escrito para o jornal Tribuna de Minas, em 1 de setembro de 2015.]
Para ilustrar seu trabalho, Júlia Milward lança mão do registro de sua primeira comunhão, vestida de branco, na capela da escola. “Sou eu, me lembro de um monte de coisas. De um amigo meu que achou que era broche um besouro pousado em mim. Me lembro dos gritos. Sei quem era o fotógrafo, porque era o mesmo de todos os eventos da escola. Me lembro das músicas. Só não me recordo do segundo em que posei para a foto. Ela existe e me faz lembrar disso tudo, só não faz voltar à memória o instante em que fui para o canto para ser fotografada. Não me lembro de terem me levado. Esse instante ficou gravado e, por causa dele, me recordo dos outros”, conta, para logo completar: “A fotografia não é uma coisa vista, é algo mais ou menos visto. Você viu, percebeu, mas, naquele instante, não viu”.
Há ruídos entre memória afetiva e imagem de registro. E eles estão no foco da loira de cabelos longos, olhos claros, gestos reduzidos e um sotaque que não deixa dúvidas sobre os anos em que viveu na França, estudando na Universidade de Paris 8 e na Escola Nacional Superior de Fotografia de Arles. Aos 31 anos, Júlia Milward, atualmente residindo em São Paulo, após concluir mestrado na Universidade de Brasília, investiga o complexo na fotografia. Fala da superfície sem se deixar superficial. Em “[planos planos]“, série que apresenta no Centro Cultural Bernardo Mascarenhas (CCBM), na programação do “JF Foto 15”, a artista nascida no Rio e crescida em Juiz de Fora observa a fotografia como esse pedaço de papel plano, sobre o qual traça seu próprio plano de pesquisa.
“Meu interesse está em como subverter as formas como as fotografias são utilizadas, pensando: ‘o que é o ato de fotografar?’. O escritor Georges Perec fotografa escrevendo”, diz ela, que acaba de vencer o “Transborda Brasília – Prêmio de arte contemporânea”, que teve na banca os referenciais para o pensamento da produção de hoje no país, Agnaldo Farias, Cristiana Tejo, Fernando Cocchiarale, Marilia Panitz e Ralph Gehre. Além de ter seu trabalho adquirido no valor de R$ 6 mil, Júlia ganhou uma bolsa de estudos para o curso Dynamic Encounters Brasil, ministrado por Charles Watson, e acompanhamento crítico de trabalho e produção com a curadora Cristiana Tejo, pelo período de seis meses.
Atlas, obscenidades e cisões
A obra com a qual Júlia Milward tornou-se uma das principais vozes da cena contemporânea da capital federal está em cartaz em Juiz de Fora. Em “[Em algum lugar dos atlas]“, a artista se utiliza da experiência e da impressão do outro para fazer seu discurso sobre as muitas camadas que uma fotografia esconde. “Trabalho com fotos que achei, pousadas com cuidado, em uma caçamba em São Paulo. Convivi muito tempo com elas sem saber o que fazer. Não queria pesquisar quem eram as pessoas ou criar uma narrativa. Queria questionar a superfície”, pontua. “A primeira foto tem o nome de um hotel, e fui pesquisar, e ele está em uma cadeia montanhosa chamada Atlas. Peguei as fotos, escaneei, passei para P&B, imprimi em papel fotográfico e fiz a primeira intervenção – tirei o rosto dos personagens e pequenos riscos. Depois, escaneei de novo, fiz novas intervenções e por aí fui, até achar que deu”, esmiúça o processo.
Cada imagem contém diferentes camadas de intervenções que convivem no resultado final. “A fotografia tem isso, porque a pessoa não convive com as imagens quando são tiradas”, comenta. Ainda que o start de cada registro não tenha partido de sua mão, Júlia é enfática ao defender sua autoria. “Quando coloco meu ponto de vista sobre algo estou inscrevendo.” Já em “[Casos de cisão]“, uma imagem, como num papel de parede, aparece rasgada numa quina perto de um teto. “Há um estranhamento no olhar pela constatação de um corte na imagem e na perspectiva. Temos uma relação, um envolvimento afetivo com a fotografia. Se rasga, é como se o fizesse na realidade”, aponta.
“[Obscenas]” revela a fotografia como um simples objeto, cujo valor é dosado pela afetividade. “Essa série é sobre o que está fora da cena e vem de uma frase do poeta francês Emmanuel Hocquard, que tem um livro chamado ‘A teoria das mesas’: ‘A mesa é um sobre/uma frase não tem versão/uma fotografia não tem costas’”, conta, apresentando retratos de família, fotos compradas em mercados de pulgas – “a intimidade de um desconhecido” – com pequenos cortes, rabiscos e outras avarias que o tempo e o uso deram conta de fazer. “Não chamo de defeitos nas imagens, mas elementos que revelam que aquilo é um papel. Por isso viro as costas das imagens e uso em P&B, que está longe de ser a forma como enxergamos. Aquilo ali, então, não é nada além de uma ilusão”, defende. Sem, necessariamente, portar uma câmera, Júlia pensa o clique: os seus e os de todos. “O que é essa imagem que carrego comigo? Qual o peso do retrato de alguém?”, questiona.
[ponto de convergência]
Colocar em aparência a mais óbvia e repetitiva questão a partir de protocolos estabelecidos e que são relacionados diretamente ao objeto de pesquisa. Nos trabalhos apresentados, pretende-se experimentar através dos expostos os pontos reflexivos não conclusivos sobre as variações do tempo: no instante (Still Life), no desencontro (Bonjour, au revoir et merci/Em Algum lugar dos Atlas), na espera (Minuta 2010-2014), na repetição (A palmeira real do jardim de Pamplemousse), na memória (obscenas).
O tempo no instante é questionado pelo derradeiro momento, mais especificamente o último quase segundo da existência de um corpo. No desencontro é apresentado por um aceno e pelo acaso de camadas temporais que nunca coexistiram no mesmo espaço-tempo, mas que se fazem aplainadas em uma só imagem. Na espera, os locais de trânsito aéreo, entre o já ter saído e o não ter chegado, lugares de expansões temporais por expectativas. Na repetição da imagem, a repetição do gesto, tornar a imagem reprodutível única pelo amassar. Na memória, representada pela camada ilusória fotográfica apresentada pelos ruídos visuais que fazem defeitos nas imagens e revelam a farsa.
Formação
2014
– Mestrado em Poéticas Contemporâneas, Universidade de Brasília, DF
2011
– Diplomada em Fotografia Contemporânea, Ecole Nationale Supérieure de la Photographie d’Arles, França
2008
– Graduação em Artes Plásticas, Université Paris 8, França
2007
– Graduação em Comunicação Social/Jornalismo, Universidade Federal de Juiz de Fora, RJ
Exposições individuais
2015
– “planos planos”, Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, Juiz de Fora, RJ
– “Bom dia, adeus e obrigada”, Alfinete Galeria, Brasília, DF
2011
– “Como fazer parar a chuva”, Espaço Experimental, Juiz de Fora, RJ
Exposições coletivas
2015
– “Ocupação 2.0”, Espaço Elefante, Brasília, DF
– “Narrativas Turvas”, Galeria Orlando Lemos, Belo Horizonte, MG
– “Fotos contam fatos”, Galeria Vermelho, São Paulo, SP
– “Transborda”, Caixa Cultural, Brasília, DF
– “Tempo Movimento” – VI Prêmio de Diário Contemporâneo, Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, Belém, PA
2014
– “Kind of blue”, Gris – Escritório de Arte, São Paulo, SP
– “Grand Tour”, Alfinete Galeria, Brasília, DF
2013
– “Ser Paisagem”, Espaço Piloto, Brasília, DF
– “Salão de Outono da América Latina”, Aliança Francesa, São Paulo, SP
– “Charivari dos Garis”, Casa da Cultura da América Latina da UNB, Brasília, DF
2012
– “Pós-Happening”, Galeria Espaço Piloto, Brasília, DF
– Bienal Universitária de Arte, CentoeQuatro, Belo Horizonte, MG
– “Foto 12”, Centro Cultural Bernardo Mascarenhas, Juiz de Fora, RJ
– “Gambiarra”, Galeria Espaço Piloto, Brasília, DF
2011
– “A distances”, Centre Photographique d’Ile de France, Paris, França
– “Projet A4+”, PCF, durante o festival Rencontres Internationales de la Photographie, Arles, França
– “Photorrida”, Magasin de jouets, Arles, França
2010
– “Small Victories”, Little Mountain Gallery, Vancouver, Canadá; Above second gallery, Honk Kong, China
– “Wip, Eglise Saint-Julien”, durante o festival Rencontres Internationales de la Photographie, Arles, França
– “Montage parallèle”, Galerie Aréna, Arles, França
2009
– “Yeux des Montagnes”, Museu Casa Guignard, Ouro Preto, MG; Casa de Cultura, Juiz de Fora, RJ
2006
– “Encontro Marcado”, Galeria Celina Bracher, Juiz de Fora, RJ
Prêmios
2015
– Transborda (2º), Brasília, DF
2009
– Prix Arca-Suiss, Arles, França
Residências artísticas
2016
– Nuvem – Estação Rural de Arte e Tecnologia, Serra da Mantiqueira, RJ
2014
– Alfinete Galeria, Brasília, DF
Seleção em projeções
2015
– “The Smell of Dust”, projeto itinerante
– “Co-incidences photographiques”, Galerie Les Bains Révélateurs, Roubaix, França
2014
– “Projeto Lacuna”, Alfinete Galeria, Brasília, DF
2011
– “Voies OFF”, durante o festival Rencontres Internationales de la Photographie, Arles, França
Publicações
2015
– Catálogo Fotos contam fatos, Brasil
– Catálogo FOTO 15, Brasil
– Catálogo Transborda, Brasil
– Catálogo Prêmio Diário Contemporâneo, Brasil
2013
– Catálogo Linha-tênue, Brasil
– Catálogo Salão de Outono da América Latina, Brasil
– Revista A3 #4, Brasil
2012
– Zine Cocô #0, Brasil
– Catálogo FOTO 12, Brasil
2011
– Edição À distances, ENS éditions, França
– Catálogo FOTO 11, Brasil
2010
– Edição WIP #3, França
2009
– Edição WIP #2, França
Auto-edições
2016
– Em algum lugar dos Atlas, Editora Xêmoá, Brasil
2015
– Provas materiais das passagens [o deserto], Editora Xêmoá, Brasil
2014
– notas sobre notas, Editora Xêmoá, Brasil
2011
– Types of women you should date, Editora Xêmoá, Brasil/ França