Indicado ao Prêmio PIPA 2015 e 2017.
Membro do Comitê de Indicação do Prêmio PIPA 2010 e 2014.
Artista e pesquisador, há 18 anos deixa que o lugar determine aquilo que irá construir e, mais recentemente, o que irá comer. Professor no Instituto de Artes da UERJ, Rio de Janeiro, Rj e doutor em Poéticas Visuais em Artes pela USP, São Paulo, SP. Recentemente concluiu um Pós-doutorado na UDESC, Florianópolis, SC, onde se dedicou a investigar relações possíveis entre agroecologia e as práticas site-specific em arte.
“Restauro” consistiu na criação de um sistema articulado a partir de um restaurante-obra na 32ª Bienal-SP que funcionava como uma extensão de agroflorestas para dentro do pavilhão e seus visitantes. Possibilitou assim a participação do público em um processo complexo de regeneração da paisagem que ocorre nesse tipo de cultivo. Considerando que a agropecuária está entre as atividades humanas de maior impacto, responsável por 90 % do desmatamento da Amazônia, por exemplo, o Sistema Agroflorestal (SAF) responde como uma alternativa para plantar e comer em aliança com a floresta, já que não só produz alimentos, mas regenera a terra. A lógica monocultural inviabiliza a presença da mata, considerada como empecilho à produção convencional. Os danos ambientais são imensuráveis, ameaçando a biodiversidade, mudando violentamente o clima e substituindo a paisagem por deserto. Diante do desafio de relacionar 2 localidades e lógicas remotas, a agrofloresta e a exposição, optou-se por imaginar o alimento enquanto mediador, que não operasse por representação, mas sim como um prolongamento da floresta. Entendeu-se que o alimento carregaria uma informação específica que, ao ser transportado para a Bienal, processado e consumido, seria lido pelos corpos dos comensais e irrigaria as suas células com FLORESTIDADE. A partir do consumo e retorno econômico, o público frequentador do restaurante apoiou os agrofloresteiros, cuja atividade combina produção de comida e ativismo ambiental. O processo foi descrito como uma ESCULTURA AMBIENTAL em curso, imaginando que nossas bocas tem o poder de esculpir e modelar a paisagem ao aliar-se a métodos de produção que restauram o ambiente. O sistema digestivo humano não começa na boca, mas na terra. A pesquisa envolveu visitas à agroflorestas e cooperativas de São Paulo, que foram mapeadas a partir de uma parceria com a Secretaria do Meio Ambiente do Estado. Semanalmente, os agrofloresteiros fizeram entregas na Bienal, quando eram convidados a visitar a mostra e fazer uma fala pública. Colaboradores do RESTAURO: o Grupo Inteiro, coletivo de artistas e arquitetos, responsáveis pela espacialização; Neka Menna Barreto e Escola Como Como de Ecogastronomia operaram a cozinha; Vitor Braz, administração; Marcelo Wasem, músico e artista, participou da captura das vozes dos produtores e das paisagens sonoras nos sítios. O material editado com alunos de projetos de extensão da UERJ integrou a instalação e o projeto Campo Sonoro on-line da Bienal.
Os conceitos trabalhados surgiram em um pós-doc (2014-UDESC), quando investiguei sobre os usos da terra em agroecologia, relacionando-os à sensibilidade site-specific e da land art. É vital situar a origem na academia, pois isso dá o tom educativo de todo o projeto. 2015/16 foram de pesquisa já voltada para o RESTAURO, quando visitei sítios agroflorestais e constitui a rede de colaboradores que integra a proposta. Atualmente, dedico-me a pensar como se pode “itinerar” para o meio impresso, criando um livro que não seja apenas documental, mas uma extensão da obra.
“Restauro” propõe uma pedagogia da floresta que pode ser lida a partir da arte, mas não se restringe a ela. A produção de alimentos na floresta está baseada na observação dos seus processos e especificidades, mais do que na imposição de uma cultura (mono) que força o solo a produzir algo para o qual não tem vocação (por isso os agrotóxicos), dizimando ecossistemas para instaurar paisagens homogêneas. A biodiversidade é chave da SAF. Espécies interagem e criam um sistema complexo mediado pelo humano (manejo). A agrofloresta é o oposto da monocultura. O reconhecimento do local, incluindo as espécies que o habitam, é central na SAF, o que a torna “context and latitude-specific”. RESTAURO buscou alimentos que fossem fruto desse pensar/praticar e contivessem essa informação. Uma vez transportados e processados, foram servidos ao público interessado no restaurante, entendido como um non-site da floresta. Partiu-se da hipótese de que as células dos corpos participantes poderiam decodificar a informação. Pouco investiu-se em imagens e textos na recepção, reivindicando protagonismo para o alimento e evitando uma abordagem logocêntrica. Ao imaginar o alimento como uma extensão da floresta para dentro dos corpos dos visitantes, tornados assim parte desse sistema biodiverso, cria-se a imagem de um corpo-leitor-participador que seria capaz de descompactar a florestidade contida nos alimentos-mediadores.
Trabalhou-se com diferentes noções de público. O primeiro se formou no momento da pesquisa, em visitas de campo, quando o projeto era apresentado aos produtores. O segundo seria a própria instituição, produção e curadoria que também passaram por um processo de aprendizagem. Terceiro, a própria equipe que operou o restaurante. Inaugurada a Bienal, tivemos dois tipos de público, espontâneo e escolas. Muitos chegavam ao restaurante desavisados. A condição anfíbia do trabalho – obra e prestação de serviço – criava uma imagem imprecisa. O rebaixamento de um discurso explicativo sobre a obra era intencional. Apostou-se no que chamei Mediação Celular. Se um visitante quisesse tomar um café e não manifestasse interesse de ir além, ainda assim as suas células se relacionariam de maneira diferente com a bebida, já que continha uma informação específica. As escolas tiveram acesso a degustações e conversa com educadores do próprio RESTAURO, que operavam como “enzimas digestivas” dos processos crítico-metabólicos em andamento. Dentre as comunidades de fornecedores, ressalta-se a participação de assentamentos do MST, tal como as 80 famílias do Mário Lago (Ribeirão P.) ou a CooperaFloresta A (B. do Turvo), onde mais de 100 famílias se dedicam ao SAF. Por fim, Restauro se endereça a um público expandido, interespécies. Ao priorizar um cardápio a base da diversidade do reino vegetal, também presta-lhe uma homenagem, ao mesmo tempo que se endereça às matas, aos rios e animais. – Jorge Menna Barreto