Belo Horizonte, MG, 1965.
Vive e trabalha em Belo Horizonte, MG.
Cao Guimarães atua no cruzamento entre o cinema e as artes plásticas. Com produção intensa desde o final dos anos 1980, o artista tem suas obras em numerosas coleções prestigiadas como a Tate Modern (Reino Unido), o MoMA e o Museu Guggenheim (EUA), Fondation Cartier (França), Colección Jumex (México), Inhotim (Brasil), Museu Thyssen-Bornemisza (Espanha), dentre outras.
Ver é uma fábula, 2013, parte 1/2, 9’07”
Ver é uma fábula, 2013, parte 2/2, 9’48”
Ex-Isto, 2013, 86′
A Alma do Osso (trailer), 2013, 74′
Otto (trailer), 2013, 71′
Cao Guimarães atua no cruzamento entre o cinema e as artes plásticas. Com produção intensa desde o final dos anos 1980, o artista tem suas obras em numerosas coleções prestigiadas como a Tate Modern (Reino Unido), o MoMA e o Museu Guggenheim (EUA), Fondation Cartier (França), Colección Jumex (México), Inhotim (Brasil), Museu Thyssen-Bornemisza (Espanha), dentre outras.
Participou de importantes exposições como XXV e XXVII Bienal Internacional de São Paulo, Brasil; Insite Biennial 2005, México; Cruzamentos: Contemporary Art in Brazil, EUA; Tropicália: The 60s in Brazil, Áustria; Sharjah Biennial 11 Film Programme, Emirados Árabes Unidos e Ver é Uma Fábula, Brasil, uma retrospectiva com grande parte das obras do artista expostas no Itaú Cultural, em São Paulo.
Realizou dez longas-metragens: Espera (2018), O Homem das Multidões (2013), Otto (2012), Elvira Lorelay Alma de Dragón (2012), Ex Isto (2010), Andarilho (2007), Acidente (2006), Alma do Osso (2004), Rua de Mão-Dupla (2002) e o Fim do Sem Fim (2001), que participaram de renomados festivais internacionais como Cannes, Locarno, Sundance, Veneza, Berlim e Rotterdam.
Ganhou retrospectivas de seus filmes no MoMA, em 2011, Itaú Cultural, em 2013, BAFICI (Buenos Aires) e Cinemateca do México em 2014. Em setembro de 2017 inaugurou a maior exposição e retrospectiva acerca de sua obra em território europeu, no Eye Filmmuseum, em Amsterdã.
É representado pela Galeria Nara Roesler, de São Paulo e Galerie Xippas (Paris e Montevideo).
Fotografar sobre a perna
Por Rodrigo Moura
Cao Guimarães está entre os autores brasileiros que lidam de maneira sistemática com o cinema no terreno das artes plásticas. Seu partido poderia ser descrito como artesanal, na medida em que esvazia a noção do cinema como a somatória de diferentes trabalhos técnicos, na qual camadas de construção se sobrepõem para criar imagens em movimento. Ao trabalhar com número restrito de colaboradores e baixa ou nenhuma interferência nas cenas que filma, Cao se aproximou da noção de documentário e criou uma economia de meios a que tem chamado “cinema de cozinha”. São filmes que comungam da articulação entre filme de artista e documentário, uma tradição da vanguarda de ontem e de hoje, de Vertov a Jonas Mekas. Porém o início de sua prática, já sob influência marcante do realismo, se dá como fotógrafo – um sujeito que, por trabalhar mormente sozinho, estabelece vínculos de intimidade, mais ou menos calorosos, com seus objetos. Desdobramentos interessantes de sua pesquisa podem ser notados em múltiplos métodos e abordagens em filmes recentes – desde a observação direta da realidade (Da janela do meu quarto, 2004) até o encontro de diferentes subjetividades mediante instruções (Rua de mão dupla, 2002). Dificilmente poderíamos chamar tais filmes de documentários, a não ser que estejamos interessados em redefinir o que significa tal noção, embora não seja ocioso anotar aqui a atenção considerável que conquistam no circuito dos filmes documentários.
Na mesma chave, desde o final de década de 1990, Cao realiza um extenso inventário fotográfico de gambiarras, campo de interesse que dividiu inicialmente com a artista Rivane Neuenschwander. A definição destas construções de natureza informal poderia ironicamente ser ajudada pelo dicionário. Aurélio e Houaiss coincidem em defini-las como o aparato de iluminação no qual se ata uma ou mais lâmpadas à extensão de um fio elétrico, sem luminárias – uma gambiarra-paradigma, diríamos. Contudo ambos não vão adiante ao defini-las como o termo que nomeia soluções práticas, improvisadas, que a toda hora se dão no cotidiano – como, por exemplo, substituir uma fivela de sutiã por um clipe de metal ou dispor de um utensílio de cozinha para manter uma janela aberta – justamente a acepção que interessa ao artista. Na etimologia, porém, também coincidem em indicar a origem do termo, embora duvidosa e obscura, à palavra gâmbia, sinônimo de perna.
Utilizar a imagem da perna como elemento escultórico condutor destas construções me parece propício, já que na maioria delas a gambiarra é introduzida como elemento de apoio para alguma atividade (contrapesos para placas, apoio para um carro sem rodas, próteses para hastes de óculos, uma cadeira-churrasqueira). O olhar de Cao encontra estas construções em todos os cantos, mas o desafio é menos acumular do que definir as gambiarras; uma gaveta suspensa no ar por fios de nylon e um travesseiro feito como um coco poderiam ser os extremos desta investigação da natureza escultórica da gambiarra e dos seus limites com o absurdo e o nada. Por outro lado, uma análise da natureza fotográfica destas imagens nos revela afinidades entre o seu aspecto despretensioso e aquele casual e furtivo das construções; estamos diante de imagens feitas de passagem, anotações que não serão substituídas, snapshots às vezes feitas por outrem, uma coleção mais afetiva do que obsessiva. Uma posição colecionista que me faz lembrar uma declaração do artista, a de que começou a trabalhar como artista no momento em que iniciou sua prática como cinefilo. Estas imagens nos confrontam com um antigo mote da fotografia: fazer imagens é colecioná-las.
As gambiarras de Cao Guimarães, resgatadas da obliteração a que estão fadadas, não são apenas a solução oferecida ante a escassez de recursos, se não também a negativa às soluções industriais, pré-fabricadas, massificadas, conformadas. Uso e criação se confundem, se dão a contrapelo, em “oposição”, na definição de Lagnado emprestada de Oiticica. Nas suas fotografias, Cao trata do desejo de transformação do cotidiano não como utopia, mas como a produção do atestado de que esta transformação acontece, na prática, todos os dias, no planeta todo.