(ultima atualização em julho/2016)
Maringá, PR, 1982.
Vive e trabalha em São Paulo, SP.
Representado pela Galeria Pilar
Indicado ao PIPA 2016.
Artista e pesquisador visual. Mestre em Artes Visuais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com apoio da Fapesp. Atualmente realiza seu doutorado na Unicamp, com bolsa da Capes. Seus projetos artísticos já foram exibidos em instituições e galerias como Centro de Arte 2 de Mayo (Madri, Espanha), Instituto Tomie Ohtake, Funarte São Paulo, Paço das Artes (São Paulo, SP), Biblioteca Joanina (Coimbra, Portugal), Frestas Trienal (SESC Sorocaba, SP), Museu de Arte Contemporânea do Paraná (Curitiba, PR), Museu de Arte de Ribeirão Preto (SP), Museu de Arte de Goiânia (GO), Blau Projects, Galeria Pilar (São Paulo, SP), entre outras.
Já participou de exposições com curadorias de Paulo Miyada, Priscila Arantes, Marta Ramos-Yzquierdo, Josué Mattos, Paula Borghi etc. Em 2014, recebeu o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea e a Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes Visuais. Em 2016, realiza uma viagem de pesquisa artística em Helsinki, Finlândia, com apoio da CIMO Fellowship. Possui obras nos acervos do MAC USP, MAC Paraná, Instituto Figueiredo Ferraz e Goethe-Institut São Paulo.
Site: brunomoreschi.com
Vídeo produzido pela Matrioska Filmes, exclusivamente para o PIPA 2016:
“Em obras”
Por Marta Ramos-Yzquierdo
[Texto escrito para a exposição “Em Obras”, Blau Projects, São Pauloi, SP]
“A arte moderna começa com a renúncia à pintura de História.” (1)
A INDEPENDÊNCIA VAI DESAPARECER. É fato. A pintura conhecida como “O grito do Ipiranga” de Pedro Américo, 1888, encomenda feita pela família real brasileira para exaltar a figura de D. Pedro I e plasmar no imaginário o símbolo da independência de Portugal proclamada em 1822, não poderá ser vista até 2022, ano no qual serão terminadas as reformas do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, em cuja coleção a obra se encontra.
Sem propor a debater a significação política da criação de mitos históricos, na própria obra e no próprio museu (todo seu acervo é relativo à independência), sua decadência e sua reinauguração, a realidade é que uma das pinturas de referência da cultura popular brasileira só vai estar disponível à nossa visão através de reproduções nos próximos nove anos.
Esta é a noticia com a qual Bruno Moreschi começa a dar forma ao projeto “Em obras”. A primeira proposta é a reprodução da famosa imagem de Américo, em partes e destacando alguns detalhes, feita por várias mãos de “pintores de rua” no ateliê do artista, o qual atuava como assistente.
É uma primeira camada da investigação que o artista vem desenvolvendo, que em sua forma mais abstrata eu chamaria “do visível e do invisível”. Porque a obra original vai passar a ser invisível, porque os destaques são personagens normalmente não percebidos nem citados na história oficial: um tropeiro, um boiadeiro e um pessoa na janela de uma casa. São as testemunhas mudas, os invisíveis do relato visível.
A reivindicação do conteúdo se revela também no processo: as peças foram produzidas em colaboração por uma equipe de diferentes pintores que comercializam seu trabalho negociando diretamente com o cliente e usando o espaço público como lugar de vendas. São esses trabalhadores ou profissionais da arte que, assim como um assistente tanto no Renascimento como agora, permanecem invisíveis na instituição arte.
Nesta ocasião todos eles aparecem como artistas da mostra, todos são autores das obras. O interessante deste processo são as relações criadas, para além do conceito de obra ou de autoria, já que estamos falando a partir de um espaço que faz parte do aparelho validador da arte contemporânea. Cada uma das pessoas contratadas como um trabalhador para realizar a cópia de uma obra, estabeleceu uma relação laboral. E aqui se levanta a grande questão sobre o que seria e o que definiria um artista profissional, um trabalhador, portanto, em nosso ambiente de arte contemporânea e fora dele.
Diálogo 1:
BM – Não vamos terminar toda a pintura, acho melhor mostrar um pouco o processo… Que tal?
P1 – Você tem certeza?
BM – Qual é o problema?
P1- É que vão achar que pinto mal.
Habilidade, destreza, acabamento, processo, finalização, certeza. Um produto acabado não deixa à vista nenhuma das partes do processo. A obra de arte é só um produto num contexto de mercado, mas tem, ou deveria ter, um significado e uma autonomia para além deste. A atividade artística contemporânea não se enquadra apenas aos meios e sistemas de produção. Além do mais, seus processos abertos à crítica e autocrítica, ao livre pensamento ou à dúvida podem / costumam gerar estupefação e/ou desagrado de uma grande maioria da sociedade, mais ainda se sua forma de concretização – que poderia ser qualquer uma – se afasta das tradicionais belas artes.
Sigmar Polke dizia que a pintura não era mais que uma moral construída.
“Independência ou morte”, esse é o título original da obra do Ipiranga, mas A INDEPENDÊNCIA É CIRCUNSTANCIAL, por vários motivos: porque afinal não estamos falando do que aconteceu às margens do Ipiranga, mas principalmente, porque qualquer pergunta que lancemos sobre as relações criadas num sistema dependem de seu contexto.
A segunda ação realizada por Moreschi consistiu na contratação de nove pintores de parede para que livremente escolhessem uma cor, uma forma e um pedaço de uma das paredes da galeria para aplicar a tinta. A composição foi totalmente determinada por eles – por acaso todos realizaram retângulos como nas provas de cores, embora numa disposição livre – sem indicação ou julgamento estético algum do artista.
Diálogo 2:
P2 – Mas eu sou pintor de parede. Estou acostumado a pintar parede…
BM – Mas vai ser na parede.
P2 – Mas eu pinto sempre do mesmo jeito. Vou ter que criar?
BM – Vai ter que escolher o jeito que você achar melhor…
P2 – Vale tudo?
BM – Vale.
P2 – Então a conclusão é que vou ter que criar.
O materialismo histórico divide a sociedade em proletários e capitalistas; Hanna Arendt, em Animal laborans, o técnico para o qual o trabalho é um fim em si mesmo, e Homo faber, produtor superior de pensamento. Richard Sennet, por sua vez, propõe um sistema no qual a ação da mão e do cérebro aja de forma conjunta, sem negar a ninguém a capacidade dessa dupla ativa e reflexiva, e que chegaria à sua máxima potencialidade nos trabalhos colaborativos horizontais (2).
Unindo as ideias de Rosalind Krauss (3), que define a prática artística como uma série de operações lógicas efetuadas sobre termos culturais, às de Bourriaurd (4), segundo as quais “fazer a obra é inventar uma maneira de trabalhar, mais que ‘saber fazer’ tal coisa melhor que outras”, poderíamos pensar na instalação “Pintores” como uma proposta para repensar novos contextos sociais através da reflexão dos termos artesanal e relação de trabalho.
O desafio continua sendo a conexão real do mundo da arte contemporânea e da sociedade na qual se insere. Qual é o conceito de trabalho, e o conceito percebido sobre o trabalho do artista e/ou o artista como trabalhador?
Diálogo 3:
P3 – Pode ligar para minha mulher. Diz que virei artista. Vou terminar aqui e depois deitar na rede.
***
Referências Bibliográficas:
1. Nicolás Bourriaud, Formes de vide. L´art moderne et l´invention de soi, 1999.
2. Richard Sennet, The Craftsman, 2008
3. Rosalind Krauss, L´Originalité de l´avant-garde et autres mythes modernistes, Paris, 1993.
4. Nicolas Bourriard, op. cit.
* Marta Ramos-Yzquierdo é curadora independente.
“ART BOOK, Sala de Leitura e a arte de criar arquivos ficcionais”
Por Priscila Arantes (*)
[Texto para a exposição “Sala de Leitura”, 2014, Paço das Artes, São Paulo, SP]
Repensar os paradigmas da história e da história da arte tem sido tarefa de estudiosos e críticos desde o início do século passado. Não por acaso as questões em torno ao arquivo e aos dispositivos arquivais tornaram-se tópicos prementes no contexto contemporâneo.
Artistas que trabalham com processos de catalogação e arquivamento, que criam arquivos fictícios e/ou que desenvolvem projetos a partir de uma modalidade arquival são alguns dos procedimentos que encontramos nas práticas atuais. É dentro desta perspectiva que se inscreve ART BOOK; uma enciclopédia ficcional de arte contemporânea composta por 50 artistas e 311 obras, criada pelo jovem artista Bruno Moreschi.
O texto editorial da enciclopédia, escrito pelo artista e sua suposta equipe, já coloca os termos da questão: a dificuldade de selecionar 50 artistas contemporâneos que ‘representem’ a multiplicidade da arte contemporânea! Basta percorrer as apresentações dos artistas reunidos em ART BOOK para encontrar, de forma instigante, os estereótipos e modelos que circulam no sistema da arte contemporânea.
ART BOOK lança atenção para duas questões que me parecem fundamentais: os procedimentos de construção da história da arte bem como seus processos de legitimação. Neste sentido o projeto nos permite entender o arquivo e o documento histórico não como um dispositivo neutro e isento, mas nos alerta, como bem sinaliza Michel Foucault, para os jogos de poder implícitos nas construções discursivas.
Por outro lado, se ART BOOK é uma enciclopédia ficcional e diz respeito a artistas e obras que somente existem no imaginário do artista, não podemos dizer o mesmo do livro/objeto/enciclopédia Art Book que, enquanto ‘não objeto’, nas palavras de Gullar, se apresenta como uma obra híbrida que transita entre as artes gráficas, o design e as artes visuais.
Livro/objeto/enciclopédia/arquivo ficcional: Arte, etc.
A editora de ART BOOK não poderia ser outra; Menard, alusão direta a Jorge Luis Borges, escritor argentino, e ao conto Pierre Menard, autor do Quixote. Segundo Borges, Menard pretendia escrever o Quixote, mas não um novo Quixote, e muito menos um Quixote diferente do Quixote de Cervantes. Queria um Quixote exatamente igual ao Quixote de Cervantes, palavra por palavra. Um Quixote verbalmente idêntico ao Quixote de Cervantes.
Bruno Moreschi, de fato, desenvolve uma enciclopédia, palavra por palavra, e neste caso, temos que admitir, nada ficcional: tão boa ou melhor como qualquer enciclopédia de arte que poderíamos encontrar nas prateleiras dos melhores museus e instituições culturais do país. O processo extremante meticuloso e criativo na escolha dos nomes, dos verbetes comentados, bem como das supostas biografias de cada um dos 50 artistas apresentados; as imagens das obras, bem como a paleta de cores e as configurações do design gráfico que acompanha a edição, não deixam nada a desejar para qualquer livro de arte que se diz enciclopédico: cataloga, classifica e cria valores para um ‘suposto’ entendimento das artes atuais.
O desafio de apresentar o trabalho no Paço das Artes foi realizado a partir de uma pergunta que fiz ao artista: como foi o processo de criação deste livro/obra? É assim que ART BOOK se apresenta em Sala de Leitura: como uma espécie de diagrama cartográfico dos mapas mentais, visuais e iconográficos, que acompanharam a criação da enciclopédia ficcional.
A partir de aproximações visuais é possível detectar uma cartografia que se articula iconograficamente, à semelhança do Atlas Mnemosyne desenvolvido por Aby Warburg. Como se sabe o historiador alemão coloca em debate os processos narrativos tradicionais da história da arte ao propor uma nova metodologia historiográfica baseada menos em articulações temporais e cronológicas e mais em aproximações visuais.
Assim como os estudos do Atlas de Warburg, Sala de Leitura se apresenta como uma tentativa de construir uma história da arte não a partir de autores, contextos históricos permeados por ordens cronológicas e lineares, mas a partir de aproximações visuais e iconográficas. Composto por 700 imagens, o ‘atlas’ de Moreschi, no entanto, não se constitui somente por imagens clássicas da história da arte, mas se articula com imagens da mídia, de jornais e da internet que povoam a cultura imagética contemporânea. Assim as imagens que compoem o trabalho da suposta artista espanhola, Núria Moyano, se articulam visualmente com uma obra do artista brasileiro Henrique Oliveira e com a pintura Origem do Mundo de Coubert.
Para o Paço das Artes, instituição voltada ao fomento, difusão e memória da jovem arte brasileira, apresentar ART BOOK e sua Sala de Leitura, não somente é uma oportunidade de trazer ao público esta obra tão singular mas especialmente de dar a ver um projeto que se articula com as preocupações em torno ao arquivo e a memória da jovem arte brasileira que tem feito parte do nosso trabalho nos últimos anos.
* Priscila Arantes é diretora e curadora do Paço das Artes.
“As variadas dimensões variáveis”
Por Paulo Miyada
[Texto para a exposição “SEM TÍTULO – Técnica mista, dimensões variáveis (Bruno Moreschi etc.)”, 2014, Funarte São Paulo, SP]
Para organizar a exposição “SEM TÍTULO – Técnica mista, dimensões variáveis”, Bruno Moreschi, cuja atuação ora engloba múltiplas áreas de atuação no processo da arte, ora subtrai-se em lógicas quase autônomas, escolheu contar com um curador convidado. Decidimos que sua primeira exposição individual deveria ser mais de uma coisa ao mesmo tempo.
A. Ela é a mostra itinerante da publicação mundial ART BOOK, seleção dos mais promissores artistas da atualidade, apresentada na forma de um recorte curatorial temático sobre os limites da integridade da linguagem – um exercício fictício que dramatiza cacoetes contemporâneos e, ao mesmo tempo, funciona como comentário e desdobramento das práticas do próprio Moreschi, exemplificadas por seus trabalhos agregados à itinerância.
B. É uma exposição individual que condensa os últimos anos da produção de Moreschi, que tem como eixo seu mestrado recém concluído. Desveladas as ficções que podem ludibriar o público, resta uma compilação de provocações sobre a natureza do ato artístico: quem, afinal de contas, é seu agente? Aquele que tem a ideia? Que lhe dá corpo? O público em suas leituras infinitas? Todos, na medida que se entenda atuar como “representar um papel”, com todas as implicações teatrais que esta expressão pode carregar.
C. É um trabalho novo em si mesmo, feito em colaboração com os vários agentes convidados – dos fotógrafos ao curador, passando pela designer – e extensível ao catálogo da mostra. Todos os subsistemas articulados na realização da exposição foram tratados como atos criativos, parcelas de uma atuação artística ampla que escolhe correr o risco de tornar indistintas as linhas de contorno que separam cada obra.
* Paulo Miyada é arquiteto e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Foi assistente de curadoria da 29ª Bienal de São Paulo e atualmente coordena o Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake.
“É o ladrão que faz a ocasião”
Por Paulo Miyada
[Texto escrito para o projeto ART BOOK]
Introito
Nos últimos anos de sua carreira como jogador profissional de futebol, o ex-atacante da seleção brasileira tetracampeã, Romário, deixou cada vez mais evidente a tática que empregava para fazer pelo menos um gol por partida, quase sem correr em campo. Ao contrário do estereótipo do atacante aplicado, Romário deixava o jogo – e a bola – passar muitas vezes, desperdiçando inúmeros lançamentos e alimentando a impaciência do zagueiro designado para marcá-lo. Ao defensor, quase sempre mais de dez anos mais jovem que o atacante, sobrava fôlego e faltava malícia. Meia hora passava, e Romário ainda não havia dado uma disparada em direção ao gol. Chegava o intervalo, trocavam os lados, mais quinze minutos e nada. Cedo ou tarde, o marcador relaxava e parava de enxergar um dos maiores atacantes do mundo, sobrava aos seus olhos pouco mais que um veterano às vésperas da aposentadoria. Erro fatal.
Na primeira vez em que o jovem mancebo abria mão da marcação e partia para o ataque, Romário pedia a bola. O lançamento vinha, e ele, com dois ou três toques, chegava livre diante do goleiro que pouco podia fazer. O ditado diz que a ocasião faz o ladrão, ecoando assim os princípios do pensamento determinista. É mentira. O ladrão, a exemplo de Romário, cria a ocasião.
Extrapolação
No caso da arte contemporânea – quer dizer, da produção dos últimos dez anos, a qual se dedica este livro –, aplica-se também uma espécie atualizada do ditado popular acerca de roubos e oportunidades. Para explicar desde o começo. Mapeamentos geracionais recentes, como este livro e tantos outros recortes da novíssima geração de talentos espalhados pelo globo, costumam partir do pressuposto de que a produção artística pode ter qualquer formato e ser produzida por qualquer tipo de pessoa. A diversidade transformou-se numa regra implicitamente celebrada pelo pot-pourri de caracteres, ascendências e temperamentos dos artistas reunidos como amostra do seu tempo. Não obstante, a heterogeneidade não se restringe a combinações arbitrárias de diferenças.
Existem certas matrizes tipológicas a serem preenchidas. Primeiro, no nível dos estereótipos: enfant terrible que ganha admiração por zombar do público que o admira; artista advindo de contexto socioeconômico periférico, que combina técnicas e materiais associados ao folclore de seu país com as morfologias hegemônicas da arte abstrata; ativista engajado na denúncia de conflitos e preconceitos tipicamente associados aos países “não ocidentais”; consumista travestido de figura crítica aos desejos de consumo e acumulação de capital; figura intuitiva cuja explicação de obras formalistas escapa para territórios místicos e/ou inconscientes etc.
Depois, no nível das técnicas: fotografia de padrão abstrato ou gráfico; performance baseada no embate da fisicalidade do artista com o público; desenho ou anotação de teor afetivo-confessional; escultura neo-pop baseada nos mais icônicos artefatos da cultura material contemporânea; pintura de materialidade ou fatura precária; instalação baseada em derivações da arte site specific; vídeos contemplativos pautados pelas diretrizes do cinema experimental; obras conceituais dotadas de ironia ácida e/ou extrema reflexividade etc.
E ainda, no nível dos grupos censitários: homem branco europeu, empreendedor norte-americano, mulher oriental reprimida, latino humilde, asiático excêntrico, arquiteto/ músico/dançarino realocado no campo da arte, britânico intelectualizado e blasé, africano vivendo na Europa etc.
Basta percorrer as apresentações dos artistas reunidos neste livro para encontrar uma das várias formas possíveis de recombinar essas matrizes em um grupo jovem, heterogêneo e, em sua totalidade, aclamado pelas instituições e pelos eventos-chave do sistema da arte global.
Isso pode dar a impressão de que, na verdade, são as matrizes tipológicas dos artistas contemporâneos que resultam nos campos de visibilidade de que se servem os artistas. Por extensão, pode-se acreditar que são os estereótipos que criam a ocasião para a produção artística atual. É a ocasião que faz o ladrão, é o sistema que faz o artista.
Mais uma vez, essa não é bem a verdade. Se assim fosse, a epígrafe deste artigo poderia ser parafraseada como a sentença de um oráculo: “Certamente soaria ridículo aplicar um julgamento crítico sobre artistas de um sistema que não enxerga”. Pode até ser um fato que o meio da arte globalizada aplica leituras padronizadas aos artistas emergentes, encaixando-os em tipologias que já vêm com argumentos e frases de efeito pré fabricados, mas, do ponto de vista dos processos criativos, os problemas são outros.
Colocando de forma resumida, o filósofo Arthur Danto define a arte contemporânea como a atividade capaz de refletir dialeticamente sobre seus próprios meios e, também, de criticar as cadeias de produção de sentido do pensamento humano. Se quisermos acreditar nisso, resumir a produção dos artistas aos estereótipos aplicados sobre ela implica em perder o foco do que mais importa.
Ao compreender simplesmente as alegorias que vestem os artistas, esquecemo-nos dos movimentos críticos que suas obras podem alavancar.
Tal qual o bom atacante, o artista precisa saber caminhar contramão das expectativas lançadas sobre ele para escapar da marcação e, então, poder concretizar aquilo que se espera dele. O gol, ou melhor, a reorganização do modo como as coisas ganham sentido e legibilidade.
Relembrando o célebre escrito de Marcel Duchamp (O ato criador, 1957), existe um hiato entre as intenções do artista e aquilo que ele de fato realiza – a isso ele dá o nome de coeficiente artístico. De forma análoga, é preciso que exista um hiato entre as certezas do argumento que legitima a produção de um artista e aquilo que suas obras efetivamente propiciam como fruição – a isso podemos chamar, por exemplo, de diferença irredutível.
Ainda é cedo para dizer quais dos artistas de ascendente carreira aqui compilados permanecerão nos anais da História da Arte, mas já é possível reler os verbetes que os apresentam e compará-los com as obras que os ilustram. Onde houver um buraco, atenção, pode existir um tesouro.
* Paulo Miyada é arquiteto e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Foi assistente de curadoria da 29ª Bienal de São Paulo e atualmente coordena o Núcleo de Pesquisa e Curadoria do Instituto Tomie Ohtake.
“A imagem do outro”
Por Paula Borghi
[Texto escrito para o projeto ART BOOK]
Das frases célebres, talvez a mais pertinente para essa situação seja “No futuro, todos terão seus 15 minutos de fama”, de Andy Warhol. Artista que dispensa apresentações, Warhol fotografou celebridades, criou-as e se transformou em uma. Em Superfície Polaroides (1969-1986) encontram-se tanto fotografias de nomes já reconhecidos em suas profissões, como Mick Jagger, Jane Fonda e John Lennon, quanto de famosos que ascenderam na Factory sob os cuidados de Warhol, como Edie Sedgwick e Arnold Schwarzenegger. Pois se hoje o político Arnold Schwarzenegger (mais conhecido como “o exterminador do futuro”) tornou-se uma pessoa pública, seguramente o que impulsionou sua carreira foi sua repercussão como modelo vivo do artista em 1977.
Warhol literalmente criou uma fábrica, expandiu a ideia de produto e exonerou a distinção entre uma celebridade instantânea e uma lata de sopa. Para o artista, uma serigrafia de Marilyn Monroe reproduzida repetidas vezes compartilhava o mesmo tempo de preparo e consumo do que uma serigrafia de latas Campbell’s. O artista trouxe uma nova noção de tempo para a arte, o tempo do instantâneo, que pode ser encontrado tanto na notícia fresca quanto na carne nova.
A moeda de troca que permeava as relações na Factory não era necessariamente monetária, o desejo em ser e estar (em outras palavras I wanna be) era o que pautava as relações. Enquanto Edie Sedgwick, mais conhecida como “a pobre menina rica”, encontrava compradores para as obras de Warhol, o artista tornava-a um ícone da pop art. Mentor da banda Velvet Underground, do artista Jean-Michel Basquiat, entre outros, Warhol sabia escolher seus amigos.
Será que o futuro enunciado por Warhol não seria o presente em que nos encontramos? Hoje, os artistas instantâneos são aqueles que aos 20/30 anos participam de Bienais, e que aos 40 anos desaparecem tão rápido como surgiram. A velocidade em que o mercado absorve um jovem artista hoje é a mesma do preparo de uma sopa Campbell’s: basta abrir a lata, esquentar e consumir.
Com frequência, listas de melhores artistas e curadores são publicadas em revistas e blogs, geralmente apresentando os 10, 50 ou 100 “mais relevantes”. Porém o formato mais desejado são os livros de capa dura, bilíngues e com mais de 200 páginas, de preferência, que tenham uma média de 10 textos críticos de apresentação geral e um texto dedicado a cada um dos artistas; livros que pesem pelo menos um quilo e que tenham capas atraentes para serem exibidos na mesa de estar ou sala de espera. Participar de um livro como Ice Cream é como ter uma entrada VIP para museus e instituições de arte. Mas a regra não se aplica para todos os livros do gênero.
O livro Brazilian art book, exemplo brasileiro desse formato de publicação, não é tão feliz quanto o Ice Cream. Brazilian art book, que periodicamente apresenta nomes da arte brasileira, já está em seu sexto volume, e a cada ano ganha mais páginas, mas não necessariamente apresenta um conteúdo melhor. Equivocado desde a escolha do idioma para o título, o livro apresenta ao leitor um compilado de artistas que frequentam os mesmos restaurantes que seu corpo editorial.
Ao encontrar livros como Brazilian art book, pergunto-me sobre a real necessidade desse tipo de formato. Qual é a relevância dessa publicação para a arte? Não seria esse um formato engessado e viciado? Estar em um livro desses é um certificado de entrada para a história? Uma publicação desse porte não seria uma das plataformas mercadológicas para valorizar apenas determinados artistas?
Essas são algumas das perguntas que me ocorrem quando penso no livro ART BOOK, de Bruno Moreschi, que, assim como Brazilian art book, tem seu título em inglês, fotos no formato três por quatro dos artistas participantes, é pesado demais para uma leitura cômoda e apresenta textos genéricos para descrever a produção dos artistas participantes. Mas o que leva Moreschi a editar um livro como ART BOOK? Será que esse autor busca fama por meio dos artistas apresentados no livro? Qual seria sua relação com os artistas?
Arrisco-me a analisar o processo criativo de Moreschi em afinidade ao de Andy Warhol, já que ambos fazem uso da imagem do outro para se consolidarem. Pois, da mesma forma que Edie Sedgwick e Arnold Schwarzenegger tiveram suas carreiras incitadas por Warhol, o mesmo acontece com os 50 artistas apresentados em ART BOOK. Assim, pergunto: o que será que o autor de um livro desse porte almeja?
É com essa pergunta, somada às afinidades do processo criativo de Warhol, que entendo ART BOOK como um meio perverso para alcançar não só os 15 minutos de fama, como também um canal para escrever o nome do autor/editor na História da Arte. O que me leva a concluir que Moreschi é um criador/editor surpreendente, perverso e que certamente será um sucesso.
* Paula Borghi é graduada em Artes Visuais pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), integrante do grupo de crítica do Centro Cultural São Paulo e curadora da Residência de Arte Red Bull. Desde 2001, segue com a investigação Projecto Multiplo, exibido em locais como MoMA – PS1, no Museu de Arte Contemporânea de Quito e na Universidade de Córdoba. Vive e trabalha em São Paulo.
“A dúvida que persiste: relato de um debate”
Por Ananda Carvalho
[Texto escrito para o projeto ART BOOK]
Em agosto de 2013, participei do debate ART BOOK: leituras, apropriações e conceitualizações na arte contemporânea, um evento de divulgação deste livro que você tem em mãos, no Node Center for Curatorial Studies, em Berlim. Entre os convidados também estavam Albert Minter e Sarah Linda Cooper, que refletiram sobre a complexidade da conceitualização da arte contemporânea, sobre o papel do curador e a produção de publicações no mesmo contexto temporal em que os artistas estão produzindo.
O crítico e historiador alemão, Albert Minter, apresentou uma leitura da enciclopédia ART BOOK com base nas reflexões publicadas em seu livro Arte do Século 21. Considerou as temáticas que caracterizam a produção de arte contemporânea, relacionando-as a artistas apresentados nesta enciclopédia. Entre elas, a dificuldade de estabelecer critérios de classificação temporal, de linguagens, ou de “ismos”, como no trabalho do pintor Edgar Kessler; a objetificação da performance nos autorretratos de Malala Ahmed; a reflexão sobre a catalogação nos trabalhos de Arthur Orthof e José dos Reis; as referências à documentação e ao processo por meio dos projetos irrealizáveis de Elliot Ford; a dissolução da autoria pela produção anônima de So and So; a ideia de que qualquer coisa pode tornar-se obra de arte nos ready-mades de Sarah Glade ou nos trabalhos “sobre o nada” das gêmeas Hamona & Hillary; entre outros exemplos.
Preferi relatar minha pesquisa de doutorado sobre os procedimentos curatoriais em exposições de arte contemporânea no Brasil. Observei que, mesmo que a produção artística contemporânea discuta a problemática do espaço, da autoria, da participação, do efêmero e do processo (conforme comentado por Albert), a maioria das exposições ainda apresenta um texto curatorial-explicativo (por vezes, descritivo; outras vezes, mais hermético) na sua entrada. A verdade é que, durante a minha pesquisa, encontrei pouquíssimas curadorias que procuraram desconstruir o modelo expositivo tradicional do “cubo branco” e/ou da “caixa preta” na última década em São Paulo, a cidade brasileira com o maior número de exposições artísticas.
Por fim, a curadora americana Sarah Linda Cooper apresentou sua experiência na publicação Creamier, uma outra espécie de enciclopédia em que 10 curadores de diferentes nacionalidades selecionam 100 artistas emergentes. Em seu relato discutiu a própria posição de ser júri, os critérios, muitas vezes subjetivos, de seleção e a responsabilidade de dar visibilidade aos artistas. Sarah terminou sua fala questionando “Quais são as diferenças entre as publicações enciclopédicas e as grandes exposições de arte contemporânea como as bienais?”.
A mesa terminou com questionamentos sobre os procedimentos dos curadores em relação à amplitude das linguagens da arte contemporânea. Aproveitando a pergunta de Sarah, minutos antes do fim do seminário, questionei o critério de escolhas dos artistas da enciclopédia ART BOOK. Afirmei que, até o momento, não conseguia entender por que a escolha desses artistas e não de outros. A situação gerou um nítido desconforto na plateia, em especial na primeira fileira do auditório, onde se localizava parte da equipe que produziu a ART BOOK. Não me importei e minha dúvida persiste. Agora, com a enciclopédia publicada, o leitor também pode emitir sua opinião.
* Ananda Carvalho é crítica de arte, professora universitária, doutoranda e mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Foi júri da Temporada de Projetos 2013 do Paço das Artes, participou da residência Ateliê Aberto #5 na Casa Tomada e foi colaboradora do Canal Contemporâneo, todas instituições de São Paulo.
Formação
2014- atual
– Doutorado em Artes Visuais, Unicamp, Campinas, SP
2012 – 2014
– Mestrado em Artes Visuais, Unicamp, Campinas, SP
2013 – 2014
– Grupo de estudo em produção de arte contemporânea, com Paulo Miyada e Pedro França, Tomie Ohtake, São Paulo, SP
2002 – 2006
– Graduação em Comunicação, UFSC, Florianópolis, SC
Prêmios e bolsas
2016
– CIMO Fellowship, University of Arts of Helsinki, Finlândia
2014-2015
– Bolsa Doutorado CNPQ
2014
– ABW International Award 2014, Edition Lidu, Praga
2013
– Prêmio Funarte de Arte Contemporânea – Galeria Funarte de São Paulo, SP
– Bolsa Funarte de Estímulo à Produção em Artes visuais
2012-2014
– Bolsa Mestrado Fapesp
Exposições individuais
2014
– “Sala de Leitura”, Paço das Artes, São Paulo, SP
– “Sem título: técnica mista, dimensões variáveis”, Funarte, São Paulo, SP, curadoria de Paulo Miyada
– “Art Book”, Galeria de Arte da Unicamp, Campinas, SP
– “Em Obras”, Blau Projects, São Paulo, SP
2012
– “Choro”, Biblioteca Joanina, Coimbra, Portugal
2011
– “Desenhos poemas”, Museu de Arte de Goiânia, GO
Exposições coletivas
2016
– “After/Segun/Depois”, projeto com Marta Ramos-Yzquierdo e Cristina Garrido, Salón, Madri, Espanha
– “Brasil: Ficciones”, Espacio Tangente, Burgos, Espanha
2015
– “¿Quién enseña qué, a quién?”, Curated by Indisciplinados, Centro de Arte Dos de Mayo (CA2M), Madri, Espanha
– Festival Arte Atual – “Coisas sem nome”, Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, SP
– “Objeto direto – Mostra do acervo”, MAC Paraná, Curitiba, PR
– Projecto Multiplo #9, Taller René Portocarrero, Havana, Cuba
2014
– Frestas Trienal de Artes, Sesc Sorocaba, SP, curadoria de Josué Mattos
– “Partir do erro”, Galeria Pilar, São Paulo, SP, curadoria de Marta Ramos Yzquierdo
– 65º Salão Paranaense, Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Paraná, Curitiba, PR
– “Improvável”, Palácio das Artes, Belo Horizonte, MG, curadoria de Paula Borghi
– “Programa de Exposições 2014”, Museu de Arte de Ribeirão Preto (Marp), SP
2013
– “Programa de Exposições 2013”, Museu de Arte de Ribeirão Preto (Marp), SP
2012
– “Mobile Radio”, 30ª Bienal de São Paulo, SP
– “Laço 2”, Paço das Artes, São Paulo, SP
– “The Billboard Art Project”, Albany, EUA
Residências
– Residência Programa AUIP (Asociación Universitaria Iberoamericana de Postgrado), Universidade de Coimbra, Portugal
Coleções públicas
– MAC USP, São Paulo, SP
– Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Paraná, Curitiba, PR
– Goethe-Instituit São Paulo, SP
– Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto, SP
– Projecto Multiplo
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