(ultima atualização em julho/2017)
Brasília, DF, 1974.
Vive e trabalha em Porto Alegre, RS.
Representado pela Baró Galeria.
Indicado ao Prêmio PIPA 2017.
Túlio Pinto é graduado em artes visuais com ênfase em escultura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (2009). Vive e trabalha em Porto Alegre. Entre suas exposições, destacam-se Azul e Unicórnio (Galeria Baró, São Paulo, 2016); Onloaded: Túlio Pinto (Phoenix Institute of Contemporary Art – phICA, Phoenix, Arizona-EUA, 2015); Bienal de Vancouver (Vancouver, Canadá, 2014); De Territórios, Abismos e Intenções (Projeto RS Contemporâneo – Santander Cultural Porto Alegre, Porto Alegre, 2013); CEP: Corpo, Espaço e Percurso (Galeria IFRN, Natal, 2013); Ground (Galeria Baró, São Paulo, 2013); Salvaje – Digesting Europe Piece by Piece (Traneudstillingen Exhibition Space, Copenhagen, Dinamarca, 2012); Transposição (Galeria Augusto Meyer – Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre, 2012); Nova Escultura Brasileira – Caixa Cultural Rio de Janeiro, entre outras.
Site: www.tuliopinto.com
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes, exclusivamente para o Prêmio PIPA 2017:
Túlio recebeu os seguintes prêmios: Prêmio Aquisição – 65º Salão Paranaense – Museu de Arte Contemporânea do Paraná – MAC/PR (Curitiba, 2014); 13º Prêmio Aquisição – Salão Nacional de Arte de Itajaí (Itajaí, 2013); Prêmio ARTIGO Rio, 2013 – Programa Artista em Residência ARTIGO Rio/ARTTOWN – Amsterdã, Holanda; 9ª Rede Nacional Funarte, 2013 – CEP: Corpo, Espaço e Percurso – Brasil; Prêmio Energisa Artes Visuais 2011-2012 (João Pessoa); Prêmio Aquisição – Salão de Arte do Mato Grosso do Sul, 2011; 35º Prêmio Aquisição Leonello Berti – SARP (Ribeirão Preto, 2010); IV Prêmio Açorianos de Artes Visuais – Destaque em Escultura (Porto Alegre, 2009).
Seus trabalhos fazem parte das seguintes coleções: Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, UFCSPA (Porto Alegre – Brasil); Phoenix College Art Collection (Phoenix, Arizona-EUA; Mesa Community College Gallery (Mesa, Arizona-EUA); Senac-SP (São Bernardo do Campo); Museu de Arte Contemporânea do Paraná (Curitiba); Fundação Cultural Itajaí (Itajaí); Instituto Figueiredo Ferraz (Ribeirão Preto); Usina Cultural Energisa (João Pessoa); Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (Porto Alegre); Marco – Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande (Campo Grande); Museu Nacional de Brasília (Brasília); Museu de Arte de Ribeirão Preto (Ribeirão Preto); Pinacoteca Municipal Aldo Locatelli (Porto Alegre). Túlio também possui obras em diversas coleções particulares no Brasil.
Nos últimos três anos, ele manteve residências artísticas em países como Ucrânia, Canadá, Portugal, Estados Unidos, Inglaterra, Uruguai e Holanda.
“De territórios, abismos e intenções”
Clarissa Diniz
Sustentar uma escultura a partir do inexistente, criar peso para dar densidade ao vazio e inventar espaço para dar sentido ao entre são operações que se refazem no trabalho de Túlio Pinto. Sua atividade tem combinado o vigoroso desejo de habitar o mundo – por meio daquilo que nele imprimimos – com uma espécie de embreagem sensível que faz ver que parte significativa dessa potência se dá menos pela criação de novas presenças do que pela intensificação das forças que lá estão. Se não há insistência no projeto de autonomia da escultura (e, mais amplamente, da arte), tampouco se trata da escolha por uma camuflagem ao mundo como aposta cega na invisibilidade. Antes, o trabalho de Túlio Pinto se faz no território- linha que tensiona e conecta essas intenções aparentemente distintas, dedicando-se a negritar aquilo que está posto, ao passo que reconhece, nesse gesto, sua própria monumentalidade.
Assim é que, para o artista, esculturas existem antes – e para além – de sua corporalização. Imaginar situações que reordenem e exercitem as forças que atravessam os corpos e os espaços já é esculpir, razão pela qual o trabalho de Túlio tantas vezes começa num desenho, num projeto ou, ainda, na proposição de um “modo”, de um método que dê sentido a um espaço-tempo qualquer, que então vai se singularizando. Como estruturas abertas, configuradas pela manutenção de forças em coalizão/confronto, mesmo suas esculturas aparentemente concluídas são, em verdade, um modo em contínua atividade. Não um objeto, mas uma situação que experimenta o estado mesmo de estar em situação, o que evidenciam os trabalhos Abismos, Territórios e Intenções, concebidos para ocupar o Santander Cultural de Porto Alegre.
Esses trabalhos, como acontecimentos, estão em processo ao longo do período em que estão montados; dar-lhes corpo é produzir tempo. Nesse sentido, são também ampulhetas. É o que demonstra Intenções, uma estrutura vertical balizada por um saco de grãos que, ao ir se esvaziando, altera a ordem de seu entorno. À medida que passa o tempo e, consequentemente, transfere-se o peso da peça, duas placas a ela relacionadas igualmente se modificam; o que é vertical se horizontaliza, e vice-versa. Como ampulheta, a situação inicial do trabalho prevê sua transformação e anuncia o caráter de reversibilidade que lhe é imanente e que, como tal, pode ser ativado, fazendo-nos atentar para a capacidade de simetrização da vida, no seio da qual as ordens que parecem estáveis podem se retrotransformar.
Trata-se, como anuncia o título do trabalho, de um jogo entre a intenção e o possível, entre as forças que conformam as estruturas e aquelas que as recriam a partir de uma conjunção de fatores tantas vezes imprevisíveis. Assim é que, mesmo em suas esculturas aparentemente mais perenes, Túlio Pinto considera duas instâncias de sua existência, o projeto/esboço e o as built (“como construído”, termo arquitetônico para os projetos que desenham as construções após estarem concluídas). A experiência de seu trabalho, a passagem de tempo que mais enfaticamente produz sua própria temporalidade, se dá, assim, entre o momento de imaginar as situações e o ponto em que podem ser desenhadas como já estabelecidas. Por sua vez, esse intervalo entre o ideal e o possível extrapola a dimensão temporal e se torna, ele mesmo, um interesse do artista.
É o que nos fala o projeto CEP, Corpo, Espaço e Percurso (2013), uma caminhada de vinte dias pelo interior do Rio Grande do Norte. A rota foi obtida a partir da projeção da proporção áurea sobre o mapa do estado (tendo como ponto de partida uma reta entre Mossoró e Caicó), perseguindo um movimento idealizado por entre aquele território. O projeto da corrida – a curva sobreposta ao mapa – contrasta com o desenho do percurso efetivamente percorrido por Túlio Pinto: se o primeiro mapa ignorava a geografia, os territórios e as fronteiras, o segundo é, por sua vez, a imagem do embate do corpo com os percursos que lhe são possíveis. CEP sublinha – desta vez através da intensidade da experiência que passa fundamentalmente pelo corpo do artista – o complexo campo de relações e forças comumente ativado por seus trabalhos, evidenciando a estreita vinculação entre as partes que coabitam os espaços, esculpindo-se mutuamente.
Instalações como Duas grandezas (2009) e Velame (2012), por exemplo, estabelecem a ocupação de um espaço como campo de relações. Atravessando vazios, pilares, árvores – planos e alturas –, criam um jogo de tensões entre os elementos que as constituem, pesando uns sobre os outros sem que seja possível, numa única visada, abarcar a totalidade do campo de relações do trabalho. Assim é que, quando nos deparamos com essas obras, somos atraídos por um volume que, após o percurso de nosso corpo/olhar, revela-se um plano esticado por um peso localizado mais adiante. Nesses projetos, diferentemente do percurso de CEP (no qual o corpo do artista responde à geografia que o atravessa), o trajeto da instalação é constituído tanto pela situação montada quanto pelo corpo do público, cuja experiência espacial é retroativada pela proposição do artista. Pois, para Túlio Pinto, o “corpo é a extensão do mundo” e, como tal, adensa o jogo de forças que tudo conecta e implica, tornando a existência uma experiência abismática à qual tentamos responder com configurações de equilíbrio ou ordem. Todavia, ainda que aparentemente natural, todo ponto zero é a resultante processual (e, portanto, inconstante) da anulação de forças que se encontram em igualdade de peso, donde o interesse de Túlio Pinto em exercitar essas somatórias.
Além das possibilidades formais dos encontros suscitados (entre matérias, pesos, espaços), tem sido reincidente no trabalho do artista a proposição de modos que preservem a vulnerabilidade dos corpos como força motriz da experiência. Paralelamente às reações dos materiais – das bolhas que se esvaziam, dos cabos que se distendem etc. –, em trabalhos como CEP ou Transposição (2012) é o corpo de Túlio que protagoniza as relações estabelecidas com o tempo, o espaço, o entorno, e, portanto, demonstra respostas às condições que vão se fazendo. Ao passo que reage aos contextos que se apresentam, no trajeto nordestino de CEP, a passagem fulminante do artista através de ambientes nos quais se torna um corpo estranho promove, por sua vez, transformações equivalentes naqueles locais, ainda que tão sutis como o deslocamento de ar, de pedras ou de calor, consideradas escultóricas pelo artista. É nesse sentido que Túlio Pinto criou, em CEP, estratégias que dão a ver algumas relações surgidas ao longo da rota, como desenhos urgentes da paisagem – feitos no calor, no tremor e no suor da corrida – e registros de seus batimentos cardíacos, que foram posteriormente sobrepostos às paisagens às quais, naquele momento, o corpo reagia.
A cruzada do artista por entre a geografia do Rio Grande do Norte se relaciona, mais adiante, a outros aspectos significativos de sua trajetória: a atenção aos territórios e o interesse por grandes empreitadas, processos exaustivos que fazem de cada gesto um movimento na direção de algo que extrapola, por fim, a medida do corpo. Presente também na situação Território (2013) – na qual a inversão da posição do tampo de vidro de uma mesa promove um corte longitudinal que divide o plano que tradicionalmente estabelece um campo de partilha (a mesa), transformando-o numa fronteira sustentada, por sua vez, pela inclinação e distanciamento das cadeiras que ali estão, cúmplices –, a percepção das limitações advindas da constituição de propriedades e posses dá as bases para a adaptação da rota de CEP e está presente, de maneiras diversas, em obras como Exercise Approach (2011) e Dispositivo temporário #5 (2012), intervenções em prédios que borram a rígida separação entre dentro e fora, público e privado.
Por sua vez, vizinhos ao esforço – não apenas físico, como também social, cultural, político – de CEP em seu engajamento com um modo, um “método” inventado pelo artista e que retroativamente reinventa seu criador, estão os projetos Cem unidades relocadas (2009) e Transposição (2012), ambos encarando o desafio de construir a partir da dedicação operária no arranjo de peças preexistentes. No primeiro, realizado numa fábrica abandonada, Túlio Pinto vigorosa e solitariamente reúne vigas inutilizadas de construção, agrupando-as e inserindo-as na arquitetura do lugar como se dali estivessem brotando, violenta e absurdamente. A estratégia construtiva de relocação de materiais, como experiência de intensificação das condições e coisas já postas no mundo, acontece com especial “obediência” metodológica em Transposição, “missão” que, como o CEP, foi autoimposta pelo artista: tratava-se de, ao longo de diversos dias, esvaziar uma pilha de tijolos colocada numa praça no centro de Porto Alegre, transpondo-os para o chão de uma galeria, a ser integralmente forrado pelos mesmos. À transformação da condição escultórica do material – de cubo em plano –, procedimento formal do trabalho que era realizado por meio de carrinhos de mão e muita caminhada, somavam-se a colaboração popular no cumprimento da tarefa e alguns dispositivos de anúncio do que ocorria (como uma memória de cálculo que contabilizava a quantidade de tijolos que iam sendo transpostos da praça à galeria, um blog no qual o artista e demais colaboradores postavam informações sobre o trabalho, ou uma série de tipos de imagens que foram perspicazmente produzidas por Túlio Pinto, revelando diariamente o status de transformação da obra).
A estrutura de trabalhos como Transposição ou CEP – nas palavras do artista, um “jogo consigo mesmo”, uma espécie de “armadilha” –, por instaurar modos contínuos de ação, ao passo que abre espaço também para a participação do outro, igualmente se vulnerabiliza ao erro, ao acidente – dimensões outras da compreensão de que criar, assim como esculpir, é estabelecer relações. Nesse sentido, seus trabalhos salvaguardam sempre alguma fissura estrutural que possibilite sua própria alteração, sua diferenciação no tempo e no espaço. Entre esses, há ainda aqueles que tomam a fluidez de uma existência dada relacionalmente – uma ontologia relacional – como ponto de partida, como as diversas experiências do artista com bolas de ar, que tão intensamente respondem aos contextos. No vídeo Objectual (2011), por exemplo, uma dessas cadeias de cubos construídos com finas bexigas de gás hélio se dispõe ao encontro com um ambiente e com um corpo. Na relação estabelecida entre esses, a transformação se espraia: a paisagem é alterada pela invasão laranja, o corpo que carrega a estrutura vai sendo por ela carregado, a cadeia cúbica vai se metamorfoseando em coisa viva, disforme. Tudo retroage. O trabalho se torna, assim, menos o objeto construído ou a intervenção na paisagem, senão a possibilidade de relacionar forças por meio do dispositivo criado, donde sua opção por apresentar o trabalho como um vídeo, capaz de iluminar o jogo de conexões e irrupções que circunscreve, no tempo e no espaço, a proposição do artista.
No seio desse campo de relações que pode potencialmente se revolucionar, há, ainda, o acidente. Aberto e infindo, o trabalho de Túlio, em seu gerúndio de coisa acontecendo que não se estaciona numa organização estável de forças, está passível, por outro lado, da sua própria catástrofe. Quando a somatória das forças se recusa à anulação, quando o contexto se impõe e o tempo se mostra como acaso, é a teimosia das coincidências que se faz evidente: nem tudo é negociável, nem todo corpo se permite ao avizinhamento, nem toda diferença se deixa moldar como força coincidente. Alguns são, assim, os trabalhos que desmoronam, que desobedecem ao método-armadilha de seu criador, o qual, por sua vez, igualmente está sob o risco de que seu corpo, desigual de si mesmo, desvirtue-se do jogo que lhe foi imposto – como ocorrido em CEP, quando os pés machucados de Túlio Pinto o fazem parar a corrida.
A iminência do acidente – experiência colocada na situação Abismo (2013), na qual duas peças frágeis são montadas na borda de uma grande mesa, num mútuo equilíbrio preciso, porém inseguro – ativa a percepção, excitando o magnetismo entre os corpos, o espaço do entre que, escultórico, é capaz de desmontar a tensa linha da iminência para lançá-la ao terreno do acontecido. O quase de Abismo, modo de produzir tempo a partir da expectativa do acontecimento do instante seguinte, contudo, às vezes acontece. A inusitada documentação do momento de libertação de uma grande bolha de ar em Espera (2010), registrado por uma educadora da exposição da qual a obra participava, revelam o momento exato em que a linha da iminência é atravessada, e a constituição dos corpos se altera radicalmente. Aquele pequeno ponto de revolução emancipa as partes, tornadas libertas do campo de relações que lhes dava forma e, como tal, lhes reduzia as possibilidades de diferença e deriva.
Esse cruzar a linha inspira, mais adiante, a experiência de continuidade do trabalho de Túlio Pinto. Se nos perguntamos para onde foi a bolha de Espera, trabalhos como Práticas de reconhecimento e algumas aproximações (2012) nos respondem que os corpos continuam em ação uns nos outros mesmo após seu descolamento físico. Consistindo numa instalação formada por um jardim de alfaces, o trabalho teve sua temporalidade expandida mesmo após sua desmontagem por meio de uma ceia coletiva na qual as alfaces eram o prato principal. Comer a escultura – assim como fazer uso dos tijolos de Transposição para construir uma casa, por exemplo – se torna modo de perpetuação amórfica da experiência escultórica. Mesmo que abstrata ou invisivelmente, a devoração das peças (de um lado, seu desmonte; de outro, a possibilidade de comer algumas de suas partes) dá continuidade ao campo de relações que originalmente lhes constituía, alimentando a infinita transformação dos corpos que a partir dali foram postos em contato. É também o caso de Intenção, cuja baliza central – o peso que equilibra as partes da estrutura –, um saco de grãos de painço, anuncia um possível porvir através de sua própria devoração. Algo como uma ampulheta que se recusa a parar de produzir tempo.
“Ara, a mais longa experiência”
Nuno Ribeiro, Outubro 2015
Desde Sócrates a Humanidade dedica-se à busca do conhecimento. Pensar, experimentar… Compreender. Um frémito, uma necessidade inerente à nossa condição. A necessidade de experimentar, para compreender, é factor instrumental na obra de Túlio Pinto. A necessidade de compreender a natureza humana, a estrutura e comportamento da matéria, a natureza do tempo e do espaço, da física, a natureza… da Natureza.
Túlio mantém uma investigação artística consistente que assume um diálogo subtil com as suas referências e inspirações. No entanto, a sua inquietude é universalista em seu existencialismo e curiosidade. As questões, quase que contemplativas, propostas pela matemática, física quântica e outras áreas de perfil científico são, para o artista, tão ou mais importantes (em sua transversalidade e pertinência) que as questões estéticas, conceptuais e filosóficas sancionadas por Serra, Goldsworthy e Chillida ou mesmo por Heidegger e Bachelard.
A residência estabeleceu-se como uma plataforma para a revisitação da sua produção artística. Túlio explorou vários paradoxos e especulou sobre os próprios limites da matéria, e sua presença no tempo, assegurando que a experiência da transformação e impermanência dêem lugar à percepção, ao reconhecimento emotivo e ao pensar. Túlio questiona, muitas vezes sem obter respostas… Toda a sua produção recente tem origem nestas questões.
Ao abordar e ‘trabalhar’ efectivamente o binómio tempo /espaço, sempre considerando o ‘espírito do lugar’, o artista reconhece o objecto/corpo como sendo o lugar e não apenas pertencendo ao lugar, sendo que a sua obra o personifica. Abandonando a noção de espaço como o receptáculo de corpos discretos, ele concebe espaço como um meio para relacionamentos onde o corpo/obra reflecte a forma como pertencemos ao mundo.
O impacto visual/emocional provocado pela instalação é grande e ligeiramente desconcertante. A presença física dos seus elementos individuais aporta significados impregnados pelo valor físico dos materiais, sua presença cromática e o simbolismo, escala e força dos tão presentes eixos cartesianos. A ‘estranheza’ que nos cativa e provoca advém destas entidades opostas, cujo sentido tectónico desviado nos remete a uma complementaridade quase simbiótica. A passiva fluidez do campo horizontal azul (que nos remete ao mar) ancora a tensa e rigida estabilidade do campo laranja (a falésia). O movimento do leve tecido seguro pela precária verticalidade implicada pelo peso da madeira. Este complementar transmite um ruído e vibração que torna os opostos solidários na provocação ao observador, atraindo-o para o seu território.
A ocupação do espaço é inteligente e feita de acordo com a primeira possível leitura dos elementos, a extrapolação de uma relação espacial clássica entre vertical e horizontal, a agulha e a concha. Um recurso comum na escala urbana e utilizado por Túlio no seu sentido mais directo: a agulha, o simbolo que atrai a atenção e aponta para o sol, é suportada pela concha, estrutura que retém o observador e que, por força da obra, o transforma em autor ao exigir a sua participação.
‘Ara’ é uma viagem de descoberta no espaço que, através de uma apropriação emocional do contexto e uma arqueologia pessoal intensa, propõe não uma obra mas uma situação. Atingir equilíbrio e estabilidade através de uma tensão colaborativa e harmoniosa que intersecta todo o sistema seduz o observador a envolver-se e interagir, tornando-se ele próprio fundamental à instalação.
Apesar de inexorável, quando confrontados com a obra de Túlio, esta experimentação não é o que mais interessa ao artista, que a considera desde logo como sendo um processo relativamente conservador. Ele acredita na percepção (a capacidade de ver, ouvir, ou tornar-se consciente de algo através dos sentidos), que é algo mais arriscado e progressivo. ’Apesar’ da obra, há algo que incita o observador a progredir, crescer, tornar-se consciente e compreender o seu contexto. Esta percepção garante uma acção sobre o presente, mas com um anseio pelo futuro.
Ao activar o espaço da Arteprovisória, que se transforma no canopo para o seu altar, Túlio Pinto atrai o observador a consagrar a sua constante busca pela transcendência através do fazer artístico. ‘Ara’ ultrapassa questões semânticas e etimológicas tanto do discurso do artista como sobre o conceito de religare. O artista incita à nossa introspecta participação no ritual de transformação ao estabelecer uma plataforma de comunicação e acesso ao nosso divino pessoal. Monolito santificado, que é portal de ligação e reflexo da nossa contemplação.
“Matéria do mundo – matéria no mundo”
Mônica Zielinsky, Outubro 2009
“Penso que a significação da obra reside no esforço para realizá-la e não nas intenções que se
tem. Este esforço é um estado de espírito, uma atividade, uma interação com o mundo”. Richard Serra, 1973
Como que projetada do âmago da terra para suas superfícies, a obra de Túlio Pinto invade o espaço com matéria, espaço ora de exposição ou da própria natureza. Subverte a compreensão tradicional de objeto escultórico, dos seus materiais e da física e traz com isso vestígios indeléveis da história da arte. Impossível ignorar as remissões de seu trabalho às obras de Carl Andre e às dos minimalistas, ao refutar o esculpido e optar por cubos superpostos de madeira, cimento ou reluzentes placas de metal. Concede aos materiais o lugar da matéria da sua arte. Através deles transtorna a lógica modelada da escultura, nega o traço autográfico e traz estes materiais à experiência direta, em seu estado bruto, sem
dissimulações. Esta matéria é a substância essencial destes trabalhos, através da qual Túlio transtorna a gravidade, testa a potência de sua resistência, discute o equilíbrio e seu latente estado de suspensão e distensão.
É obra em que a tensão é uma constante e faz extravasar o trabalho para muito além dos próprios materiais dispostos no espaço. Faz pulsar esta matéria no mundo, pois sugere transcender todas as fronteiras de sua delimitação nos lugares onde as obras se expandem. Força os limites das paredes até os tetos, através de barras de madeira construídas por blocos que se estendem pelos cantos da sala, como se fosse possível perfurar coberturas; invade estas paredes pela ilusão de espelhos que fazem desdobrar estas barras para além dos limiares do espaço, ao gerar sua continuidade impossível. Mas este estado de latência, como se sempre faltasse algo, leva o trabalho de Túlio para além do esperado. Sua obra cria ambientes inusitados, ao projetar-se na natureza através do estiramento de tecidos negros que levitam acima do solo, repuxados até seus limites, como sugados pelas forças invisíveis que se alastram em sua obra e discutem a matéria no mundo. A informação sensorial esbarra diante destes trabalhos, em uma situação de constante estranhamento; vê-se ela interrogada pelo abalo das certezas do conhecimento viciado; é incitada, ao contrário, a abrir-se às novas possibilidades da experimentação e à audácia de outras vias perceptivas que Túlio incita e deixa entrever em sua arte.
Esta obra move-se em direção à matéria no mundo, um estado de espírito, como diria Serra. Refuta o afastamento do senso de lugar e recupera-o, rejeita a substituição dos espaços físicos onde se situam nossos corpos e resgata-os através de sua sabedoria artística. Estes trabalhos clamam, enquanto matéria no mundo, a repropor a matéria do mundo. Nos lugares onde estas obras se tramam, o mundo é matéria – a que com intensa potência poética reconstrói um a um destes amortecidos espaços do mundo, em direção à sua libertação.
“Ground | fazer da matéria mente”
Flávio Gonçalves, Abril 2013
A seleção de trabalhos que Túlio Pinto apresenta em Ground reúne algumas ideias caras ao artista desenvolvidas em suas propostas ao longo dos últimos anos. Essas ideias são expressas pelas relações de contato e proximidade de diferentes materiais e princípios; diferenças que quando contrapostas reforçam suas qualidades mais fundamentais, expressas no modo como essas remetem ao corpo e suas limitações: flexibilidade, queda, tensão, rigidez e equilíbrio.
Túlio afirma que sua atenção está voltada para o solo, para o impacto sólido de sua presença, como uma força capaz de redefinir as ações nos trabalhos. Mas percebemos isso de modo indireto, mediado por estratégias contrapostas e materiais que se distendem e se retesam.
Assim, os trabalhos são concebidos como sistemas conexão de um conjunto de fenômenos cuja escala e intensidade nos atrai e nos põe em alerta como uma presença. Esses fenômenos são próprios do mundo físico, da força bruta que atua continuamente e sem razão: uma linha estirada liga um peso a um plano de vidro, produz um equilíbrio improvável entre solidez e transparência; o ferro nos mostra o fundamento do que é feito o vidro que lhe intercepta, sua fragilidade. A aproximação dessas diferenças se transforma em oportunidade de tomarmos distância, de percebermos como a ação constante de uma força testa nossa compreensão do mundo.
A gravidade atrai todos os corpos para o centro da terra. Podemos apenas imaginar esse ponto onde se concentraria toda a tensão, o peso movente de nosso corpo e o desejo que experimentamos tão inacessível quanto o Outro. Todas as nossas ações convergiriam para esse zero infinito, não fosse o esforço de projeção, extensão e vôo; que fazem da mente algo diferente da matéria.
Portanto, nós conhecemos bem as forças postas em jogo em Ground, mas as conhecemos dentro de um outro contexto. Os sistemas propostos por Túlio nascem dos mesmos conflitos de forças no qual estamos cercados. Eles fazem referência a essas forças que, ao mesmo tempo em que nos confinam no espaço absoluto de um ponto, geram a possibilidade
poética de evasão e criação.
Vivemos empuxos, compressões, quebras e vertigens numa velocidade que nos impele a consentir sem refletir. Benjamin já nos falava a quase um século: a interrupção e o choque são assimilados pela necessidade de seguirmos adiante e o que nos resta são fantasmagorias.
Quando nos aproximamos dos trabalhos em Ground somos atraídos a decifrar a lei que organiza cada conjunto; reconstruir a continuidade que permite aos materiais desafiar seu destino. Na oscilação entre proximidade e fuga a arte nos interroga, nos propõe uma pergunta cuja resposta equivale em nossa mente a abertura sensorial e conceitual de um impasse. Mas o tempo da interrogação é o da espera, da tensão estacionária que torna o familiar estranho, por isso a expectativa de um desfecho, como o desarme de uma armadilha.
A experiência da arte se dá nesse intervalo, quando emergimos da experiência sensorial buscando um sentido perdido. O contrário é simples aceitação.
Exposições Individuais:
2016
– “Azul e Unicórnio”, Galeria Baró, São Paulo – SP
2015
– “Onloaded: Túlio Pinto”, curadoria de Ted G. Decker, Phoenix Institute of “Contemporary Art (phICA)”, Phoenix, Arizona – EUA
– “Deslocamentos”, SESC Ribeirão Preto, Ribeirão Preto – SP
2013
– “De territórios, abismos e intenções”, Santander Cultural, Porto Alegre – RS Brasil
– “Ground”, Galeria Baró, São Paulo – SP
– “CEP: corpo, espaço e percurso”, Galeria do IFRN, Natal – RN
2012
– “Práticas de reconhecimento e algumas aproximações”, Museu de Sustentabilidade – Praça Victor Civita, São Paulo – SP
– “Transposição”, Galeria Augusto Meyer, Casa de Cultura Mario Quintana, Porto Alegre – RS
2011
– “Diagonal”, MARP – Museu de Arte de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto – SP
2009
– “Trajetórias Ortogonais”, Instituto Goethe, Programa de Exposições 2009, Porto Alegre – RS
– “Duas Grandezas”, Galeria Iberê Camargo, Usina do Gasômetro, Porto Alegre – RS
Exposições Coletivas:
2016
– “Transparência e Reflexo”, curadoria de Cauê Alves, Museu Brasileiro de Escultura, São Paulo, SP
– “Vetoriais e Resultantes”, Galeria Baró, São Paulo – SP
– “Mais Performance”, curadoria de Caroline Menezes, Oi Futuro Ipanema, Rio de Janeiro – RJ
– “Interlúdios”, Baró Galeria, São Paulo – SP
– “Mac / Mon – um diáogo”, Museu Oscar Niemeyer, Curitiba – PR
2015
– “Paralelo 31”, Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, Pelotas – RS
– “Quase Uma Ilha”, Galeria Península, Porto Alegre – RS
2014
– “Prêmio Energisa de Artes Visuais – coletiva IV”, Usina Cultural Energisa, João Pessoa – PB
– “Repentista II”, Nosco Gallery, Londres – Inglaterra
– “Linde – cidade especular”, Galeria Xico Stockinger – Casa de Cultura Mário Quintana, Porto Alegre – RS
– “Bienal de Vancouver”, Vancouver – Canadá
– “Tohu Wa-Bohu”, Galeria Bolsa de Arte, Porto Alegre – RS
– “Repentista”, Galeria Nosco, Londres – Inglaterra
2013
– “Ao Cubo [ ]³ – Micropanorama de Escultura Contemporânea”, Epicentro Cultural, São Paulo – SP
– “Here we are from here we go”, Galeria Arróniz, Mexico City – Mexico
2012
– “Salvajes Digesting Europe Piece by Piece”, Traneudstillingen Exhibition Space Copenhagen – Denmark (Dinamarca)
– “Instâncias do Desenho”, Galeria Logo, São Paulo – SP
– “Instâncias do Desenho”, EAV Parque Lage, Rio de Janeiro – RJ
2011
– “Nova Escultura Brasileira”, Caixa Cultural Rio de Janeiro, Rio de Janeiro – RJ
– “(Des) Equilíbrios e (Im) Perfeições”, Galeria Coleção de Arte, Rio de Janeiro – RJ
– “72 Horas”, MAC – RS, Porto Alegre – RS
– “Rastros de Aserrín”, Centro Cultural Parque Espanha, Rosario – Argentina
– “Do Atelier ao Cubo Branco”, MARGS, Porto Alegre – RS
– “Instâncias do Desenho”, Galeria Augusto Meyer, Casa de Cultura Mário Quintana, Porto Alegre – RS
– “Hollow Horizon: Latin-American Artists at the Edge”, Instituto Cervantes, São Paulo – SP
2010
– “Projeto Tripé – Paralelo 30”, SESC Pompéia, São Paulo – SP
– “Horizonte de Eventos”, Fundação Ecarta, Porto Alegre – RS
– “Espaços Compartilhados”, Galeria Gestual, Porto Alegre – RS
– “Céus Artificiais”, Galeria Lunara, Usina do Gasômetro, Porto Alegre – RS
2009
– “Entre Séculos”, Brasília National Museum, Brasília – DF
Salões:
2014
– 65° Salão Paranaense, Museu de Arte Contemporânea do Paraná – MAC/PR Curitiba – PR
– 39° SARP Salão de Arte de Ribeirão Preto Nacional Contemporâneo, Ribeirão Preto – SP
2013
– 13° SNAI – Salão Nacional de Artes de Itajaí, Itajaí – SC
2012
– Prêmio Energisa de Artes Visuais 2011 – 2012, João Pessoa – PB
2011
– Salão de Arte do Mato Grosso do Sul, Campo Grande – MS
– 43° SAC, Piracicaba – SP
2010
– 35° SARP Salão de Arte de Ribeirão Preto Nacional Contemporâneo, Ribeirão Preto – SP
Prêmios:
2016
– Aquisição por meio de licitação pública de 02 esculturas pela UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Cidade de Porto Alegre) para serem locadas na praça central do campus universitário.
2014
– Prêmio Aquisição – 65° Salão Paranaense, Museu de Arte Contemporânea do Paraná – MAC/PR, Curitiba – PR
2013
– Prêmio Aquisição – 13° SNAI – Salão Nacional de Artes de Itajaí, Itajaí – SC Prêmio ARTIGO Rio, Programa ARTIGO Rio / ARTTOWN de Residência Artística, Amsterdam, Holanda
– 9° Rede Nacional Funarte, 2013, CEP: corpo, espaço e percurso
2012
– Prêmio Energisa de Artes Visuais, João Pessoa – PB
2011
– Prêmio Aquisição, Salão de Arte do Mato Grosso do Sul, Campo Grande – MS
2010
– Prêmio Aquisição Leonello Berti 35º SARP, 2010, Ribeirão Preto – SP
2009
– lV Prêmio Açorianos, Escultura 2009, Porto Alegre – RS
Coleções:
– UFCSPA – Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
– Phoenix College Art Collection, Phoenix – Arizona – EUA
– Mesa Community College Gallery, Mesa – Arizona _ EUA
– Grupo Iguatemi
– Senac SP – Unidade São Bernardo do Campo, SP
– Instituto Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto – SP
– Museu de Arte Contemporânea do Paraná – Curitiba – PR
– Usina Cultural Energisa, João Pessoa – Pb
– Fundação Cultural de Itajaí – Itajaí – SC
– MAC-RS, Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, Porto Alegre – RS
– Marco – Museu de Arte Contemporânea do Mato Grosso do Sul, Campo Grande -MS
– Museu Nacional de Brasília, Brasília – DF
– Museu de Arte de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto – SP – Brasil
– Galeria Municipal Aldo Locatelli, Porto Alegre – RS
Residências:
2015
– Phoenix Institute of Contemporary Art (phICA), Phoenix, AZ – EUA
– Armazém – Programa de residência artística, Porto – Portugal
– Lamb Arts Residency Program, Billingbear Farm – Berkshire – Inglaterra
2014
– Bienal de Vancouver, Vancouver, Canadá
– IZOLYATSIA – Platform for Cultural Initiatives, Donetsk, Ukraine
– Programa ARTIGO Rio / ARTTOWN de Residência Artística, Amsterdam, Holanda
2013
– Programa de Residência Sala Taller III, EAC, Montevideo – Uruguai
2011
– Programa de Residência FAAP, Edifício Lutetia, São Paulo