(ultima atualização em julho/2017)
Santos, SP, 1977.
Vive e trabalha em Santos, SP.
Representado pela Mercedes Viegas Arte Contemporânea e Galeria Marilia Razuk.
Indicado ao Prêmio PIPA 2010 e 2017.
Trabalha e vive em Santos e São Paulo. Mestre em poéticas visuais pela ECA – USP sob orientação de Claúdio Mubarac, é membro fundador da Associação Cultural Jatobá – AJA e do Atêlie Espaço Coringa, que entre 1998 e 2009 produziu ações coletivas como: exposições, publicações, videos, aulas, intercâmbios e residências artísticas.
Site: www.fabriciolopez.com
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes, exclusivamente para o Prêmio PIPA 2017:
Fabrício Lopez, a existência impura
por Rodrigo Naves
Fabrício Lopez é um dos mais importantes gravadores brasileiros, além de manter, com Flávio Castellan, uma importante atividade de ensino da gravura no Instituto Acaia, uma ONG que vem formando jovens artistas muito promissores. Sua mais recente exposição, que permanece até 26 de agosto na Galeria Marília Razuk, tem qualidades poucas vezes encontradas em exposições de estampas. Não é raro, sobretudo em gravuras sobre metal, os artistas se encantarem com os procedimentos técnicos – muitas vezes complexos – envolvidos nesses trabalhos e perderem-se num virtuosismo que parece resumir todos as limitações das obras abstratas de pouca qualidade.
Desde o começo de sua produção mais madura, por volta de 1994, Fabrício Lopez abre suas figuras de maneira franca e decidida, sem se deixar levar por um requinte técnico que tende a se esgotar em si mesmo. Na atual mostra sobressai uma espécie de colagem de imagens, obtida pela sobreposição dos desenhos de várias matrizes, como se fosse uma operação cubista realizada pela superposição de memórias, olhares e coisas imaginadas. A simultaneidade de acontecimentos de ordem muito diversa, pois supõem relações distintas com a realidade, pode pôr em contato um mergulhador, ânforas e árvores. E uma articulação meio suja, mas precisa, consegue dar às diferentes imagens um estatuto que permite ao observador experimentá-las em suas particularidades. De fato, uma árvore vista se diferencia e muito de uma árvore relembrada ou imaginada. A mescla impura de que é feita nossa consciência adquire nessas obras uma representação visual sedimentar, uma organização precária (e verossímil) de acontecimentos que assimilamos de forma totalmente desigual. Afinal, a faca com que almoçamos e a que nos fere, embora idênticas, serão experimentadas de modo muito diverso. Também a rotina e o tempo depositam seus sedimentos sobre fatos e coisas.
O que realmente torna esses trabalhos efetivos para o olhar – e não apenas mais uma narrativa maçante – reside na capacidade de Fabrício revelar visualmente esse aluvião impuro de que somos feitos. E isso na própria trama de suas gravuras, também elas uma deposição um tanto aleatória de imagens. Por esse motivo me parece que as matrizes pintadas – que o artista chama “esculturas pintadas” – têm uma menor capacidade de revelar nossos processos de formação. Nelas a simultaneidade se mostra apenas devido ao fato de as formas se disporem sobre a mesma superfície.
A ausência das sobreposições dá às várias regiões uma intensidade semelhante, o que é pouco plausível em relação à experiência que temos do mundo. Acredito que também que os desenhos sobre folhas de acetato ficam aquém do nível geral da mostra, por reduzirem a complexidade de nossa relação com a realidade. Tudo isso considerado, convém lembrarmos que, em geral, não somos todos Frankensteins, embora não faltem desequilíbrios de toda ordem entre nós. Como na gravura com dominantes azul e marrom-claro, algumas figuras sobressaem, como as duas aves que parecem cair, abatidas em pleno voo, ou as ramagens da parte superior. Feliz ou infelizmente não somos o que queremos. A vontade precisa operar num mundo em que entram outras vontades e uma realidade espessa. Há semelhança entre nosso processo de formação e a técnica da xilogravura.
O desenho que se traça sobre a superfície da madeira não se deixa marcar pela goiva como um círculo traçado sobre a areia. Dependendo da madeira e do modo como a placa de madeira foi obtida (no jargão da xilogravura, madeira de topo e madeira de fio), os resultados numa gravura serão diferentes.
Estou convencido de que a capacidade de representar a complexidade de nossos vínculos com a realidade advém muito da própria formação artística de Fabricio Lopez. Não foi propriamente na universidade que ele encontrou seu caminho e sim no trabalho coletivo no Espaço Coringa, no qual trabalhava, entre outros, com Flávio Castellan e Ulysses Boscolo. Nesse ateliê, muitas vezes as xilografias eram feitas a 4 ou mesmo a 6 mãos. O esforço para compreender e dar continuidade ao trabalho alheio talvez seja de fato a melhor maneira de aprender a olhar generosamente o mundo.
A concha eloquente do coração - Fabricio Lopez
por Priscila Sacchettin
As sequências de chapas de compensado distribuídas pela sala formam paredes de madeira gravada. São relevos pintados que conquistaram autonomia enquanto obra, após encerrar sua vida útil como matrizes de grandes estampas de xilogravura. Em conjunto, aludem a narrativas truncadas, fragmentos de histórias, módulos de tempo, personagens desalojadas. Dificilmente classificável, A concha eloquente do coração amalgama instalação, desenho, pintura e escultura.
E não seria impróprio dizer que também a literatura está presente – o título da obra tem sua fonte num poema de Edmond Jabès: “O coração é um arco no limiar da nossa era, uma concha eloquente (para si mesma) entre os dedos da vidente.” A escrita de Jabès trata das questões da origem e do destino, entendidos não como pontos fixos, mas como núcleos que se movem. Assim como também são móveis e recombináveis as chapas de compensado da obra de Fabricio Lopez. Além disso, a poesia jabesiana constituiu-se como uma poética do estrangeiro, em que as ideias de lugar, habitação, ocupação, identidade e pertencimento são interrogadas. Tais questões são comuns à poética de Fabricio Lopez, não enquanto estrangeiro, mas como alguém que busca apropriar-se de maneira cada vez mais plena de seus lugares.
O centro velho de Santos, a zona portuária, as praias, o mangue, são a fozdas imagens que o artista capta e, posteriormente, transfigura na obra. Um barco a pique, um mendigo que dorme na calçada, mariposas, um passante com guarda-chuva. Personagens algo goeldianas contidas na concha da experiência pessoal e cotidiana do mundo. Porém não protegidas por esse interior: as figuras têm algo de desgastadas, imersas na corrosão salina da maresia; a superfície da madeira cortada é uma carne sem sangue.
Na lombada de um dos muitos livros do ateliê de Fabricio Lopez, lê-se o nome de Harlan Hubbard. Também essa relação faz sentido: ambos os artistas, guardadas as diferenças de contexto, têm na xilogravura um meio de expressão, e para ambos a paisagem com a qual convivem é fundamento de seu imaginário. Em seus Diários (1939), Hubbard escreve: “Deve haver um equilíbrio perfeito entre o abstrato e a realidade em uma imagem. Cada forma, linha e cor deve ser parte do projeto e ainda ser uma parte efetiva da imagem, verdadeiros para com a vida”. Tal diretriz poderia ser vista também na obra de Fabricio, em que desenho de observação, elaboração da forma e criação poética confluem para formar a imagem.
Fabricio Lopez – Várzea
Texto curatorial
Mercedes Viegas Arte Contemporânea, Rio de Janeiro
A exposição “Fabricio Lopez – Várzea” com trabalhos inéditos do artista paulista que oferece novas dimensões à prática de gravura em madeira. A mostra, que segue até o dia 24 de agosto, apresenta três xilogravuras de grandes proporções, gravuras menores, matrizes pintadas e ainda duas pinturas. Nascido em Santos, no Estado de São Paulo, o artista busca na peculiar paisagem de sua cidade natal – que funde uma urbanidade antiga com a natureza bravia do litoral paulista – os estímulos visuais para imprimir as imagens de suas obras. Nas andanças pelo centro histórico, com suas velhas fábricas de café e zona portuária, ou no passeio de caiaque pelos canais da região, de onde observa serra e mar, o artista faz suas anotações, esboços e assimila as informações que depois serão os temas de sua poética visual.
Essas imagens geradas pelo impulso de capturar uma cena ou um cenário do lugar em que trabalha e vive são retrabalhadas e transformam-se em matrizes agigantadas em madeira. Mas a criação do artista só começa aí. Em seguida ele recombina essas matrizes, compondo imagens em camadas, o que o artista chama de “imagens não programadas”, em que o objetivo é deixar que o acaso também determine qual será o efeito final. Nesta combinação quase aleatória, pode-se encontrar a “Oco”, em que vemos a paisagem exterior, as folhagens da mata atlântica, sobreposta a uma construção antiga em ruínas, provavelmente um casarão da época áurea da indústria da região. Outro exemplo é a “Várzea” em que a paisagem de fundo se mistura com as sóbrias linhas que delineiam um barco, as asas de uma imensa borboleta e há um transeunte de chapéu e guardachuva caminhando em primeiro plano sobre o emaranhado de cores. Em uma xilogravura seguinte a enorme borboleta já ganha um outro significado, sobreposta ao que parece ser uma caixa toráxica humana estilizada.
Fabricio usa tinta gráfica que oferece cores sem transparência, saturadas e vivas: vermelho, azul, verde, marrom, preto, laranja etc. Essas três obras estarão na exposição na Mercedes Viegas e suas matrizes são talhadas em pranchas de cerca de 1,70m x 1,30m.
A impressão de xilogravura nesse tipo de formato – algumas obras de Fabricio Lopez chegam a medir 5m x 3m – exige um processo delicado e vigoroso do artista que trabalha sozinho, diariamente, em seu ateliê no centro histórico de Santos. Embora a técnica de gravura seja uma atividade milenar e tradicional, incluindo a prática de gravuras gigantes que no passado eram chamadas de “afrescos dos pobres”, Fabricio Lopez teve que desenvolver sua própria estratégia, para “vencer o papel” como ele diz. “Para realizar a impressão, eu tenho que estar dentro do papel, deito, ajoelho, piso, o papel sofre e no final ficam as marcas do processo também”. Por conta disso, o artista também desenvolveu uma técnica de colagem das gravuras baseadas na experiência de colar cartazes na rua, os conhecidos cartazes lambe-lambe. Fabricio prende as gravuras em paredes ou em superfícies lisas, o que permite a melhor exposição de duas obras, ou como comenta “a total apresentação da imagem conquistada”. A camada de cola por cima das xilogravuras cria o que o artista conta ser uma “segunda pele que faz brilhar a imagem”, uma película que faz desaparecer as interferências e devolve o desenho da xilogravura integralmente para o observador. Ele utiliza uma cola reversível que possibilita a retirada da imagem e sua“recolagem” em outro lugar ou suporte. Distinto de outros gravuristas, Fabricio não faz tiragem das gravuras, sendo cada peça única, como se fosse sempre a prova do artista.
Fabricio conta que o interesse por gravura foi um “transbordamento da pintura” adicionado a sua vontade de trabalhar com madeira. Logo, nada mais natural do que a produção de matrizes pintadas, ou seja, pinturas feitas em relevos talhados. Para o artista as pranchas de madeira que, recombinadas, geram as mais diversas gravuras possuem uma vida útil. Em certo momento ele isola a matriz e decide que não vai mais usá-la, pois a peça já carrega uma série de resíduos das impressões. Então o artista as retrabalha adicionando cor e transformando – as em pinturas em relevo que contém a memória das diversas imagens que já fizeram, resquícios de papel e tinta. “Elas não são mais matrizes, são pinturas, como superfícies que carregam fantasmas das impressões”, diz o artista.
Algumas destas matrizes pintadas também estarão à mostra na galeria. Mercedes Viegas Arte Contemporânea vai apresentar ainda as mais recentes pinturas de Fabricio. As pinturas possuem um estilo bem díspare das gravuras, com tintas que escorrem pela a tela e figuras que parecem que estão se desfazendo. Elas também se diferem das gravuras no seu processo, pois envolvem um tempo de fazer e pensar sobre a obra mais lento, podendo demorar até dois anos para que o artista resolva dar a pincelada final.
Fabrício Lopez
por Rafael Vogt Maia Rosa
A partir do discurso do artista, o trabalho pode parecer uma proposta utópica, que envolve uma gama de questões internas e externas ao domínio estético, tão grande, que dificilmente teria respaldo efetivo em uma sala de exposições, especialmente em nosso contexto atual. Sua gênese contempla itinerários marítimos e terrestres, utilização de espaços públicos na cidade natal do artista (Santos, SP), pesquisa de materiais específicos para a utilização incomum de uma técnica tradicional, registro fotográfico e escrito, explicitação dos meios utilizados para a feitura das obras – também com objetivos “didáticos”-, a criação de uma imagética que avente um patamar mítico de determinada região brasileira…
Pois, o trabalho de Fabrício Lopez consiste na utilização de uma técnica normalmente associada à pequena escala – a xilogravura -, em dimensões que, mal-comparando, equiparam-se ao muralismo mexicano ou ao expressionismo abstrato estado-unidense. Contempla as condições complexas de sua gênese discursiva sem se paralisar pelo receio de que ela demande um suporte teórico que, antes de qualquer resultado, salvaguarde o artista da condição de um anônimo desses que “gastam” uma “potencialidade estética” nas ruas, grafitando e pintando idiossincrasias em lugares públicos, a partir de um material específico, de temas ora literais ora completamente esquizofrênicos. Diferentemente, esse “inconseqüente” é visto como a prova de que é possível se o idealismo se sustenta gradualmente, mesmo em meio a estímulos dispares, ambiciosos, quase megalomaníacos, mas pragmaticamente explorados. Dos aspectos mais simples e duais, aos mais intrincados.
A matriz de madeira dura e o papel. O branco e preto, luz e sombra; a gravação “crua” e incisiva composta com uma cor “pura”. O gesto que encontra sua cristalização na precariedade do instrumento que grava um compensado quase impróprio aos requintes daquela técnica – parece incisivo, um tanto violento no delineamento de figuras, mas também espontâneo e despretensioso na composição de elementos abstratos, de um cromatismo evanescente. As massas abstratas convivendo com estruturas fotográficas e poucos escritos num jogo de presença incisiva e perda de referencialidade. A figura consumida pela massa “da natureza”, a materialidade franca das obras, sua qualidade visual lançando-as um patamar mítico que já não podemos negligenciar. Uma demonstração singela, contra a falência anunciada de toda uma cultura.
Valongo: xilogravuras de Fabrício Lopez
por Cláudio Mubarac
O trabalho que Fabrício Lopez tem desenvolvido nos últimos anos opera num sistema de pontos nevrálgicos. Seu ateliê no Valongo, bairro da cidade de Santos, onde constrói a gravura que aqui se apresenta, é ilha circundada pelo labor das orientações que ministra nos ateliês por onde transita; suas reflexões particulares são revistas pelas ações coletivas das quais participa ativamente desde os tempos da escola de arte. Ou seja, o trabalho solitário é tencionado pelos ecos das empreitadas coletivas em atividades cruzadas. E essa situação não é um precário a ser dirimido quando se cumprir, num hipotético futuro próximo, a missão da obra individual. Aqui, os trânsitos e os fluxos entre o pessoal e o coletivo são desejados e necessários na combustão das vivências propostas pela experiência artística. O mesmo vale para o lugar que a gravura quer ocupar nessa trajetória. Os impressos buscam aderir às paredes das casas e aos muros da cidade. Querem circular como volantes e publicações da gravura como escritura, quando a estampa quer fundir-se à imensidão dos impressos da cidade contemporânea. Por isso, a escala raramente é diminuta, já que quando é, troca a dimensão pela multiplicação. Assim, em ambas as atitudes a fatura e a visibilidade acompanham o desenho dos destinos que desejam.
Trata-se de pensar essas imagens sempre como duplos: como objetos materiais, que constituem um ambiente visual, e justificam sua escala como um modo de pertencerem ao mundo no qual se instalam; ao mesmo tempo, trata-se de estarmos defronte dessas imagens como pertinentes ao domínio imaterial e temos os motores de sua imaginação, de seus esquemas, modelos, de sua fantasia, da visão crispada das passagens por elas propostas. Os espelhamentos da gravura encontram eco nessa trajetória e vislumbrados pelo ritmo no qual pulsam, depõem e decompõem imagens pelo prisma móvel de um caleidoscópio atento. Com esse instrumento, madeiras, ferramentas, tintas e papéis são contíguos aos sonhos, aos compromissos e ao pó que alimentam essas empreitadas circulares, gestadas e gravadas.
Nessa exposição, as gravuras ocupam as paredes em clave já mencionada. Rivalizam com a pintura mural, com o painel e o baixo relevo, dialogando com a história da estampa ocidental quando essa cumpriu esse papel na gravura monumental dos séculos XV e XVI, momento em que a xilogravura e a gravura em metal, ainda no calor do nascido, arregimentaram suas potencialidades técnicas e poéticas e permearam tanto o espaço do livro impresso, aparato novo, quanto emularam os modelos clássicos romanos de decoração mural, colocando-os no universo das imagens repetidas. O trabalho de Fabrício Lopez não ignora essa tradição, quando articula impressões, fundindo-as com os suportes, apondo as estampas que se tornam afrescos móveis e repetíveis as matrizes momentaneamente fossilizadas, tornando madeira e papel lugares cromáticas. Nas paredes da exposição, cor e cortes dançam nas figuras e através delas; dançam as imagens incisas e através da irisação que nelas se instalou. Tudo temperado por um equilíbrio sutil entre uma certa monumentalidade da escala e o fragmentado de suas estruturas. Se pensarmos na história da arte no Brasil, esse trabalho gráfico é detentor de diálogos agudos com os artistas de sua geração e com alguns mestres da gravura brasileira. A fatura direta e medida, onde o corte determina e singulariza o espaço, assim como o uso particular da cor xilogravada, leva-nos ao encontro da obra de Oswaldo Goeldi; as inflexões com relação à escala da estampa nos dirigem o olhar para a obra de Maria Bonomi; a vontade dos impressos ocuparem lugares inusitados traz o trabalho de Regina Silveira como uma referência; a itinerância, como motor da obra, a estampa como fato único e repetível, a visão do lugar e a interinidade do olhar remetem à gravura de Evandro Carlos Jardim; só para citar algumas fontes.
E não falo aqui de filiações estilísticas, mas de um ambiente, uma paisagem sobre a qual se pode caminhar. Isso talvez nos confirme um horizonte já mais nítido e aparatoso que a gravura no Brasil construiu, mesmo de história tão breve, legando aos artistas contemporâneos um rico rol de reflexões, que ultrapassa o limite da gravura enquanto um conjunto de procedimentos, colocando-a como indagação, como detentora deuma conjunção de proposições a qual temos que responder. Além e aquém disso, o trabalho de Fabrício Lopez na fatura e na postura tem sutis reverberações com as estampas populares e com os lambe-lambes urbanos. E essas relações não se dão somente no plano formal, são mais fundas. São noções e vocações engendradas pela convivência com e através das obras, por suas andanças e pela partilha de sensibilidades. O que nos leva de volta à visada da construção de uma figuração fragmentada, cacos visuais da memória dos lugares e das vivências desses lugares, onde o precário é alimento; onde desenho, corte e cor se alternam continuamente, numa espécie de teatro permanente, de vertigem quase muda, com personagens tão raras quanto comuns.
Cláudio Mubarac entrevista Fabricio Lopez
Fale de sua formação, entendendo formação no sentido mais amplo possível e não só acadêmico-escolar.
Logo me veio a imagem de quando tinha uns 11 anos e íamos pescar siri na praia, usando um puçá, uma espécie de rede e gaiola com uma certa isca especial.Os mais novos da turma por livre e espontâneo convencimento físico dos mais velhos, no caso eu e outros premiados devíamos passar na avícola e pegar tripa de galinha. Às vezes, dávamos sorte e só tínhamos que enfiar o braço em um latão cheio de restos, ou quando o latão estava vazio, o jeito era enfiar a mão dentro da galinha recém abatida. Todo esse rito valia cada siri pego na praia, em dias de pós ressaca do mar, dias cinzentos que terminavam na casa de um amigo com uma panela cheia. Para mim, a formação em um sentido mais integral está atrelada com este contexto, da cidade praiana, da leitura intensa de todo e qualquer tipo de gibi, das horas solitárias desenhando, e da produção das minhas próprias histórias.
Desde pequeno, tinha um profundo interesse pelo desenho, e aprendi a perpetuar o gosto pela imagem criada, por uma certa magia em ver algo existir à partir de uma vontade. Na adolescência decidi, acredito que de forma intuitiva, que queria ser artista, trabalhar com artes plásticas, mesmo sem saber ao certo o que isto implicava; comecei a pintar e fui adiante, agarrando-me a toda possibilidade de mostrar o que fazia, fosse produzindo histórias em quadrinhos para fanzines de amigos, ou pintando murais em feiras de moda. Em paralelo ao desenho, a pintura, havia o esporte. Coisas como karatê e o futebol na praia nas tardes de sexta feira, depois da escola. Pode parecer bobagem, mas tiveram um grande efeito no gesto, no olhar, que de maneira sutil vejo aplicar no trabalho hoje em dia.
Antes de cursar Artes Plásticas, fiz dois anos de Comunicação Social que serviram em muito para ampliar o repertório sobre cinema, teatro. Lá, tive também uma ótima experiência com a produção de cenários para apresentações do curso de Rádio e TV, que algum tempo depois me valeriam trabalhos, rica experiências de aprendizado em teatro com o diretor Wolfgang Pannek, a montagem do Apocalipse com o Teatro da Vertigem e em televisão, trabalhando na TV Cultura no setor de efeitos especiais. Depois de finalizar, o que imaginava como período de aprendizagem e fortalecimento de amizades presentes até hoje, interrompi o curso e entrei na FAAP. Era um momento de transição na instituição. Antes, o que era uma Fundação sem grades e de livre circulação, ganhava, aos poucos, um ar austero com escadarias de granito, corrimões dourados e mensalidades crescentes. Lá, conquistei o que precisaria para fundamentar minha relação com a produção artística: o conhecimento e confiança (muito importante!) transmitidos por alguns bons professores, e a amizade dos amigos, com quem pouco depois formaria o Espaço Coringa.
Esse grupo se fortaleceu à partir de uma vontade de concretizar um conjunto de instâncias autônomas de produção e difusão em artes plásticas. Nossas imersões em Santos, onde minha família tinha uma construção inacabada em um terreno à beira de um morro, foram inesquecíveis. Passávamos três meses indo sistematicamente para este lugar, carpir o mato, passar fiação elétrica, produzir os trabalhos para exposição, batucar. Tínhamos um oásis que fundamentou uma experiência coletiva que durou 10 anos. O grupo era formado por Anderson Rei, André Tranquilini, Chico Linares, Daniel Manzione, Guilherme Werner, Matheus Giavarotti, Rogério Nagaoka, Suiá Ferlauto e eu. Quando realizamos o primeiro Espaço Coringa, convidamos o prof. Evandro Carlos Jardim e, incrível, ele aceitou! Foi para Santos em um dia nublado ver os trabalhos de todos os artistas e falar para cerca de 30 pessoas embaixo de uma lona esticada em uma laje. Certamente, aquele ato de fé estruturou todo um pensamento sobre o porvir da iniciativa, fez germinar naqueles jovens de vinte anos algo poderoso que nos acompanha até hoje: tradição como transmissão de energia vital.
Tenho certeza de que esta iniciativa e a convivência com meus amigos formaram um lastro tão forte, um conhecimento construído à partir de uma coletividade que vejo transbordar em tudo que participo, na família e em outros trabalhos.
Nessa mesma toada, onde começa o Valongo pra você?
Hoje, o Valongo representa o adubo mais fértil da cidade de Santos. É um lugar com uma força telúrica incrível, de frente para o Estuário e para Serra do Mar. Foi onde a cidade começou, e onde permaneceu por mais de século antes de expandir-se para outras áreas e junto à orla. O desejo de instalar-se ali para produzir acompanha meus cadernos de anotação desde que vagava de bicicleta pelo Porto e arredores do centro histórico da cidade entre 1999 e 2003.
Não tenho um radinho no ateliê, não sei exatamente porque. Não levei música para lá e acabei me habituando ao silêncio. Um dia sem falar, ouvindo a respiração do porto, a hora marcada pela igreja e o apito do navio, um som penetrante que começa distante e chega até lá no fundo, produzindo uma sensação debem estar, um tipo de som que aponta para um destino.
Por que e como a xilogravura é para você processo privilegiado e lugar para trabalhar?
Existe o impacto físico da construção do desenho e um tempo diverso da pintura, por exemplo. Às vezes, penso que realizei um movimento migratório da pintura para a madeira – porque, para mim, o lugar da xilogravura é a madeira- parece redundante, mas é o que me entusiasma, tanto quanto a cor. Agora, quando penso a construção da matriz, as anotações com desenho na madeira e o corte da superfície, fico ainda mais entusiasmado! A matriz é uma peça de jogo visual. A exploração do desenho acontece de diversas formas, em associação com múltiplas referencias. A matriz possibilita ao desenho viver diversas vidas sobre diversas paisagens.
A relação com a escala, ocorre por necessidade do gesto alargado ou por substituição, onde talvez outros procedimentos caberiam? Ou ambas são questões relacionadas?
Por necessidade e por substituição. A relação com a escala na xilogravura foi também intuitiva, um hábito que trouxe das pinturas que fiz. Lembro que a primeira xilogravura de compensado inteiro foi na “Ação na Pagú”, em uma das celas que transformamos em ateliê. Lembro também que a impressão foi sanguinolenta. Entintando com rolos muito pequenos, que quebravam o tempo todo, com um calor típico. Nessa ocasião, eu, Ulysses e o Capi trabalhamos juntos. Quando vou para o ateliê, gosto de pensar que essas xilos só poderiam ser feitas naquela sobreloja, no ateliê em Santos. Posso testá-las lado a lado e recuar, percorrer as imagens, ir ao encontro da estampa. Fico sempre pensando na travessia do Amyr Klink. Para mim, uma performance náutica em escala global, onde as questões também estavam relacionadas a um projeto de vida. Desejo/técnica. A escala é, também, o tempo de uma ação que se desdobra em uma superfície. Sempre que início uma impressão, me arrependo, mas em poucos segundos o sentimento é de urgência e vontade de chegar à algum lugar; como se o papel esticado sobre a madeira fosse o meu oceano atlântico a ser percorrido, um arco de deslocamento físico sujeito à atmosfera. Quando preparo a folha de papel, gosto de pensar na vela do barco. Uma vela que irá ser estampada.
Qual a importância das cidades que você habita e seus fluxos no estabelecimento do trabalho?
Gostaria de aproveitar para confessar um desejo. Um desejo de civilidade de comunhão com um lugar. Os centros das cidades deveriam ter como vocação exclusiva a convivência entre as pessoas, e aqui não excluo relações comerciais, mas acredito que deveríamos recuperar os significados mais básicos e memoriais do que é habitar. Vejo claramente uma vocação para o bairro do Valongo: oficinas de todo o tipo, espaços de circulação, convivência e troca. Coisas básicas, como uma horta comunitária. O bairro não precisa de um Museu Péle, mas de diversos espaços expositivos, ateliês de criação das mais diversas fontes de conhecimento.
Digo isso, por questões muito simples: não vejo outro lugar melhor para trabalhar. Mesmo suando como nunca para imprimir um pedacinho de papel, foi onde escolhi montar “um lugar”, um ambiente circundado de estímulos, imaginando-o como um coral que filtra, devolve um fluxo de água e é poroso. Por enquanto, um dos aspectos muito positivos é o fato de ser a sobreloja de um pequeno prédio onde moram algumas famílias. No térreo, um galpão de café incrível erguido com areia de praia, pedra e óleo de baleia. É uma verdadeira obra!
Fale um pouco sobre o corte como gesto medido e/ou como medida do gesticular, como unidade do desenho.
Acredito que gosto de operar com os dois: projeto de corte e a ação da talha direta. O primeiro traz o gesto medido à partir de uma malha estruturante, um desenho, uma marca; o gesto e a talha vão ao encontro de uma informação já existente A talha direta é o gesto primal, no sentido que faz parte de um desenho que irá configurar-se. E cada ação traz a medida deste gesticular, que é corporal. A tensão para construir uma linha nessa escala, demanda esse jogo de corpo, no que para mim, constitui-se como um tablado de luta corporal ao nível do solo, onde o giro se dá em torno da matriz e a linha é construída em diversas direções.
Uma coisa que lembro sempre, ao construir uma determinada área na matriz, é uma questão relacionada ao que ouvi do Evandro Carlos Jardim sobre a mecanização do gesto: me parece um jogo duplo, onde ser simplesmente “tarefeiro” leva o desenho à morte por asfixia, revelando uma imagem “estática”. É necessário manter uma certa atenção, e preservar uma franqueza, um frescor ao cortar; mesmo se carregado de insatisfação, manter-se aberto a renovação. Essa é a maneira com a qual encaro cada imagem, sem ter a certeza de que vá chegar a algum lugar.
Qual o papel da cor na sua gravura?
Sempre penso a cor como um elemento estruturante da imagem, onde gosto de imaginar uma luz que invade o ambiente dessa imagem com tanta autonomia que pode desfigurá-la, daí gerando outros valores e direcionamentos. Sendo uma estampa tal e qual, utilizo alguns procedimentos que carrego de uma experiência com pintura antes da sedução pela madeira.
A utilização de uma determinada cor é de certa forma intuitiva e relacionada justamente com o tipo de luz predominante no momento da feitura, da mistura das tintas e do instante da imagem. Por vezes, determinada mistura é preparada para determinado trabalho, mas ao término do preparo algo foi modificado, ou a própria cor acaba apontando para um uso em alguma outra imagem. Gosto de trabalhar com a construção simultânea de alguns trabalhos, não muitos, mas três ou quatro que possibilitem um trânsito de informações entre eles, e que possa operar gerando contrapontos de forma e luz. Em meados de 2004, por ocasião da exposição no Centro Cultural São Paulo, onde mostrei duas estampas em grande formato, tive uma experiência muito interessante com o Sr. Carlos (sobrenome), que é um engenheiro químico, na produção de cores específicas para o centro de Santos. Ao longo de alguns meses, levava até seu laboratório amostras de paredes dos casarões, fotos e referências sobre o porto e o centro histórico na tentativa de produzir algo particular, para um contexto particular.
Surgiram as cores com nomes que aludem a determinadas referências que encontrava ao andar pela região: Amarelo Porto, Vermelho Índio, Azul Frontaria e Verde Mercado. Pensava que essa aproximação da cor e da matéria traria mais firmemente a atmosfera daquele contexto para a construção da imagem.
“O ateliê é um habite-se, a natureza de tudo e de cada coisa”. Palavras suas, sobre as quais gostaria de ouvir mais.
Gosto de pensar o ateliê como esse lugar/espaço a ser habitado, onde justamente o trabalho surge da relação entre o artista e cada coisa que o circunda: as ferramentas, as referências, as coleções de objetos, a paisagem. Para mim, habitar este lugar é o primeiro passo para construção da obra, onde mesmo nas tardes ociosas, olhando para as imagens penduradas na parede, ouvindo os pássaros, os ruídos da avenida portuária, sinto esse tempo conquistado e direcionado para uma ação poética. Um tempo que não pode ser medido em valores ou em produtividade, porque se refere a uma construção não linear, subjetiva e em certa medida auto-referencial. Referindo-se, sobretudo, a conquistas internas, da preservação do sonho e da beleza, da aceitação de si próprio e do outro.
O Canto dos Pássaros ou A Canção Proibida
por Ulysses Bôscolo
Observo cada gravura feita pelo Fabrício como o canto dos pássaros de sua infância. Um canto escondido nas árvores que estão ao redor da casa dos seus pais no alto do Morro Santa Terezinha em Santos. São pinturas sonoras que elevam ou que adornam o nosso espírito não só pelo tamanho das imagens propostas por ele como uma tentativa; um desejo alado de abarcar toda a orla, toda a panorâmica de Santos numa visão privilegiada e total da geografia da cidade; do impacto causado pelo estuário que corta em direção a Serra do Mar e que divide o Porto em duas pequenas colônias: a do café, situada nos arredores da Bolsa e a dos estivadores; que moram em Vicente de Carvalho. Como um urubu planando suave no alto do morro seguindo a corrente de ar, o artista encontra uma espécie de geometria industrial que se alastra por toda a orla; por todo o horizonte formado por guindastes e galpões gigantescos; prédios e casas tão familiares quanto o apito do navio; ruas pequenas e escuras similares aos caminhos cortados por ele na madeira; tudo na plena observação da vastidão da cidade em frente ao o mar, cheia de cores. A cor é vista aqui como uma forma antiga, eu diria até indígena de se manter alegre e viva. Livre; uma arte plumária que encontra exatamente o seu lugar com o uso da xilogravura, organizando primeiramente seu habitat pelas luzes, pelas nuvens e pelos pássaros e outras entidades especiais que passam pelo seu ateliê, que passam pelo seu corpo; que estão mergulhados na bossa das ferramentas; como se realmente o artista ao gravar e estampar pudesse sair voando pela janela em direção às cores que estão na luz do sol, que estão na terra e nas frutas que foram camufladas e comidas pelas sombras.
Suas cores saem das árvores transformando-se em pássaros. Sim, as cores passam voando como tantos passarinhos que habitam o terreno baldio, ao lado do seu ateliê. Passam cortando. No morro; as aves todas as manhãs se alimentam num trapiche de madeira preparado pelo seu pai cheio de frutas: bananas, abacates, laranjas, pêras, maçãs e mamões. As cores são servidas como alimento. Para o Fabrício estascores, estas memórias passaram a constituir o vértice de uma pintura que encontrou no sólido da estampa uma origem no coração. Tento repetidas vezes olhar e me aproximar de cada xilogravura para ouvir o florim escondido de um ornitólogo apaixonado por estes pequenos espíritos da floresta: saíras, sanhaços, gaviões, pássaros pretos, xexéus, trinca ferros, cardeais e tiés estabelecem um repertório fantástico e infantil em busca de um desenho simples, dificultado pelo tempo e pela arquitetura de veios presentes na matéria dura, com claras relações de cor e de pacto plumário sonhador; ora leves; ora demasiadamente pesados sobre a matriz. As matrizes também são transportadas de um lado ao outro do ateliê como imensos viveiros. As cores, mesmo sobre o compensado, permanecem em movimento. Permanecem transportadas da paleta de um pintor para um quadro, ouvindo os pássaros cantando no final da tarde sobre o morro. Cantam para as mãos onde se depositam as forças. Cantam nas tábuas onde se colocam as cores frutíferas. Uma maneira especial de entender a pintura não como pintura tradicional em tela ou cavalete, mas como um tipo de pintura – estampada, ou seja, o cavalete é depositado no chão; o pincel é o aço das goivas e dos formões e a pintura organiza-se no múltiplo da xilogravura sobre o papel. Toda a luz é compartimentada em ilhas, em canais abertos como trincheiras em um terreno povoado pelas lascas e não por respingos. A luz passa pelas asas de um pássaro, passa pelos seus olhos, passa por uma escolha, um desenho; como se o próprio artista participasse dos anseios de Ícaro de voar em direção ao sol. É importante salientar tal fantasia.
Gravando o Fabrício alcança suas intenções como pintor por que o gravador que pinta é aquele que elege a luz como princípio para a sua imagem. Porém, é difícil de se obter a passagem da cor como no efeito pastoso – corpóreo da tinta a óleo. Aqui ele responde aos chamados da gráfica. Aqui a cor responde a partituras compactas de força muscular que sulca, que divide, que cria obstáculos reais que se depositam entre as unhas e secam como vernizes. Durante a impressão, a colher de pau seria a espátula usada para espalhar a tinta “ao avesso”, ou seja, por trás do papel, o que tradicionalmente na pintura se faz pela frente, moldando a forma na tela como o próprio Iberê Camargo fazia, despejando o tubo de tinta na esgrima; procurando os sonhos na mistura.
Tudo pela estampa corresponde a um espelho, a um duplo maravilhoso de significados onde a imagem é transportada via força, via vontade concentrada sobre o suporte, lembrando muitas vezes, o trabalho de um marinheiro esfregando duramente o chão no convés de um navio. Na xilogravura, o pensamento da gravação e da impressão possibilita ao artista duplicar sua potencialidade sobre a cor, como um verdadeiro prisma. A pintura, através de um meio tão antigo quanto à xilogravura galopa, embarca em uma nau em direção a continentes virgens e a possibilidades de imagens pouco exploradas na sua totalidade. Seria preciso que alguém rasgasse um mapa remoto. Seria preciso que um açougueiro pudesse imitar estranhamente o canto dos pássaros, em lugares pouco freqüentados por cavaletes. Seria pensar como pintura, em imagens incomuns; como um centauro flechado por um beija flor.
Fabricio Lopez: vínculo e abertura
por Cauê Alves
As gravuras de Fabrício Lopez realizadas em grandes compensados e tábuas possuem uma escala monumental. Não se trata de um trabalho que se dirige apenas aos olhos, mas a todo o corpo e ao espaço ao redor. Do mesmo modo, o processo artesanal de gravação e impressão exige um esforço corporal tremendo. Grandes chapas de madeiras são dispostas sobre o piso e sobre elas incide a força e os instrumentos do artista, que literalmente mergulha de corpo inteiro dentro de cada matriz. O modo como Fabrício fixa os papéis impressos diretamente na parede, montados por partes e colados com pincel, é análogo ao dos cartazes lambe-lambe tão recorrente nos grandes centros urbanos. Entretanto, suas gravuras se afastam das referências à cultura de massa e aos anúncios que incitam ao consumo rápido. Ao contrário, seu trabalho exige um contato prolongado e atento do público, uma vez que é cheio de sutilezas e nada têm de imediato e descartável. Cada xilogravura sua pressupõe várias camadas e sobreposições de tons. As cores sustentam toda a composição tanto na paisagem exposta no CCSP como também em outros projetos. Das cores brotam imagens evanescentes, ícones que pairam no fundo e entre os planos, que de vez em quando sobem à tona e vêm ao primeiro plano. É da relação entre a superfície da imagem e suas camadas mais profundas que surge a complexidade das estampas. Há em seu trabalho uma intensa relação com a grande tradição moderna da gravura. Algumas de suas obras retomam incrivelmente certos ambientes sombrios e densos como os inventados por Oswaldo Goeldi, mas numa escala e com uma gama de cores completamente diferente.
O trabalho que realizou para o Programa de Exposições 2011 do CCSP recorre, de maneira distinta, a outro grande artista brasileiro: Marcelo Grassmann e seus expressivos desenhos dos anos de 1940 pertencentes à Coleção de Arte da Cidade. O imaginário de Grassmann é repleto de sombras e seres fantásticos. O artista entrou para história da arte não só por fazer parte da nascente gráfica brasileira, mas pelas referências ao inferno e ao bestiário de Hieronymus Bosch. Seu repertório está ligado ao universo mágico, mitológico e medieval, sempre povoado por demônios, figuras híbridas e outros monstros presentes em fábulas e histórias tradicionais.
Os desenhos de Grassmann escolhidos por Fabrício dialogam indiretamente com sua paisagem no painel em xilografia. Estabelecer vínculos e provocar embates com trabalhos de outros autores é fundamental nessa proposta do artista. O projeto é fruto de uma pesquisa de Fabrício no acervo abrigado na instituição e, além de levar em conta as relações formais e temáticas entre os trabalhos, também lida com questões técnicas de conservação como quantidade de incidência de luz, variação da temperatura e segurança. No caso de Fabrício, não se trata apenas de usar obras consagradas ou institucionalizadas como referência ou como ponto de partida de seu processo, mesmo que o projeto assuma um tom de homenagem a uma figura central nas artes gráficas. Ao contrário, a relação entre a sua xilogravura e peças de autores como Grassmann é construída a posteriori. Esse procedimento se aproxima do trabalho tradicionalmente assumido pelo curador. Cada obra, quando justaposta à outra, adquire e doa sentidos. Isso se dá porque obras de arte são totalidades abertas, elas se bastam em si mesmo, mas dialogam tanto com o que a cerca quanto com quem a vê. Por isso o público pode estabelecer uma série de possíveis ligações com o que contempla, não apenas recebendo passivamente informações, mas assumindo um olhar ativo.
A xilogravura de Fabrício não se fecha em si mesma. Em vez de o artista reivindicar alguma autonomia, construir um espaço neutro, ou tentar isolar os sentidos internos do seu trabalho, ele se interessa pelos vínculos que a gravura pode estabelecer com o espaço em que é exposta. Fabrício Lopez se insere na tradição da gráfica brasileira, não apenas retomando a história e o trabalho de grandes mestres, mas também abrindo caminho para outras experiências, obras suas e de artistas que ainda estão por vir.
Cauê Alves é professor do curso Arte: história, crítica e curadoria da PUC-SP e curador do Clube de Gravura do MAM-SP. Em 2011 foi curador do 32º Panorama da Arte Brasileira e curador adjunto da 8ª Bienal do Mercosul.
Lições de simplicidade
por Humberto Werneck
O que é que estes dois estão fazendo juntos aqui?
A não ser pela arte a que ambos se dedicam, a xilogravura, bem pouca coisa eles têm em comum. Prestes a completar cinquenta anos de idade, J. Miguel, o pernambucano José Miguel da Silva, vive e trabalha em Bezerros, cidade de 60 mil habitantes a uma centena de quilômetros do Recife, e o que produz costuma ser classificado como arte popular, povoada de temas e personagens do folclore e do Nordeste brasileiro. Fabricio Lopez, por seu turno, mal entrado nos trinta, vive no eixo bem mais cosmopolita de São Paulo e Santos, sua cidade natal. E, embora não se sinta confortável no rótulo, é como artista erudito que em geral o veem, e não exatamente pelos títulos universitários que tem em seu currículo. J. Miguel cava na madeira imagens de pequenas dimensões, por vezes limitadas aos 16 x 11,5 cm de um folheto de cordel. Fabrício, ao contrário, gravador que vem da pintura e da criação de cenários, cada vez mais se espraia em grandes formatos, como os 2,20 x 4,80 m de um de seus trabalhos nesta exposição.
Se estão juntos aqui, é justamente em razão de suas diferenças – para que, postas lado a lado, entre a obra de um e de outro se busquem aproximações.
Nessa proposta de diálogo, partiu-se do zero: os dois artistas não se conheciam até o final de janeiro deste ano, quando, com vistas a uma possível mostra conjunta, providenciou-se o primeiro contato entre eles. Resultou mais fácil que Fabricio fosse até J. Miguel em Bezerros do que este descer até Santos, ao amplo ateliê que o jovem colega mantém na sobreloja de um velho prédio no Valongo, o bairro onde há 464 anos a cidade começou a nascer. Levava uma ideia que viria alargar o escopo e o alcance da exposição: imaginada no início como justaposição de dois universos, o popular e o erudito, quis Fabricio que houvesse entre eles uma ponte, sob a forma de xilogravuras criadas a quatro mãos.
Foi essa ambição que ocupou os dois artistas ao longo de seis dias, nos quais trabalharam das sete horas da manhã às cinco da tarde, abancados a uma comprida mesa na Casa de Cultura Serra Negra, em Bezerros, às margens da BR-232, que liga o Recife a Parnamirim. Não se trata exatamente de um ateliê, mas de uma antiga oficina gráfica, posta de pé em 1986 pelo padrasto de J. Miguel, José Francisco Borges (1935), o J. Borges, fundador e figura central de uma verdadeira dinastia de xilogravadores – mais do que isso, principal responsável pela conversão de Bezerros num importante polo de produção de arte popular. Hoje a feia casa térrea é mais loja que ateliê, aos cuidados dos filhos artistas do velho Borges, que pouco aparece ali, recolhido – mas ainda ativo –, centenas de metros adiante, nas margens da mesma estrada, a um memorial que leva seu nome.
Fabricio chegou a Bezerros animado com a possibilidade de que a experiência conjunta viesse a contribuir para diluir as fronteiras entre o popular e o erudito –
fronteiras que, para ele, são mais “coisa imaginada, criada”. A seu ver, “tem imagem que funciona e imagem que não funciona; tem imagem original, que parte de um impulso criador, e tem imagem mecânica”. Para o jovem artista e professor, “é na imagem que a coisa se resolve”. Se para ele aquelas fronteiras são algo pelo menos discutível, por outro lado não era o caso de tentar ignorar as diferenças entre o seu trabalho e o de J. Miguel, e, mais ainda, entre os processos de criação de um e outro. Implicaria, claro, cada um sair um pouco de seu trilho habitual – deslocamento que, pensou Fabricio, poderia ser muito positivo, na medida em que provocasse em ambos o estimulante “desconforto” que por vezes brota das “situações adversas”.
Embora confiante, Fabrício não tardou a se dar conta de que havia dificuldades pela frente. Para começar, J. Miguel não ficou exatamente empolgado com a possibilidade de produzir xilogravuras a quatro mãos. Na sólida escola de J. Borges, não é assim que se trabalha. Na verdade, tudo era diferente entre ele e o moço recém-chegado do Sul do país, do repertório ao papel com que se imprime. Entre os gravadores de Bezerros se usa apenas sulfite – nada a ver com as sofisticadas alternativas que Fabricio levou na bagagem, o Fabriano Rosaspina, de algodão, e as variações de kozo, papel japonês feito a partir das fibras longas de um arbusto. Nenhuma das duas, fez saber J. Miguel logo de saída, se prestava ao método de impressão vigente em Bezerros, onde, em vez de prensa, se emprega colher de pau e um tosco e engenhoso “carrinho”, como o instrumento foi batizado, no qual cilindros de mangueira atravessados por num eixo de metal rolam e premem o papel para decalcar a imagem.
E não era só. Nos usos e costumes locais, as cores numa xilo jamais se sobrepõem, estão sempre justapostas. Foi o que J. Miguel aprendeu vendo o padrasto trabalhar, e foi assim que, aos dez anos de idade, pela primeira vez cavou madeira para criar xilogravura. Ou mesmo antes, informa o velho Borges, que se lembra de Miguel aos cinco anos a arriscar imagens na superfície de retalhos apanhados no chão do ateliê paterno. Aquela foi a sua escola, e aquela foi a sua sorte, crescer à sombra de um mestre – o qual, como se sabe, se fez sem o benefício de sombra alguma, já nos seus vinte anos, no mais desamparado autodidatismo, pela necessidade de ilustrar cordéis para ganhar a vida. “Entrei na arte no escuro”, costuma dizer J. Borges – e, para provar que não está exagerando, conta uma história: já com algum caminho andado, ele nem sequer sabia que sua arte se chamava xilogravura, teve que ir ao dicionário quando ouviu a palavra pela primeira vez.
Tudo o que sabe, J. Miguel aprendeu com o padrasto, de quem, já quase cinquentão, com modéstia que não é para ser levada muito a sério, ainda se declara “estagiário”. E, tendo aprendido com ele, nunca pôs cor sobre cor. Não é por aí que vai Fabricio Lopez, afeito, ao contrário, a construir a imagem por meio de sucessivas camadas coloridas, que tanto se somam como se anulam. Para ele, há nisso um pouco de brincadeira, até, um carimbar meio lúdico, por vezes guiado não pela pretensão de chegar a um lugar determinado, e sim pelo gosto da aventura. Quanto à eventual intervenção de mãos alheias em trabalho seu, acha que ela pode até ser bem-vinda. Conta que frequentemente lhe aconteceu de criar junto com outros artistas jovens, nos projetos coletivos de que participou desde bem moço, como o Espaço Coringa, de São Paulo, essencial à sua formação. É algo que ele estimula, por exemplo, no Instituto Acaia, também na capital paulista, onde tem sob sua responsabilidade um ateliê de xilogravura. Fabrício está convencido de que assim se pode reforçar a individualidade e, ao mesmo tempo, promover uma bem dosada diluição do autor.
“O que pode nascer da junção de nós dois?”, indaga ele. “O que pode nascer de algo que não é só meu nem só seu, mas que é parte constitutiva do que nós dois estamos criando?” O bate-bola é até didático, defende ele, na medida em que ajuda o artista a “construir uma obra que tenha saúde, que não esteja encarcerada em si mesma”. Fabricio explica: “Ajuda a saber quando é que você dá um mergulho solitário, consegue ir lá no fundo e recolher aquela conchinha mais preciosa e, já meio sem ar, trazê-la até a superfície, e quando, ao contrário, você depende do outro para resolver problemas que sozinho não seria capaz de solucionar”. Esse fazer juntos, diz Fabricio, “é muito importante na criação, inclusive para não criar redutos de ego”. Fácil não é, como ele próprio pôde uma vez mais constatar naqueles dias em Bezerros – durante os quais, aliás, não faltaram obstáculos a superar. Um deles, de ordem prática, foi conseguir material para cavar.
Após muito rodar pela cidade, tudo o que se achou foram peças de piquiriá, madeira ingrata, de carne dura, e que ainda por cima não estava totalmente seca. Bem diferente do louro-canela com que J. Miguel tem tanta intimidade, e mais ainda da inigualável umburana, ou imburana, macia, cooperativa. Mas o que se tinha era piquiriá, e com ele os dois artistas se lançaram ao trabalho, que aos poucos começou a andar. “Eu vou fazer um fundo”, sugeriu Fabrício numa ponta da mesa, “e você faz uma imagem para ir sobreposta à minha, em primeiro plano.” O risco, lembra ele, era que daí nascessem imagens de natureza tão distinta que fossem incompatíveis, “como água e óleo”.
Mas não: sobre a flor vermelha de Fabricio pousou suave o beija-flor de J. Miguel, no que talvez seja a mais bem-sucedida das quatro xilogravuras que os dois criaram em Bezerros. “Tinha que ser beija-flor para dar certo”, alegrou-se J. Miguel, por fim embarcado na aventura que início o deixara de pé-atrás, e que para Fabricio Lopez não foi menos gratificante. “A coisa é meio batida”, resume ele, “mas são lições de simplicidade mesmo: ver como o outro entende e faz uma coisa que você também gosta tanto de fazer.”
Habitar o lugar/espaço do ateliê como procedimento para a construção da obra – o desenho do espaço na xilogravura de Fabrício Lopez
por Ynaiá Barros
Introdução
O trabalho aqui apresentado parte de uma fala do artista por ocasião de uma exposição na Pinacoteca do Estado de São Paulo em 2009, qual seja: “o ateliê é um habite-se, a natureza de tudo e de cada coisa”. Esta afirmação do Fabrício Lopez me remeteu a uma reflexão de Anne Cauquelin em A invenção da paisagem (Cauquelin, 2007) onde ela constata a potencia das nossas vivencias com a paisagem para o nosso aprendizado da realidade e também a força do entendimento do espaço da paisagem como invólucro de nossos humores e desejos. Refletir, brevemente, sobre a relação entre estas duas afirmações no processo de construção das imagens de Fabrício Lopez é o que se propõe este texto. Fabrício Lopez nasceu em 1975, bacharel em artes plásticas pela FAAP em 2000 e mestre em artes visuais pela ECA/USP em 2009. Vive e trabalha entre Santos e São Paulo, cidades em que participou e participa ativamente na formação e manutenção de ateliês e espaços de produção coletiva como Espaço Coringa, Estúdio Valongo e Xiloceasa/ tipografia Acaiá. Estas ações artísticas coletivas, como artista e professor, desempenham papel importante em sua construção poética.
1. Habitar: o espaço do ateliê e a construção das imagens
As imagens em pequenas e grandes dimensões, nascidas do corte na madeira, do embate e delicadeza exigidos pelo meio, falam dos objetos guardados, pessoas, espaços e paisagens do cotidiano do artista. Misturam-se montanhas, estradas, cantos do ateliê, flores, árvores e também pessoas que, de algum modo, habitam estes espaços. As possibilidades de repetição e sobreposição oferecidas pela xilogravura são instrumento para agregar a imagem o deslocamento do artista pelo espaço, entre cidades e ateliês e assim agregar a imagem tempo e profundidade. As possibilidades de sobreposição, neste caso, também agregam um olhar intimo dos espaços retratados, carregado da ação de ocupá-los e conhecê-los . As sensações espaciais construídas são intensas, nos levando a pensar que o encontro com o
lugar, o espaço, a paisagem são determinantes no nascimento da imagem.
Por ocasião da exposição na Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2009, em entrevista a Claúdio Mubarac, publicada no catálogo, o artista diz: “O ateliê é um habite-se, a natureza de tudo e de cada coisa. Gosto de pensar o ateliê como esse lugar/ espaço a ser habitado, onde justamente o trabalho surge da relação entre o artista e cada coisa que o circunda: as ferramentas, as referências, as coleções de objetos, a paisagem. Para mim, habitar esse lugar é o primeiro passo para a construção da obra, onde mesmo nas tardes ociosas, olhando para as imagens penduradas na parede, ouvindo os pássaros, os ruídos da avenida portuária, sinto esse tempo conquistado e direcionado para uma ação poética. Um tempo que não pode ser medido em valores ou produtividade, porque se refere a uma construção não linear, subjetiva, e em certa medida autoreferêncial. Referindo-se, sobretudo, a conquistas internas, da preservação do sonho e da beleza, da aceitação de si próprio e do outro.” (Lopez, Fabrício. 2009: 41)
Na fala é evidenciada a intenção de que a ação no ateliê seja organizada pela busca que orienta as formas do trabalho, do desenho, preservação do sonho e da beleza. Habitar este lugar parece significar preenchê-lo destes sonhos, vivências e referencias, ou melhor, ocupá-lo pela ação que garante a preservação deste sonho na imagem.
2. A paisagem: o espaço, invólucro de nossos humores e ações cotidianas
Em seu A invenção da paisagem, Anne Cauquelin faz uma reflexão a respeito do lugar das construções culturais da paisagem nas nossas experiências formadoras, no nosso aprendizado da realidade. Em um movimento de compreender suas próprias referências culturais de organização de uma imagem da paisagem e assim questionar a “veracidade” desta em relação as suas vivências visuais ela fala da potência dos aprendizados que nascem das nossas relações com o espaço a que organizamos, hierarquizamos e denominamos paisagem.
“A paisagem parece traduzir para nós uma relação estreita e privilegiada com o mundo, representa como que uma harmonia preestabelecida, inquestionável, impossível de criticar sem se cometer sacrilégio. Onde estariam, pois, sem ela, nossos aprendizados das proporções do mundo e o de nossos próprios limites, pequenez e grandeza, a compreensão das coisas e a de nossos sentimentos? Intermediário obrigatório de uma conversação infinita, veículo de emoções cotidianas, invólucro de nossos humores . (Cauquelin, Anne. 2007: 28) Esta constatação, junto a compreensão de que nosso olhar para a paisagem esta carregado também das referencias deixadas por nossos ancestrais de suas observações da paisagem, trazem mais alguns elementos para olharmos a experiência com a paisagem como disparadora na construção da imagem no trabalho do Fabrício.
Conclusão
A ação do artista que trata o ateliê como o habite-se, a natureza de tudo e qualquer coisa a ser vivido, guardado e transformado poeticamente é impregnada da vivência do espaço e do entendimento deste como meio de compreensão da dimensão de si e das coisas do mundo. O ateliê como habite-se, a natureza de tudo, também pode ser pensado como a paisagem que é veiculo de nossas emoções, invólucro de nossos humores. Em uma outra fala da entrevista, concedida para a publicação do catálogo, ele reforça a potência das suas vivências na paisagem praiana da infância e da leituras de gibis e produção de estórias como referência fundamental para o trabalho como artista.
“Quando tinha uns 11 anos e íamos pescar siri na praia, usando um puça, uma espécie de rede e gaiola com certa isca especial. Os mais novos da turma, por livre e espontâneo convencimento físico dos mais velhos, no caso eu e outros premiados, devíamos passar na avícola e pegar tripa de galinha. Às vezes, dávamos sorte e só tínhamos que enfiar o braço em um latão cheio de resto, ou, quando o latão estava vazio, o jeito era enfiar a mão dentro da galinha recém abatida. Todo esse rito valia cada siri pego na praia, em dias de pós ressaca do mar, dias cinzentos que terminavam na casa de um amigo com a panela cheia. Para mim, a formação em um sentido mais integral esta atrelada com esse contexto, da cidade praiana, da leitura intensa de todo e qualquer tipo de gibi, das horas solitárias desenhando e da produção das minhas próprias histórias.” (Lopez, Fabrício. 2009: 37)
Volto aqui a uma outra constatação de Cauquelin que nos fala da importância dos vínculos afetivos, formados por muitos sentidos e referencias, da paisagem vivida na infância na construção da imagem que formamos mais tarde da paisagem.
Estuário – Xilogravuras de Fabrício Lopez
por Leidiane Carvalho
O artista Fabrício Lopez exibe na Casa SESC da FLIP suas xilogravuras em grande formato da série Estuário, que articulam a tradição dos processos da gravura em dimensões singulares e a exploração de espaços expositivos dinâmicos.
A xilogravura tem sido trabalhada em pequenas dimensões, se apontarmos, dentre a produção brasileira que faz uso da técnica, a literatura de cordel ou as gravuras de Goeldi. As grandes dimensões trabalhadas por Fabrício Lopez exigem um gesto vigoroso no entalhe e na impressão, e para sua instalação associam, na mesma obra, referências à pintura mural e à publicidade lambe-lambe. As imagens produzidas têm profundo vínculo com a vivência do artista, desde sua infância, no centro histórico da cidade de Santos, região próxima ao porto – e ao estuário que dá nome a uma das obras expostas – onde construções em ruína e terrenos abandonados são, aos poucos, tomados pela vegetação que se instala.
A região degradada é matéria para a obra de Fabrício Lopez e motriz para seu trabalho – os sons, o clima, a paisagem, o espaço que escolheu para trabalhar, enfim, tudo é permeado por seu “desejo de comunhão”, de habitar um lugar e torná-lo fonte de força poética.
Trabalha e vive em Santos e São Paulo. Mestre em poéticas visuais pela ECA – USP sob orientação de Claúdio Mubarac, é membro fundador da Associação Cultural Jatobá – AJA e do Atêlie Espaço Coringa, que entre 1998 e 2009 produziu ações coletivas como: exposições, publicações, videos, aulas, intercâmbios e residências artísticas.
Participou de diversas exposições coletivas dentre elas: “Gravure Extreme”, “Europalia”, “Trilhas do Desejo”, Rumos Itaú Cultural, X Bienal de Santos (1° prêmio), “Novas Gravuras”, Cité Internationale des Arts, Paris, França, XIII Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira, Portugal e Arte Contemporânea no Acervo Municipal, Centro Cultural S. Paulo. Participou do Encontro Panamericano de Xilogravura em Trois Riviérès, no Canadá, de residência como artista convidado do Atelier Engramme na cidade do Québec e no CRAC (Centro de Residências para Artistas Contemporaneos) em Valparaíso no Chile como prêmio do Programa Rumos Itaú Cultural. Realizou exposições individuais na Estação Pinacoteca – SP e no Centro Cultural São Paulo, integra os acervos públicos da Pinacoteca Municipal e do Estado de São Paulo, Casa do Olhar – Santo André, Secretaria Municipal de Cultura de Santos e do Ministério das Relações Exteriores com o 1º prêmio para obras em papel do programa de aquisições do Itamaraty e em 2015 ganhou o prêmio residência artística Arthur Luiz Piza.
Em 2007 implantou um ateliê no bairro do Valongo, no centro histórico da cidade de Santos, onde desenvolve trabalhos em grande formato e uma pesquisa de cor e sobreposição pictórica através da xilogravura. Desde 2008, coordena o Ateliê de Artes no Instituto Acaia na Vila Leopoldina em São Paulo.
Exposições individuais
2016
– “Yamatãma – o antitrauma”, Galeria Marília Razuk, São Paulo, SP
2015
– “A Concha Eloquente do Coração”, SESC Carmo, São Paulo, SP
2014
– “Bisso – ausência do negro”, Galeria Marília Razuk, São Paulo, SP
2013
– “A Concha Eloquente do Coração”, Centro Universitário Maria Antônia, São Paulo, SP
– “Várzea”, Mercedes Viegas Arte Contemporânea, Rio de Janeiro, RJ
– “Ensaios de Luz X Narrativas Gravadas”, Projeto parede SESC Palladium, Belo Horizonte, MG
2012
– “Traumas, metáforas e suspensão”, Galeria Transversal, São Paulo, SP
– “Estuário”, Casa SESC/FLIP Paraty, RJ
2011
– “Estuário – Xilogravuras Entre a Serra e o Mar”, Pinacoteca Benedicto Calixto, Santos, SP
– “Estuário – Xilogravuras Entre a Serra e o Mar”, Galeria Gravura Brasileira, São Paulo, SP
2010
– “Aproximações: Xilogravuras de Fabricio Lopez e J. Miguel”, Galeria Estação, São Paulo, SP
– “Xilogravuras e Pinturas de Fabricio Lopez”, Galeria Mercedes Viegas, Rio de Janeiro, RJ
2009
– “Valongo – Xilogravuras de Fabricio Lopez”, Estação Pinacoteca, São Paulo, SP
2008
– “Valongo”, Galeria Baró Cruz, São Paulo, SP
– “Canoa De Ingá”, Galeria Cinesol, São Paulo, SP
2005
– Museu Rudolph Duguay, Quebec, Canadá
2004
– “Prêmio Aquisição Pinacoteca Da Cidade”, Programa De Exposições Centro Cultural S. Paulo, SP
2002
– “Carvão”, Teatro Lauro Gomes, Rudge Ramos, SBC
Exposições coletivas
2015
– “Uma Coleção Particular”, Arte Contemporânea no Acervo Da Pinacoteca Do Estado De São Paulo, SP
– “Singularidades/Anotações”, Rumos Artes Visuais 1998-2013. Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ
2014
– “Singularidades/Anotações”, Rumos Artes Visuais 1998-2013, Itaú Cultural, São Paulo, SP
– “Contemporary Brazilian Printmaking”, IPCNY, Nova York, Estados Unidos
– “Cidade Mundo Plástico”, Divisão de Artes Plásticas UEL, Londrina, PR
2013
– “Gravura em 3 Atos – Claudio Mubarac, Elisa Bracher e Fabricio Lopez”, Galeria Transversal, São Paulo, SP
2012
– Weya 2012, Bonington Gallery Nottingham Trent University, Reino Unido
– “Gravura Brasileira”, Acervo Pinacoteca do Estado De São Paulo, Estação Pinacoteca, São Paulo, SP
– “Sentido – Matrizes De Gravura”, Centro Cultural São Paulo, SP
2011
– III Mostra Centro Cultural S. Paulo, artista convidado programa de Exposições
2011
– “Gravure Extrême / Europalia Brésil”, Bruxelas, Bélgica
– “Coletiva Recorte Transversal”, Galeria Transversal, São Paulo, SP
– “The Dirty And The Bad – From São Paulo To Svendborg”, Svendborg, Dinamarca
– “About Change”, World Bank Art Program, Washington, Estados Unidos
– “Issotudoégrupo”, Estúdio Valongo” Santos, SP
2010
– V Bienal De Gravura De Santo André, SP
– “Travesía”, Centro De Cultura Winfredo Lam, Havana, Cuba
– “Imagens Impressas”, Sesc Santos, SP
– Estúdio Valongo, Santos, SP
2009
– “Olhares Cruzados sobre a Natureza da Gravura Francesa e Brasileira”, Belém, PA
– “Trilhas do Desejo”, Rumos Itaú Cultural, Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ
– “Fluidez e Simultaneidade, Rumos Itaú Cultural, MAM-BA, Salvador, BA
– “Obsolecências, Rumos Itaú Cultural, Casa Andrade Muricy, Curitiba, PR
– “Trilhas do Desejo”, Rumos Itaú Cultural, São Paulo, SP
2008
– “Four Brazilian Printmakers” Mominoki Gallery, Tóquio, Japão
– “Grafica Brasileña”, Instituto De Artes Gráficas de Oaxaca, México
– “Poéticas Da Natureza”, MAC USP, SP
– “Brazilian Contemporary Printmakers”, Hillyer Art Space, Washington, Estados Unidos
– Aquisições Recentes da Pinacoteca Do Estado, Estação Pinacoteca, São Paulo, SP
2007
– “Oniforma”, Centro Cultural S. Paulo, SP
– “Pratt Institute e Gravura Brasileira”, Nova York, Estados Unidos
– “Armando Sobral, Ernesto Bonato, Fabricio Lopez e Ulysses Boscolo – Gravura Brasileira”, Galerie Engramme, Quebec, Canadá
– “Incisão”, CCBNB, Cariri, CE
– “Projeto Tripé”, Sesc Pompéia, São Paulo, SP
2006
– 2O Bienal Internacional Ceará De Gravura, Museu Dragão do Mar, Fortaleza, CE
– “E – Anderson Rei E Fabricio Lopez”, Editora Annablume, São Paulo, SP
– “Projet Noir & Blanc”, Sesc Pompéia, São Paulo, SP
– “Gueule Du Bois”, Gravura Brasileira, São Paulo, SP
– “Gráfica Contemporânea”, CCBEU, Belém, PA
– “Metafísica Dos Planos – Mario Gruber”, Memorial Da América Latina, São Paulo, SP
– X Bienal De Santos, 1º Prêmio Aquisição
– “Cúpula”, Oficina Da Luz, São Paulo, SP
2005
– III Bienal De Gravura da Paraíba
– III Bienal De Gravura de Santo André
– “Novas Gravuras”, Cité Internationale Des Arts, Paris, França
– XIII Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira, Portugal
– Aquisições Da Pinacoteca Municipal, Centro Cultural S. Paulo, São Paulo, SP
– Programa De Exposições, MARP, Ribeirão Preto, SP
2004
Arte Contemporânea No Acervo Municipal – Centro Cultural S. Paulo
I Salão Aberto
Galeria Tapa – Ribeirão Preto
Ação Poética Blumenau – Fundação Alice Seiler
Projeto Lambe Lambe – Usp Ribeirão Preto
Programa De Exposições Centro Cultural S.paulo
La Collecte – Gravura Brasileira / Atelier Presse Papier – Quebec/Ca
2003
– II Bienal De Gravura de Santo André, Prêmio Cidade de Santo André
– “Múltiplos”, Galeria da Unama, Belém, PA
– “Projeto Lambe-Lambe”, Atelier Piratininga e Espaço Coringa, São Paulo, SP
– “A Gravura Vai Bem, Obrigado!”, Galeria Virgílio, São Paulo, SP
Acervos públicos e museus
– Museu de Arte do Rio De Janeiro (MAR), Rio de Janeiro, RJ
– 1º Prêmio Obras Em Papel Programa De Aquisições Do Itamaraty, Ministério Das Relações Exteriores, Brasília, DF
– Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), São Paulo, SP
– Acervo Sesc Belenzinho, São Paulo, SP
– Museu de Arte Contemporânea Dragão do Mar, Fortaleza, CE
– 1º Prêmio X Bienal De Santos, Secretaria de Cultura de Santos, SP
– Prêmio Aquisição do Programa de Exposições CCSP, Pinacoteca da Cidade de São Paulo, SP
– Pinacoteca do Estado de São Paulo, SP
– Prêmio Cidade de Santo André / Bienal De Gravura, Casa Do Olhar, Prefeitura De Santo André, SP
Residências artísticas
2015
– Prêmio Arthur Luiz Piza, Paris, França
2010
– Rumos Itaú Cultural, CRAC, Valparaíso, Chile
2007
– Atelier Engramme, Quebec, Canadá
2005
– Atelier Amarelo, Secretaria do Estado da Cultura, São Paulo
Vídeo produzido pela Matrioska, exclusivamente para o Prêmio PIPA 2010:
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