(ultima atualização em julho/2017)
Rio de Janeiro, RJ, 1968.
Vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ.
Indicada ao Prêmio PIPA 2017.
Eleonora Fabião é uma artista que realiza ações. Desde 2008 performa nas ruas. Se interessa por poéticas e éticas do estranho, do encontro e do precário. Trabalha com matérias diversas: humanas e não-humanas, visíveis e invisíveis, leves e pesadas, estético-políticas.
É professora da Pós-Graduação em Artes da Cena (coordenadora da linha de pesquisa Experimentações da Cena: Formação Artística) e do Curso de Direção Teatral, Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Doutora em Estudos da Performance (New York University), Mestre em Estudos da Performance (New York University) e Mestre em História Social da Cultura (PUC-RJ).
Site: www.eleonorafabiao.com.br
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes, exclusivamente para o Prêmio PIPA 2017:
Eleonora Fabião é uma artista que realiza ações. Desde 2008 performa nas ruas. Se interessa por poéticas e éticas do estranho, do encontro e do precário. Trabalha com matérias diversas: humanas e não-humanas, visíveis e invisíveis, leves e pesadas, estético-políticas. Trabalha com perguntas: que ações geram as cidades em que queremos viver? O que somar ao nosso mundo hoje? Que atos? Que imagens? Que imaginários? Que modos relacionais? Que modos de produção? O trabalho se pergunta e nos pergunta: o que queremos que arte seja e o que queremos que arte mova hoje?
É professora da Pós-Graduação em Artes da Cena (coordenadora da linha de pesquisa Experimentações da Cena: Formação Artística) e do Curso de Direção Teatral, Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Doutora em Estudos da Performance (New York University), Mestre em Estudos da Performance (New York University) e Mestre em História Social da Cultura (PUC-RJ).
Fabião realiza ações em ruas, exposições, publicações, falas e workshops no Brasil e no exterior (Alemanha, Noruega, Suécia, França, Inglaterra, Espanha, Portugal, EUA, Canadá, Colômbia, Peru, Cuba, Argentina e Emirados Árabes). Ações realizadas – com desconhecidos nas ruas, em suas casas ou com grupos de colaboradores convidados – incluem:
“Prismatics” (Nova York 2016), “MOVIMENTO HO” (Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro 2016; curadoria: Izabela Pucu e Tania Rivera), “azul azul azul e azul” (Exposição “Das Virgens em Cardumes e a Cor das Auras”, Museu Bispo do Rosário, Rio de Janeiro 2016; curadoria: Daniela Labra), “Things That Must Be Done Series/Wall Street Actions” (Performa Biannual Residency, Nova York 2015; curadoria: Adrienne Edwards); “Ações Andreenses” (Exposição A Experiência da Arte, SESC Santo André 2015; curadoria: Evandro Salles); “no meio da noite tinha um arco-íris, no meio do arco-íris tem uma noite” (Rio de Janeiro 2015); “Não compro lata velha” (Rio de Janeiro 2014-15); “Brasil…” (Rio de Janeiro 2014-15); Série “Precários” (IX Encontro do Instituto Hemisférico de Performance e Política, Montreal 2014); Série “Precários” (Rio de Janeiro 2012-13); “Manchas” (Rio de Janeiro 2013); “Quase Nada, Sempre Tudo” (Rio de Janeiro 2012-13); Ações Rio-Pretenses (FIT São José do Rio Preto 2012); “Line Piece New York” (ruas e residências, Nova York 2010-11), “Ações Fortalezenses” (Bienal Internacional de Dança do Ceará de Par em Par, Fortaleza 2010); “Acciones Bogotanas” (VII Encontro do Instituto Hemisférico de Performance e Política, Bogotá 2009); “Berliner Actions” (In Transit Festival’s Artist LAB, Berlin 2008); “Ações Cariocas” (Rio de Janeiro 2008).
Em 2011, Fabião recebeu o prêmio Funarte Artes na Rua para desenvolver o projeto “25 Postais para o Rio”, um trabalho de arte de correio. Em 2014, recebeu o apoio do Programa Rumos Itaú Cultural para desenvolver o “Projeto Mundano”, uma série de ações de rua e a elaboração do livro AÇÕES – também com versão em inglês, ACTIONS (Rio de Janeiro: Tamanduá Arte, 2015). Coeditado com André Lepecki e distribuído gratuitamente, AÇÕES apresenta extenso material fotográfico e escritos da performer além de textos inéditos de Barbara Browning, Pablo Assumpção B. Costa, Adrian Heathfield, André Lepecki, Felipe Ribeiro, Tania Rivera e Diana Taylor. Foram realizadas ações de lançamento do livro em 7 cidades onde exemplares foram dados aos presentes: São Paulo (Mostra Rumos Itaú Cultural, 2015), Nova York (Performa Biannual, 2015), Rio de Janeiro (Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, 2015), Stockholm (Stockholm University of the Arts, 2016), Oslo (Oslo Pilot, 2016), Belo Horizonte (Sede do Grupo Espanca!, 2016) e Madrid (Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2016). A publicação foi enviada para cerca de 200 bibliotecas e espaços públicos de leitura em 22 estados brasileiros, Distrito Federal e mais 6 países. A lista de endereços pode ser encontrada em: http://www.eleonorafabiao.com.br/
Em 2010 foi fellow e atualmente é membro do conselho do Instituto Hemisférico de Performance e Política (Nova York). Entre 2010 e 2012, foi pesquisadora de Performance Latino Americana no projeto “Re.act.feminism: a performing archive” baseado em Berlin (curadoria: Bettina Knaup e Beatrice E. Stammer).
Fabião realiza suas atividades – performar, pesquisar, escrever e ensinar – de modo integrado e compreende todas como dimensões de sua prática artística. Considera escrever uma das experiências psicofísicas mais impressionantes que conhece, experimenta a sala de aula como um espaço performativo privilegiado, vivencia as ações nas ruas como formas únicas de conhecimento e de pensamento, e compreende conceitos e teorias como fontes de energia para seguir investigando e inventando cidade, arte, universidade e escrita.
SÉRIE COISAS QUE PRECISAM SER FEITAS [SCQPSF] é um projeto concebido pela performer brasileira Eleonora Fabião durante residência na Bienal Performa 15 (Nova York, 2015). Parte do trabalho foi desenvolvido na Wall Street: as cinco “WALL STREET ACTIONS”. Essas ações foram realizada com a colaboração de: André Lepecki, Bettina Knaup, Cecilia Roos, Felipe Ribeiro, Frances Cooper, Irene Hultman, Krystalla Pearce, Liz Heard, Pablo Assumpção B. Costa, Sebastián Calderón Bentin e Viniciús Arneiro.
Proposta:
Quando fui convidada para ser artista em residência na Performa 15, a curadora, Adrienne Edwards, me estimulou a continuar experimentando em Nova York um processo recém iniciado nas ruas do Rio de Janeiro. Depois de muitos anos realizando ações que ativava sozinha ou em duo nas ruas, práticas que acabavam sempre envolvendo muitas pessoas, comecei a conceber ações para serem performadas, de saída, por grupos. Na primeira delas – “no meio da noite tinha um arco-íris, no meio do arco-íris tem uma noite” – éramos 10 pessoas caminhamos pela noite do Rio carregando 7 longas varas de bambu com 7 lâmpadas de tungstênio coloridas atadas às pontas, todas ligadas por 45m de fio a um reversor que, por sua vez, estava conectado a uma bateria de caminhão puxada num carrinho de feira. Durante a Performa 15, continuaremos experimentando com ações coletivas, longas linhas de bambu e nuvens de cor; continuaremos relacionando geometria e organicidade no espaço urbano; continuaremos investigando a potencialidade estética e política de agrupamentos radicalmente precários. A área escolhida para as ações em Nova York é o Financial District, especificamente os 8 blocos da Wall Street e adjacências.
Programa:
WALL STREET ACTION #1: asphalt snake (AÇÃO WALL STREET #1: cobra de asfalto)
dia 1 do mês 11
Mover uma cobra de asfalto pelas imediações da bolsa de valores da capital do capital às 11h da manhã e às 11 da noite. Essa cobra muda de rabo e de cabeça permanentemente e, por vezes, perde o rabo e a cabeça. Essa criatura do asfalto é uma articulação de 7 varas de bambu paralelas ao chão – 4,3m cada, 30,1m no total – e um grupo de pessoas. As pessoas, colaboradores e passantes, se deslocam segurando os bambus pelas pontas, passando os bambus adiante e os recebendo de volta, movendo-se ao longo do movimento, acompanhando de perto ou de longe, alternando entre essas possibilidades.
WALL STREET ACTION #2: clothesline (AÇÃO WALL STREET #2: varal)
dia 2 do mês 11
meio-dia – sol no meio do céu
Conectar as 7 varas de bambu pelo topo com uma linha fina de algodão de 12m. O formato final é o de um varal. Amarrar ao longo da linha dezenas e dezenas de tiras de fita metaloide prateadas e douradas como numa rabiola de pipa. Quando o sol chegar exatamente no meio do céu, caminhar pela Wall Street. Fazer brilhar.
WALL STREET ACTION #3: almost monochromatic (AÇÃO WALL STREET #3: quase monocromático)
dia 3 do mês 11
pôr-do-sol – de uma hora antes do sol tocar o horizonte até uma hora depois do sol ter tocado o horizonte
Atar 7 lâmpadas de tungstênio no alto dos bambus. Todas são da mesma cor (diferentes tons de rosa), exceto uma (amarela). Todas estão ligadas por 45m de fio a um reversor que, por sua vez,
está conectado a uma bateria arrastada num carrinho de carga. Juntos: cruzar o poente e adentrar a noite.
WALL STREET ACTION #4: Rothko’s pallet (AÇÃO WALL STREET #4: paleta do Rothko)
dia 4 do mês 11
nascer-do-sol – de uma hora antes do sol tocar o horizonte até uma hora depois do sol ter tocado o horizonte
Revestir os 7 bambus com lycra colorida deixando a base descoberta. O tom de cada cor, a quantidade de cada cor e a sequência de cores são definidos a partir de 7 pinturas de Mark Rothko (cada linha de bambu corresponde a um quadro do pintor). Caminhar só com o bambu. Caminhar em grupo. Ver o despertar das cores.
WALL STREET ACTION #5: in the middle of the night there was a rainbow, in the middle of the rainbow there is a night (AÇÃO WALL STREET #5: no meio da noite tinha um arco-íris, no meio do arco-íris tem uma noite)
dia 5 do mês 11
meia-noite – sol no meio do céu do lado de lá
Fazer um arco-íris brilhar na noite.
Declaração da artista:
A Série Coisas Que Precisam Ser Feitas é uma injeção de matérias estranhas e modos incomuns de relação em espaços sociopolíticos carregados.
A Série Coisas Que Precisam Ser Feitas é uma espécie de acupuntura urbana.
A Série Coisas Que Precisam Ser Feitas é uma disputa explícita por espaços simbólicos e imaginários na arena pública.
A Série Coisas Que Precisam Ser Feitas é um tipo de poética política luminescente, iridescente, acesa.
A Série é realizada por um grupo de pessoas de diversas nacionalidades e idades (20s, 30s, 40s, 50s e 60s).
Ela é um experimento, nos arredores da bolsa de valores da capital do capital, sobre extensões corporais coletivas, instabilidade, negociação e encontro.
É uma experiência de tornar-se horizonte. Horizontes de possibilidades. Horizontes verticais. Coletivamente.
SCQPSF experimenta com variações de velocidade e fluxo num dos principais centros de circulação financeira do planeta.
As ações são agendadas de acordo com os movimentos do sol, de acordo com as aproximações e afastamentos do sol em relação a linha do horizonte.
As ações são arquitetadas de acordo com arranjos numerológicos muito específicos.
SCQPSF é cronopoética e cronopolítica. É também cronóptica.
SCQPSF é uma meditação sobre abstracionismo e concretude, bruxaria e arte, capitalismo e obscurantismo, bruxaria e capitalismo.
SCQPSF performa, abertamente, uma luta entre lucro e gratuidade, eficiência- eficácia-efetividade e experimentação, estandardização e imaginação política, normatividade e vitalidade.
Queremos arte se movendo 4 metros acima das nossas cabeças.
Queremos ver raro brilhar.
– Eleonora Fabião, outubro de 2015.
MOVIMENTO HO
uma ação concebida por Eleonora Fabião
curadoras: Izabela Pucu e Tania Rivera
colaboradores: André Telles, Elilson, Felipe Ribeiro, Maria Acselrad, Mariah Valeiras e Viniciús Arneiro
de 31 de outubro a 6 de novembro de 2016
Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, Rio de Janeiro – galerias do andar térreo
Programa:
Ocupar com 4.700 tijolos, 3 livros e 7 pessoas parte do andar térreo e arredores do Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica por 7 dias corridos. Desligar a energia elétrica, pintar uma das paredes de amarelo 100% e abrir janelas e portas. De segunda a domingo fazer e desfazer composições, formar e desformar espaços, mover e ser movido. Aceitar ajuda de quem quiser ajudar. Construir, seguir construindo, seguir aprendendo a construir. Na metade da semana abrir uma roda de conversa. No último dia transportar tijolos e livros para a Casa das Mulheres da Maré, um projeto da Redes de Desenvolvimento da Maré. Os tijolos se transformarão no quarto andar e na laje da Casa; os livros farão parte da biblioteca.
O QUE MOVE O MOVIMENTO HO?
O MOVIMENTO HO é uma ação concebida por uma performer que trabalha prioritariamente nas ruas. O movimento começa num espaço expositivo tradicional mas age no influxo da tradição disruptiva da arte da performance. Ele começa movimentando um espaço de arte e seus arredores, para então se transformar em material de construção de um espaço de movimento comunitário na cidade – a Casa das Mulheres da Maré.
O MOVIMENTO HO se pergunta e nos pergunta: O que é objeto artístico? Ou antes, o que é objeto? E mais, o que é obra de arte? Ou ainda, o que queremos que arte seja? Ou mais ainda, o que queremos que arte mova?
O MOVIMENTO HO se pergunta e nos pergunta: que atos constroem a cidade em que queremos viver e que atos destroem a cidade em que queremos viver?
O MOVIMENTO HO se pergunta e nos pergunta: “o que é uma coisa bela?”
O MOVIMENTO HO começa no primeiro dia útil da semana – na segunda-feira dia 31 de outubro de 2016 imediatamente após a eleição do novo prefeito da cidade – movido por uma “vontade construtiva geral”; é uma ação coletiva que propõe a indissociabilidade entre o ato de construir e a ética da aprendizagem permanente.
O MOVIMENTO HO se chama assim porque acontece num espaço cultural que homenageia Hélio Oiticica. E também faz homenagem. Pois fato é que para além da obra extraordinária, de cada fase e da trajetória como um todo, Hélio Oiticica fez movimento. Extraordinário movimento de “experimentar o experimental” que reverbera até aqui, até agora, tamanha a potência e a inteligência da coisa toda. Tamanha a energética conceitual, corporal e social da cosmocoisa que segue se desdobrando prismática, política e sensória.
O MOVIMENTO HO é uma jornada de 7 dias; um processo de construção material e imaterial, objetivo e subjetivo, airado e pesado, visível e invisível, geométrico e orgânico, corporal e suarento, poético e político. É espacial, mental, espiritual, social, ou seja, muito corporal.
O MOVIMENTO HO é um espaço de encontro. Além do grupo de 7 pessoas em ação permanente, colaboram todos os que quiserem colaborar.
Ao MOVIMENTO HO interessa desconstruir cuidadosamente a hierarquia entre sujeitos e objetos – posto que os sujeitos, na grande maioria das vezes, são tidos como senhores absolutos de objetos e promotores de ações. Na busca por maior horizontalidade, dinamismo e reciprocidade, o MOVIMENTO HO chama sujeitos e objetos de agentes. Todos os agentes envolvidos – cada qual em sua singularidade e compondo articuladamente a singularidade do conjunto – formam uma teia de relações “intra-ativas” que se constituem mutuamente.
No MOVIMENTO HO tijolo move gente que move tijolo que move gente que move livro que move tijolo que move tijolo que move gente que move gente que move. Há algo de alguma dança nisso. E quem dança é o espaço.
MOVIMENTO HO é um experimento sobre corpos coletivos.
MOVIMENTO HO é uma disputa explícita por espaços imaginários e simbólicos na arena pública.
MOVIMENTO HO performa aberta, coletiva e corporalmente uma luta em favor de experimentação e de imaginação política.
MOVIMENTO HO é uma meditação sobre abstracionismo e concretude, materialismo e encantamento, ausência de cimento e presença de espírito.
MOVIMENTO HO quer todos os encantamentos.
Encantamento: material definitivo e derradeiro.
– Eleonora Fabião, outubro de 2016.
Excertos do livro AÇÕES Eleonora Fabião – Rio de Janeiro: Tamanduá Arte, 2015.
“Eleonora e o corpo performativo: poéticas do ato, materialidades do encontro”
Pablo Assumpção B. Costa
É preciso agir, diz Mikhail Bakhtin. É preciso pensar e é preciso agir. Em livros como Toward a philosophy of the act (2003) e Art and answerability (1990), Bakhtin entende a atividade estética como ato ético diante do mundo, em rígida oposição à concepção da arte como expressão psicológica de um mundo supostamente interior do artista. Para Bakhtin, não há álibi para a existência, isto é, não é possível negar o fato de que assumimos um lugar único no mundo, de onde somos convocados eticamente a responder a esse mundo. Em outras palavras, não é possível dizer “não, eu não estava lá”, pois é precisamente o fato de “estar lá” que nos permite inclusive dizer qualquer coisa. Porque existimos e somos particulares, não somos dados ao luxo de sermos indiferentes. Ao contrário, temos uma responsabilidade de responder à existência, e essa “respondibilidade” se articula precisamente em atos (pensamentos-atos, movimentos-atos, criações-atos). Em Bakhtin, portanto, ser é agir. A minha singularidade como sujeito social é definida justamente pelas condições de possibilidade para o pensamento e para a criação.
Diante do nosso mundo, Eleonora age. Ela leva as cadeiras de sua casa para a rua e senta para conversar com estranhos. Ela troca tudo que usa sobre o corpo por peças e objetos que pertenciam a outros sujeitos. Ela leva os pedestres para passear de olhos vendados pelas ruas. Ela fecha os próprios olhos e faz percursos pela cidade na cegueira, tocando tudo e todos que lhe cruzam o caminho. Ela faz massagem em pessoas no chão do espaço público. Ela caminha pela rua com o corpo totalmente ensacado. Ela faz polimento no calçamento da praça em forma de linha reta. Ela move água de um jarro de barro para outro de prata até a evaporação completa do líquido. Ela caminha na cidade com um longo arame amarrado à testa de onde balança uma cédula de dinheiro que sua mão não consegue alcançar. Ela passa horas compondo e descompondo formas com nove lençóis em praça pública. Ela repete essa ação com 25 tijolos. Ou com pedaços de carvão. Ela caminha no meio da multidão levando um copo d’água completamente cheio. Ela circula numa kombi e convida pelo alto-falante moradores a aproximarem-se de suas janelas para escutar palavras. Ela se esfrega em muros para fazer pichação com guache. Ela visita pessoas que não conhece e propõe que façam algo juntos na cidade. (p. 261-262)
[…]
A artista se coloca no espaço público em estado de ampla receptividade, mas não como tela branca na qual o espectador faz o que bem entende. Não se trata de um corpo que se martiriza, ainda que os desafios lançados a ele sejam às vezes exaustivos. O corpo performativo de Eleonora é, em uma palavra, propositivo. Ele corporaliza uma dramaturgia que é elaborada de antemão: passar água de um jarro para outro até a evaporação completa do líquido, ou fazer um percurso na cidade de olhos fechados. Em ambos os casos, aceitar ajuda de desconhecidos; o que, a rigor, significa necessitar da ajuda de desconhecidos. Ou seja, a intervenção lançada a si mesma resvala para o outro. Dramaturgicamente, Eleonora precisa do outro para suplementar seu ato – para suplementá-la como ato. A sua poética se estrutura como materialização do encontro: a respondibilidade de Eleonora ativa a respondibilidade do outro e é esse angulamento cruzado que compõe uma dobra estética no/do espaço público. (p. 263)
[…]
A mídia de sua obra é, portanto, não mais o corpo em sentido estrito, mas o socius que ele provisoriamente facilita e materializa, isto é, o diálogo que coimplica sujeitos e mundos em relação. Transformando a “relação social” e o “encontro” em mediação de seu discurso poético, Eleonora de fato propõe uma configuração de corpo diferente para a arte de performance. Menos espetacular, mais receptivo, o corpo performativo torna-se ao mesmo tempo ato responsivo e ato propositivo. Assim, Eleonora dá conformação matérica e intensiva à desmaterialização da obra de arte iniciada no século XX por meio de processos sociais cotidianos desencadeados por seu corpo/ato, tais como uma conversa fiada no banco da praça, uma negociação de valores e de trocas, um passeio pelo bairro, uma acusação de bruxaria. Como antídoto a um possível discurso da performance como representação e vanglorização do ego, Eleonora e Bakhtin nos convidam a pensar a obra performativa como acontecimento eminentemente social, ainda que irrefutavelmente estético. (p. 267)
In: “Por uma ética do estranho”
Tania Rivera
O trabalho mais emblemático de Fabião talvez seja aquele que se chama justa- mente Linha e vem se realizando desde 2010. A artista pediu a uma conhecida para marcar um encontro com alguém que ela não conhecesse e lhe fornecesse apenas data, horário e local. Sem saber nem mesmo o nome da pessoa que a receberia em sua casa, Fabião levava café, chá e açúcar brasileiros (ela residia em Nova Iorque, naquele momento). Durante o encontro a artista e essa pessoa deveriam descobrir/criar uma ação que ambas quisessem realizar juntas. O segundo encontro seria então fixado, e antes dele seriam tomadas as providências necessárias para o trabalho planejado. Uma vez executada a ação, o colaborador seria solicitado a escolher um conhecido seu e marcar com ele novo encontro para a artista – de modo que a linha vá se traçando de uma a outra pessoa, de um a outro ponto no espaço e no tempo, em um ziguezague virtualmente infinito.
A motivação da artista não é fazer amizade com cada colaborador de Linha, mas formar um pacto que permita que duas pessoas cheguem a ações como mergulhar de mãos dadas nas águas geladas do rio Hudson ou “plantar” um pé de figo na barriga de uma delas, no deck do ferryboat que liga Manhattan a Staten Island. Desconfio, porém, que a ação nela mesma não seja o mais importante para Fabião. O estranho convite a conceber uma ação conjunta é a senha de abertura de um uni- verso habitualmente mantido em segredo e raramente compartilhado: aquele dos devaneios, das loucas fantasias de cada um. O projeto de ação é, assim, uma espécie de isca para chegar a outra coisa ainda mais importante: aquilo que Fabião chama “circulações afetivas”. Entre palavras e corpos, gestos e sonhos, elas levariam a uma passagem, a uma transformação: a um “passe”, como diz a artista. Algo passa e se transmite entre as pessoas em jogo, e é isso, justamente, que deve se materializar em uma ação conjunta e vivida como uma espécie de celebração de tal acontecimento. A performance se redefine, então, para Fabião, como um “passe performativo”.
A ideia de passe performativo retoma assim algo muito vasto e antigo que chamarei aqui – de forma um tanto prosaica – de encontro poético: aquilo a que a arte nos convida e que sempre envolve outros, mesmo quando não apresenta corporal- mente um outro específico. O que acontece, na arte (quando acontece, pois aí não há garantias, mas apenas convites, apostas e endereçamentos), implica sempre algum grau de compartilhamento: trata-se de algo que se dá entre nós, e que pode eventualmente acontecer fora da arte, quando a vida é arte em si mesma. Ao longo dos encontros de Linha, a artista percebeu que essa peça “proporciona modos de convívio peculiares, circulações afetivas inusitadas, desconfigurações e reconfigurações pessoais agilíssimas” e – sem dúvida, o mais importante – ela gera “uma forma de prazer única – algo que nunca havia experimentado antes” (como diz em uma fala intitulada “uma performance chamada Linha: encontros com o encontro”). A ação consiste em uma montagem complexa e ritualizada – uma partitura – que tenta engatar algo único: uma experiência afetiva e corpórea, um encontro desejante e estranhamente prazeroso.
Pode surpreender que tal encontro poético aconteça em tão pouco tempo de convivência quanto o proposto em Linha, sem que haja qualquer situação prévia de familiaridade. Mas pode ser que a agudez e a força do encontro dependam justamente de uma certa anonimidade e de uma heterotopia – talvez eu só possa verdadeiramente encontrar alguém fora de meus círculos habituais, destacado dos lugares onde eu e meus outros já têm posição definida. A arte assim delineia e reconfigura espaços-tempos singulares, abrindo janelas na cena cotidiana – e revirando nela o meu lugar.
Linha demonstra assim um fato fundamental, mas habitualmente recusado: precisamos de estranhos. O estranho não é aquele que vem perturbar o idílio do semelhante, mas aquele que é valorizado e ao mesmo tempo temido, porque tem o poder de romper as amarras de minha própria identidade e abrir-me para outra coisa – que, por falta de nome fixo, denominamos vagamente de poesia. (p. 294-296)
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