(ultima atualização em julho/2018)
Rio de Janeiro, RJ, 1975.
Vive e trabalha em São Paulo, SP.
Representada pela Athena Contemporânea e Galeria Bendana Pinel.
Indicada ao PIPA em 2010, 2011, 2015, 2016 e 2018.
Mestre em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicações e Artes – USP (2014). Estudou na EAV Parque Lage no Rio de Janeiro (1991 a 1993) e na Saint Martin School of Art em Londres/UK (1993). Leciona artes visuais na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) desde 2018. Foi artista residente da Cité Internationale dês Arts, Paris (2017); URRA Projects, Buenos Aires (2015); CC-Remisen, Brande/DK (2004); Museu de Arte da Pampulha, BH (2005); e MAMAM no Pátio, RE (2006). Seu trabalho é representado pelas galerias Athena Contemporânea (Rio de Janeiro) e Bendana-Pinel (Paris). Dentre as últimas exposições, destacam-se as individuais “No name, but names” (Drawing Lab – Paris, 2017); “Descaracter” galeria Jaqueline Martins (São Paulo, 2016); “Urbanismo geral” galeria Athena Contemporânea (Rio de janeiro, 2015), e as mostras coletivas “A spear a spike a point a nail a drip a drop the end of the tale” galeria Ellen de Brujine Projects (Amsterdam, 2016); “Condor Project” galeria The Sunday Painter (Londres, 2015); “Southern Panoramas – 19º Art Festival SESC Videobrasil” SESC Pompéia (São Paulo, 2015); “Tout Doit Disparaître” La Maudite (Paris, 2015).
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes exclusivamente para o Prêmio PIPA 2018:
Sobre os trabalhos:
– “Inutile d’ajouter”, 2017
Em português, inutile d’ajouter significa “inútil acrescentar”. É uma peça que comenta a indissociação entre a obra e o modo de mostrá-la. Tudo nela reforça a ideia de apresentação. A matéria performatiza uma composição geométrica ao mesmo tempo que veicula um trecho do Manifesto Surrealista de André Breton (1924). Neste trecho o poeta afirma que “à própria experiência, foram postos limites. Ela circula num gradeado onde é cada vez mais difícil fazê-la sair. Ela se apóia, também ela, na utilidade imediata, e é guardada pelo bom senso. A pretexto de civilização e de progresso banimos do espírito tudo que se pode tachar, com ou sem razão, de superstição, de quimera; a proscrever todo modo de busca da verdade, não conforme ao uso comum.” – nesta citação aparece o desejo de atualizar impasses artísticos e existenciais de outras épocas.
– “Sala lição de mímeses”, 2017
O impulso de espelhar-se nas coisas do mundo é algo inerente ao nosso modo de existir, mas talvez seja ainda mais caro aos artistas. Nesta obra, lousas verdes em formatos que remetem a espelhos são atravessadas, cada uma, por linhas desenhadas à giz. A sugestão é de que essas linhas sejam reflexos do espaço ao redor, mas a realidade não coincide com sua projeção. Esta disrupção entre o dentro e fora sugere, dentre outras coisas, que o espelho/objeto captou algo de outra dimensão.
– “No name, but names”, 2016
Instalação de desenhos sobre cartão parafinado expostos em carrinhos de ferro. O título da obra é um jogo entre a ideia de título como nome. Neste sentido conclama para o desejo de individuação dos objetos, e por conseguinte dos seres.
– “Hexagrama 11”, 2015
Esta obra incorpora a sinalização de trânsito na criação de um hexagrama retirado de um dos livros mais antigos do mundo, o I-ching, o livro clássico das mutações. Utilizado como oráculo, este livro oferece respostas a partir de imagens que se formam na combinação de linhas contínuas ou interrompidas. O uso da pista de rodagem como suporte para a fixação de uma imagem oracular potencializa a ideia de que a cidade é uma escritura.
A primeira configuração teve 18 desenhos e foi exibida em Nova Iorque, no contexto de um projeto solo em feira de arte. Sua formação regular fazia alusão às manifestações em marcha. A segunda, com 32 desenhos, foi exposta em Paris e respondeu ao tipo de trânsito pedestre da cidade, à sensação de que tudo vê e é visto. Daí a tentativa de criar um espelhamento entre público visitante e objetos de exposição.
– Vista da exposição “Dentro e fora, estante sobre pilotis e outras anotações de origem”, 2014
Ao obras desta exposição remetiam a um entrecruzamento entre paisagem e mobiliário. No centro da sala principal estava a peça intitulada “Escultura individual”- uma provocação afetuosa ao conceito de “Escultura social “ de Joseph Beuys. Nesta exposição dialoguei com alguns artistas e autores que me ajudaram a ver com mais clareza os rebatimentos entre os contextos sociais que experimentei e seus entrecruzamentos com a minha subjetividade.
– “Topos_somedrama”, 2014
O título e o material da obra remontam a lugar. Topos seria o lugar da fala. A obra é uma pergunta sobre sua própria possibilidade de permanência, sua forma alude a marcos e monumentos, mas sua condição é de vulnerabilidade ao tempo.
– “Betão à vista”, 2013
Peça feita para o Salão Nobre do Museu de Escultura Brasileira do arquiteto Paulo Mendes da Rocha. Lancei mão da moldura de isopor com argamassa para construir um possível lugar de encontro entre modelos tradicionalmente vistos como opostos, a arquitetura vernacular e a obra arquitetônica de autor.
– “Confete e arapuca”, 2006
A simples apresentação desses dois elementos lado a lado cria uma pequena cena. Para além da alegoria do carnaval do confete e do risco de captura pela arapuca, esta obra expõe uma operação de construção de sentido em que os elementos do discurso resistem a se fundir num único objeto.
– “Buffet de ficção”, 2002
Paródia de um canteiro de obras realizada como um coquetel de abertura para a exposição “Plano Copan”. Tijolos/pães, pés de moleque/pisos, geléia de mocotó/cerâmica, pasta de azeitona/argamassa, farelo de trigo/areia, batida de tamarindo/ água suja; estes eram os ingredientes básicos deste trabalho que foi consumido pelo público. A forma tomada pelos ingredientes fazia alusão aos materiais que vinham se tornando comuns no meu discurso plástico, marcado por elementos da arquitetura doméstica. Oferecê-lo como alimento era tanto um gesto lúdico quanto perverso no sentido de um consumo sem volta.
– “Buraco n1”, 1999
Buraco realizado em calçadas cujo interior é visto de forma aumentada através de uma lente biconvexa que o encerra. Para ter acesso à obra, os transeuntes devem interromper seu percurso e se deter agachando para olhar algo abaixo do solo. Isso faz com que uma obra de espaço público exija, ao mesmo tempo, uma relação de 1:1 em sua apreciação. Como em outras obras realizadas posteriormente, há aqui o desejo de reforçar a singularização da relação que temos com as coisas.
“Debora Bolsoni – Pra Aquietar” A noite é a brincadeira do dia Num texto da artista intitulado “Pique estátua” em referência à brincadeira infantil também conhecida como “estátua”, Bolsoni descreve “uma cena interrompida em que os objetos, como se fossem corpos munidos de movimento, foram surpreendidos antes de chegarem a seus devidos lugares, ou ainda, antes de chegarem ao lugar para onde se dirigiam”. Enquanto isso acontece, “a artista, à espreita, numa distração medida, deixa que os materiais lhe fujam do controle para poder então surpreendê-los, fazer um corte brusco e inesperado, como que para colher uma amostra do tempo para estudo e análise.” Na brincadeira à qual se refere Bolsoni, o movimento é tão esencial quanto a quietude. O ganhador é aquele que evita ser visto em movimento, mas que, no entanto, se movimenta (“eppur si muove” que diria Galileu num sussurro diante do tribunal da inquisição que lhe julgava). Quem antes chega é, paradoxalmente, quem fica mais quieto… quem mais se mexe é quem menos se mexe? Estas ideias podem resultar contraditórias, más elas são recurrentes na metafísica desde antes de Aristoteles, através do qual tem-nós chegado a ideia de “motor imóvel”. O motor imóvel é, em essência, o ato puro: “o que movimenta sem ser movimentado”. Trata-se de uma especie de deus amoral e sem nenhuma caraterística antropomorfa. O motor imóvel é a primeira causa, mas não é o criador das coisas, nem mexe nelas com um senso de causalidade dirigida. Este deus aristotelico atrai as coisas colocando-es em movimento do mesmo jeito em que o amado mobiliza ao amante; por meio de uma atração ou força. Não trata-se, por tanto, de uma operação de natureza mecánica, a pesar do que a palavra “motor” possa evocar hoje em dia. No motor imóvel não tem potência, só ato; mas nele o ato não implica movimento. Ao contrario: o motor imóvel só pode ser a causa primeira de tudo porque não se movimenta[1]. É as obras de Bolsoni, aquelas que interrompemos com nossa entrada em cena? Para onde elas vão? O que movimenta elas? E se elas não fossem para nenhum lugar? As obras insinuam trajetórias em potencia, parecem aquietar-se, deter-se, congelar-se quanto olhamos para elas. Mas não será o contrario? É se elas não contivessem a potência de uma trajetória? E se fossem ato puro? Eis o motivo pelo qual estas obras sempre ganham: porque elas não estão brincando ao jogo que elas aparentam brincar. Elas já chegaram ao seu destino porque não iam para nenhum lugar. Como diz Bolsoni nesse mesmo texto que comecei citando “o corte na linha do tempo é apenas uma tática de busca de permanência. Uma tentativa de entrever, na suspensão dos atos, alguma essência inesgotável.” Como nas paradinhas da música de Luiz Melodia que da titulo à exposição, estes cortes no tempo são, na verdade, a chave de qualquer movimento, sua essência inesgotável. A força que gera movimento por força de um fluxo magnético, uma atração. Como a Ilha de Paqueta, imóvel no tempo, atraindo Sonia Braga até ela, dirigindo seus passos. Ou como a famosa “zona proibida” do filme de Tarkovsky atraindo os “stalkers” até sua, sempre impenetrável, zona de influencia. Não são referências da artista à toa. Ondas, cobras em cubos, caminhos, palavras, rodas, carrinhos… já percebemos que as obras de Bolsoni refletem sobre a natureza do movimento, mas talvez o que se mexe não são as obras e sim a gente, firme e vagarosamente orbitando ao redor delas. [1] “Com efeito, o princípio e o primeiro dos seres é imóvel tanto em si mesmo quanto acidentalmente, mas produz o movimento primeiro eterno e único. E, posto que todo movido é, necessariamente, movido por algo, o primeiro motor é necessariamente imóvel em si” (Aristóteles, Metafísica, livro 12) “Modo de Apresentação” Grande parte do trabalho de Débora Bolsoni surge da investigação sobre estratégias de exibição. Os dispositivos que ela elabora, sejam estantes, carrinhos ou painéis, são ao mesmo tempo suportes para mostrar a obra e também a própria obra. É curioso perceber um parentesco entre o modo como Débora Bolsoni e muitos curadores pensam. Ambos estão interessado na expografia e em tudo que diz respeito ao ambiente e ao mobiliário usado numa mostra. Sem dúvida o modo como um trabalho é exposto passou a ser tão importante quanto o que está sendo exposto. Para a artista não há uma separação entre “o que” e “como” o trabalho se apresenta para o público. Suas peças condensam esse duplo aspecto de estarem sob o olhar do visitante e, ao mesmo tempo, se camuflarem, como se estivessem lá para serem dispositivos de exibição de outras peças. Os objetos que estariam na estante constituem a estrutura que a sustenta, tal como uma estante de livros feita de livros. Mas os livros da artista são de azulejos, e por isso se confundem com uma parede. Os trabalhos de Débora Bolsoni possuem um tempo de maturação expandido. Eles ficam no ateliê, parados, sendo vistos e revistos pela artista durante anos. Além disso, há um deslocamento de alguns materiais que ela usa em relação ao seu próprio tempo. Não por acaso os livros feitos de revestimento cerâmico são garimpados em cemitérios de azulejos que guardam exemplares remanescentes, placas com padrões fora de linha, descartados pela indústria da construção civil e fora de moda por um certo gosto médio. Não só os materiais perduram em sua poética. Algumas formas são exibidas e depois reaparecem em nova configuração, tanto retomando seu sentido inicial quanto se ampliando. É o caso de Splash, que já foi mostrado como um calendário em papel rosado e que se tornou uma grade, uma espécie de portão, um fragmento da cidade que faz a mediação entre o espaço público e o privado. O padrão do gradil tem algo de doméstico, mas não deixa de ser um instrumento de segregação. As grades e lanças são signos recorrentes na trajetória de Debora Bolsoni. Elas já foram elementos autônomos e agora reaparecem nas estantes. As grades guardam tanto um apelo por segurança, evocando o enclausuramento da vida social, como também padrões e desenhos bastante sutis. Justaposto numa malha de metal, o formato splash, proveniente de anúncios publicitários, é um elemento vazado, um suporte para uma oferta ou aviso que costuma estar ali. A forma é feita para chamar atenção em liquidações do comércio. Produtos e cifras são o que geralmente preenchem esse oco contornado com linha em zig zag vibrante. No universo das histórias em quadrinhos seria como um balão contornado por triângulos pontiagudos que indicam uma explosão ou que representa um grito. Mas antes de tudo eles são aqui signos do consumo, um emblema, tema caro para a artista, do modo como nos relacionamos com as mercadorias. A peça central da mostra é uma alusão a uma figura simbólica, como os distintivos e insígnias usados para representar sociedades o instituições. Mas aqui, trata-se de uma tampa de bueiro tal como as encontradas na cidade, com um tecido que a encobre parcialmente, deixando apenas uma faixa vertical visível. Mas nessa espécie de brasão não há qualquer escrita ou elemento que possua tradução. A relação com o campo da heráldica é indireta. Há um certo enigma e opacidade no trabalho, ao mesmo tempo que uma abertura de sentidos. Um fragmento da cidade, deslocado de sua função original, é um modo de trazer para o espaço da galeria um signo da urbanidade. Mas nessa peça há também um tecido com detalhes delicados, bordas e dobras que geram formas triangulares que compõem um quadrilátero. Apesar do contraste entre o tecido, elemento mais íntimo e privado, com a brutalidade da tampa de metal, o trabalho se organiza como uma unidade indivisível. Figuras recorrentes na trajetória de Débora Bolsoni se transformam em estampas decalcadas em placas de cerâmica. Para serem fixadas, as placas retornaram ao forno. Desenhos da artista passam a dialogar com as estampas originais dos azulejos. Splash se transforma, por exemplo, numa espécie de selo. Esse conjunto de revestimentos cerâmicos estão disponíveis para serem consultados num carrinho de reposição, como numa feira de estampas, um showroom de materiais de construção. O que interessa para a artista é justamente aqueles elementos que escapam do projeto arquitetônico e que estão entre a decoração de interiores e um item básico da casa. Aquilo que o cliente escolhe num mostruário, seja tecido, estampa, móvel ou azulejo. A presente mostra, a primeira individual que Debora Bolsoni faz no Rio de Janeiro, é uma espécie de apresentação de seu vocabulário e repertório de formas. Uma introdução aos seus objetos indeterminados que aliam modos de apresentação com signos do consumo presentes na construção civil. “Verbo reduzido, nome suspenso” Um neologismo encerra os procedimentos recentes de Débora Bolsoni, alguns deles reunidos nesta mostra individual, outros tantos não, pois ainda em espera. O título “Descaráter” não dá nome a nenhuma das obras nem presta homenagem a versos do cancioneiro popular, muito embora pudesse fazê-lo. É sentimento que toma o peito, às vezes o estômago, e logo se esvai pelas mãos. Manifesta-se como intuição, vontade, busca e convívio generoso com o desconhecido. Tem forma abstrata e muitas vezes inexplicável, mas surge forte e urgente, não deixando dúvidas sobre o fazer. Entre o corpo da artista, a arquitetura e os outros corpos com que se relaciona para existir, a palavra e tudo o que dela é feito tornam-se manufaturas. Ausentes dos dicionários e devedoras da experiência sensível, despedem-se da linguagem como convenção à medida que a assumem como laboratório para tentativas, erros, vestígios e suposições. “Descaráter” parece já haver sido verbo, “descaracterizar”. Por outro lado, pode também resultar de uma suspeita sobre o mais assertivo dos atributos humanos, “caráter”, uma vez ladeado pelo prefixo de negação. Examinemos ambas as possibilidades de sentidos e, inclusive, a chance de haver outras ou mesmo nenhuma. O fazer de Débora Bolsoni costuma nascer da lida com materiais simples, como papel, tecido, areia, madeira, barbante e cera. Quando obra, mesmos que mantidos às vistas do público, chegam a confundi-lo, principalmente porque têm suas vocações reconcebidas pelos usos da artista. O frágil torna-se perene; o vulgar, monumental; já a estrutura (ou a escultura), por sua vez, é investigada para comportar moleza e delicadeza, ganhar camadas finas, orgânicas e nada inertes, arriscando-se para isso à sua própria ruína. Débora produz artefatos descaracterizados, cuja aparência física envolve doses maiores ou menores de traição. Por não serem muitas vezes o que imaginamos à distância, pedem aproximação, investimento e calma. Não fossem as habilidades do corpo presente de desconfiar e descobrir, seguiríamos acreditando na veracidade das pátinas. As imagens desses artefatos – até mesmo ótimas fotografias de registro deles montados no espaço da galeria – são insuficientes para traduzir o sistema e cumplicidades de que fazem parte, desde o processo de criação. Compartilhado com mestres de diferentes ofícios, que ajudam a artista a reconhecer um repertório mínimo sobre os materiais que lhe interessam a cada novo projeto, esse processo também se nutre da disponibilidade, de ambas as partes, para desconstruir seus modos de produção. Nessa troca, todo o tempo marcada por ajustes de linguagem e medidas de incompreensão, as ideias necessariamente devem voltar-se para os caminhos e limites da concretização. Os ofícios, por sua vez, saem revigorados do enfrentamento da falta e da dúvida, da ignorância aplicada da artista. Na sua disciplina, portanto, deve morar uma antidisciplina. Se o prefixo “a” indica uma negação por ausência, “des” nega por oposição. Ou seja, em “descaráter”, há caráter, mas talvez um outro, disposto a ir de encontro ao radical que lhe dá origem. Entre vetores contrários e equivalentes, constitui-se um jogo de forças, uma forma polarizada e dialética, em lugar das que repousam seguras sobre certezas unilaterais. Assim funciona o gesto de suspender nessa mostra individual. Buscando uma estabilidade que não está no chão, onde permaneceria sujeita apenas ao imperativo da gravidade, Débora foi tomada pelo desejo de pendurar coisas. Esse, na verdade, foi o seu primeiro desejo, quando ainda não havia nada do que aqui está. Decidiu pendurar uma rede, dentro dela uma caixa e alguns rolos de tecidos. Fixados no teto por um único ponto, perdem gradualmente sua ambiguidade para aderir a sentidos figurativos e mórbidos. A caixa tem as proporções de um caixão ou esquife e, antes de ser intitulada como Pendente, era chamada pelo apelido de “O Enforcado”. Desse modo, ainda como anteprojeto, a instalação já concatenava cenário, vestígios e vítima de um crime de autoria desconhecida. A montagem do trabalho, mais do que arrebatar, compromete a todos os envolvidos na exposição, artista, galeria e visitantes. O quão questionáveis passam a ser suas atitudes em relação ao enforcado? Se não culpados por terem matado, responsáveis por testemunhar a morte sem diante dela nada fazer? Talvez ainda responsáveis por devassarem a intimidade de um suicida, quebrando com isso o código de silêncio que costuma evitar o enfrentamento do tema pelo agendamento midiático e pelo senso comum. A presença, nesse caso, não é suficiente para deflagrar qualquer ação, apenas o juízo moral e os efeitos da sua colisão sempre culposa entre as soberanias individuais e as doutrinas mais ancestrais para a vida em sociedade. O significado da palavra caráter encontra-se no centro dessa encruzilhada. Denota o conjunto de qualidades e valores que compete a cada pessoa construir para si, mas pressupõe a sua adaptação aos parâmetros de funcionamento das instituições vigentes, como a família, a escola, a religião e o estado. São ditos “sem caráter” aqueles que fogem a esses parâmetros. Não porque não tenham valores pessoais, visto que, para o bem ou para o mal, para a harmonia ou para o conflito, para a ruptura ou para a tradição, todos o têm. Fogem porque entram em desacordo com algo anterior e inerente à construção de uma ideia de caráter, o juízo moral, quando não, a sua face conservadora, o moralismo. O exercício de suspensão proposto por Débora Bolsoni ajuda a recolocar o problema não de uma moral, mas de uma ética coletiva, tornando tanto a regra quanto a exceção dependentes uma da outra e, nesse sentido, igualmente questionáveis, esgotáveis, atualizáveis. Em A Comunidade que vem, Giogio Agamben descreveu que a ética não deve suscitar arrependimentos e sim a experiência de “expor em toda forma à própria amorfia e em todo ato, à própria inaturalidade”. A dialética das coisas e das relações se apresenta novamente como caminho para se estabelecer uma esfera do comum menos opressora e, nela, sujeitos tanto responsáveis quanto livres e proativos. Só caberia julgar-lhes se negassem sua potência de criação, se se reprimissem na culpa dos outros e do passado. Segundo o autor, se “permanecerem em débito com o existir”. “8 ou 80” “(…) para ele, o mundo é uma medalha, uma moeda, uma dupla superfície de leitura cujo avesso é ocupado por sua própria realidade e cujo direito, pela utopia.” Num sistema que renova constantemente seus emblemas de status e poder, Débora Bolsoni questiona o valor atribuído às coisas trabalhando com um repertório aparentemente arcaico para as noções de honra e mérito: medalhas, troféus, moedas, espelhos, tronos e confeitos são alguns exemplos. A partir desses elementos, suas obras são como fragmentos de narrativas: as instalações remetem a cenários, e os objetos, sutilmente antropomórficos, por vezes parecem seres animados. Na exposição do Centro Universitário MariAntonia, as analogias acontecem em um nível tanto concreto quanto virtual. Deslocando funções e promovendo um intercâmbio de atributos, a artista estabelece o que Roland Barthes chamaria de “uma cadeia flutuante de significados”. Floretes-pebolim são duas peças de parafina penduradas na parede como se fossem armas. Sua aparência é híbrida: elas têm o tamanho de um florete, o formato de uma haste de pebolim, e seus homenzinhos parecem atravessados por uma espada. Além disso, a aproximação se dá pela semelhança entre as ações repetitivas sugeridas pelos dois objetos. Em competições de esgrima, quando o atleta manuseia um florete, deve atingir o adversário apenas com a ponta do instrumento e, por isso, oscilando entre ataque e defesa, age por meio de estocadas. Também o jogador de pebolim atua calculando botes. A contradição é instaurada pela parafina que, ao conferir fragilidade à peça, e por lembrar uma vela votiva, remete à noção de silêncio e pausa. No trabalho Confete e arapuca, uma porção de confetes é colocada ao lado de uma caixa suspensa por um pedaço de madeira. Ali, a isca é como uma alegria decaída, varrida e amontoada, pois o confete no chão já cumpriu sua função, é agora lixo. Os papéis evocam a memória de uma queda que, por sua vez, é o movimento que se espera da armadilha. Porta com medalha é uma superfície de aço inoxidável que ostenta em seu “peito” uma medalha cunhada com uma seqüência de asteriscos, a imagem de uma senha oculta. Como um indivíduo em prontidão, a porta exibe a idéia restrição. Poderia ser vista ainda como a personagem de uma prosa enviesada, um sentinela de autoridade pouco convincente. O excesso de signos faz o conjunto parecer um tanto dispersivo. Mas percebe-se que os conceitos perambulam pelas três obras. O vínculo entre o confete e a parafina se estabelece de imediato pela cor e pelo caráter provisório dos materiais. Por extensão, o confete é também uma espécie de condecoração, o que o relaciona com a medalha. Os movimentos aludidos pelo pebolim lembram o giro de uma possível chave para a porta. Indiretamente, há uma referência a ícones nacionais como o carnaval e o futebol, o que dá a dimensão da alegoria proposta. Embora um pouco de economia talvez conferisse um sentido mais preciso à mostra – concisão evidente, por exemplo, na magistral instalação Gruta Pampulha recentemente montada por Bolsoni no Museu de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte – a articulação entre formas, usos e noções culturais revela e amplia as qualidades metafóricas dos objetos em jogo. Operação que, antes de tudo, evidencia a fertilidade de uma poética desenvolvida há algum tempo, e prenuncia, certamente, interessantes desdobramentos.
por Claudia Rodrigues-Ponga
[Texto escrito para a individual “Pra aquietar”, Galeria Athena Contemporânea, Rio de Janeiro, 2017]
O dia é a brincadeira do mar
O mar é a brincadeira da vida
Pra aquietar, pra aquietar
Luiz Melodia
por Cauê Alves
[Texto escrito para a individual “Urbanismo Geral”, Galeria Athena Contemporânea, Rio de Janeiro, 2015]
por Ana Maria Maia
[Texto publicado na exposição individual “Descaráter” na Galeria Jaqueline Martins, São Paulo, 2016]
por Heloisa Espada
[Texto publicado na Revista Bravo!, São Paulo, 2006]
Roland Barthes
Exposições individuais Principais exposições coletivas Curadorias Bolsas e residências Obras em coleções públicas
2015
– “Urbanismo Geral”, Galeria Athena Contemporânea, Rio de Janeiro, RJ
2014
– “Dentro Fora”, Galeria Marília Razuk, São Paulo, SP
2011
– “Feira de rua”, ZonaMACO, curadoria Adriano Pedrosa, Cidade do México, México
2010
– “Leitura de Praia”, Marília Razuk galeria de Arte, São Paulo, SP
2007
– “Mudança de lugar’’, Marília Razuk galeria de Arte, São Paulo, SP
– “Fazer Crer”, MAMAM no Pátio, Recife, PE
2006
– “Porta com medalha’’, Centro Universitário Maria Antônia, São Paulo, SP
– “Gruta Pampulha”, Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, MG
2005
– “Débora Bolsoni, Mostra Individual do Programa de Exposições do CCSP’’, Centro Cultural São Paulo, SP
2001
– ’’Individuais e Simultâneas”, Oficina Cultural Oswald de Andrade, São Paulo, SP
2015
– “Aparição”, Caixa Cultural, Rio de Janeiro, RJ
– “19o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil”, Panoramas do Sul, SESC_Videobrasil, São Paulo, SP
– “Acareação”, Observatório, São Paulo, SP
– “Tudo que É Sólido Desmancha no Ar”, Galeria Jaqueline Martins, São Paulo, SP
– “Alimentário, Arte e Construção do Patrimônio Alimentar Brasileiro”, Museu da Cidade, OCA, São Paulo, SP
2014
– “Alimentário, Arte e Construção do Patrimônio Alimentar Brasileiro”, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ
– “Aparição”, Galeria Athena Contemporânea, Rio de Janeiro, RJ
2013
– “Brutalidade Jardim”, Galeria Marília Razuk, São Paulo, SP
– “Artists Books”, Astrup Fearnley Museet, Oslo, Noruega
– “Escalas”, Estúdio Álvaro Razuk, São Paulo, SP
2012
– “O Retorno da Coleção Tamagni | até as estrelas por caminhos difíceis”, Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, SP
2011
– “Dublê”, Alexandre da Cunha e Débora Bolsoni, curadoria de José Augusto Ribeiro, Centro Cultural São Paulo, SP
2010
– “Paralela – A Contemplação do Mundo”, curadoria de Paulo Reis, Liceu de Artes e Ofícios, São Paulo, SP
– “Kierkegaard’s walk”, curadoria de Jacopo Crivelli, Marília Razuk Galeria de Arte, São Paulo, SP
– “Sempre à vista”, curadoria de Rodrigo Matheus, Mendes Wood Galeria de Arte, São Paulo, SP
– “3ª Rodada”, curadoria de Fernando Lindote, Jaílton Moreira e Thaís Riviti, Centro Cultural Badesc, Florianópolis, SC
– “Corsário Cassino Museu”, curadoria de Marconi Drumond, Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, MG
2009
– “Absurdo”, curadoria de Laura Lima, 7ª Bienal do Mercosul, PortoAlegre, RG
– “Exposição de Verão 6”, Galeria Box 4, Rio de Janeiro, RJ
– “Realidade Imprecisas”, curadoria de Carolina Soares, SESC Pinheiros, São Paulo, SP
2008
– “Temporada de Projetos’’, Paço das Artes, São Paulo, SP
– “Contraditório – Panorama da arte brasileira’’, curadoria de Moacir dos Anjos, Alcalá 31, Madri, Espanha
– “Quase Liquido”, curadoria de Cauê Alves, Itaú Cultural, São Paulo, SP
– “Intimidade Publica”, Éden, curadoria de Andrés Inocentti, São Paulo, SP
– “De Perto, De Longe – Mostra Paralela”, curadoria de Rodrigo Moura, Liceu de Artes e Ofícios, São Paulo, SP
– “Cover – Reencenação + Repetição”, curadoria de Fernando Oliva, Museu de Arte Moderna, São Paulo, SP
2007
– “Contraditório – Panorama da arte brasileira’’, curadoria de Moacir dos Anjos, Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, SP
– “Intimidades – Homenagem a Leonilson”, Marília Razuk Galeria de Arte, São Paulo, SP
2006
– “MAM na Oca’’, Mostra da coleção do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Pavilhão da Oca, São Paulo, SP
– “Singular e Plural’’, curadoria Cauê Alves, Marília Razuk Galeria de Arte, São Paulo, SP
2005
– “Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo’’, Centro Cultural São Paulo, SP
– “Verbo’’, Galeria Vermelho, São Paulo, SP
– “Mostra SESC de Artes Mediterrâneo’’, Mostra itinerante de artes visuais, cinema, teatro, música, dança e literatura que percorreu 15 cidades do interior do estado de São Paulo
2004
– “Exposição Final da Residência em Artes Remisen-Brande’’, Brande City Hall Gallery, Brande, Dinamarca
– “Lord Palace Hotel’’, Lord Palace Hotel, São Paulo, SP
– “Labdart’’, SESC Pinheiros, São Paulo, SP
2002
– ”Situação #1’’ performance Coquetel-Obra durante o colóquio sobre práticas estéticas urbanas com curadoria de Catherine David, Edifício Copan, São Paulo, SP
– “Plano Copan’’, conjunto de intervenções artísticas proposto pelo projeto, Olhosp, Edifício Copan, São Paulo, SP
– “30° Salão de Arte Contemporânea de Santo André’’, Paço Municipal, Santo André, SP
– “Três Tridimensionais’’, curadoria de Sérgio Romagnolo, Adriana Penteado, Arte Contemporânea, São Paulo, SP
2001
– “1°Bienal de Gravura de Santo André’’, Paço Municipal, Santo André, SP
– “Figura Impressa”, Adriana Penteado Arte Contemporânea, São Paulo, SP
– “Deslocamentos”, Centro de Cultura Dragão do Mar, Fortaleza, CE
– “Exposição de formandos em Artes Plásticas – ECA/USP”, Casa das Rosas, São Paulo, SP
2000
– “Deslocamentos’’, Curadoria de Daniela Bousso, Fundação Joaquim Nabuco, Recife, PE
– “Realidades Sobrepostas’’, Centro Universitário Maria Antônia, São Paulo, SP
– “Casa de Todos’’, Mostra do projeto Linha Imaginária, São Paulo, SP
– “Há Margem’’, Curadoria de Angélica de Moraes, Centro de Comunicações e Artes do SENAC, São Paulo, SP
1999
– “Investigações’’, Projeto Rumos Visuais, Itaú Cultural, São Paulo, SP
– “Mostra Rio Gravura’’, FUNARTE, Rio de Janeiro, RJ
– “Paisagem e Arte: A invenção da natureza, a evolução do olhar’’, Fundação Armando Álvares Penteado, São Paulo, SP
– “XXIV SARP / Salão de Arte de Ribeirão Preto’’, Casa de Cultura, Ribeirão Preto, SP
2010
– “Cadavre exquis”, curadoria em parceria com Fernanda Lopes, exposição de arte para crianças com obras da Coleção de Arte da Cidade, CCSP, São Paulo, SP
2008
– “Passagens secretas – 10 curadores para 10 artistas”, exposição coletiva em que cada curador convidou um artista para realizar projetos específicos para o Centro Cultural São Paulo, artista convidada: Cinthia Marcelle, CCSP, São Paulo, SP
2010
– Bolsa CNPQ de mestrado em Poéticas Visuais na Escola de Comunicações e Artes da USP, São Paulo, SP
2007
– Residência artística do Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães, programa MAMAM no Pátio, Recife, PE
2005
– Bolsa Pampulha, Bolsa de residência artística da Prefeitura de Belo Horizonte e Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte/BH
2004
– Laboratório de Arte, Dois meses de residência artística no SESC Pinheiros, São Paulo, SP
– Residência em Artes Remisen-Brande, Brande, Dinamarca
– Coleção de Arte da Cidade de São Paulo, São Paulo, SP
– Museu de Arte Moderna de São Paulo, São Paulo, SP
– Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte, BH
– Museu de Arte de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP
– Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro, RJ
RFI convida Debora Bolsoni, 2017: Vídeo produzido pela Matrioska Filmes com exclusividade para o PIPA 2011: Video produzido pela Matrioska Filmes com exclusividade para o PIPA 2010:
“No jogo infantil conhecido como “Estátua”, os jogadores devem avançar em direção ao “mestre” quando este se encontra de costas. E devem parar onde e como estavam em seus trajetos quando o “mestre” se volta em direção a eles. Na maioria das vezes penso em minhas obras de arte como uma cena interrompida, onde objetos, materiais, conceitos e palavras se comportam como corpos que foram surpreendidos em seus movimentos, tornados objetos antes que chegassem ao lugar ou função para onde se dirigiam. Esta suspensão é útil para que eu possa espreitá-los após um corte abrupto e inesperado do fluxo ao qual pertenciam. É como se eu com isso pudesse recolher uma amostra do tempo deles para estudo e análise dos seus contextos. O movimento é tão essencial como a quietude para o pensamento espacial. O corte da linha do tempo é apenas uma tática para a busca de permanência. Uma tentativa de vislumbrar, na suspensão dos atos, alguma essência inesgotável. Muitas vezes, por exemplo, estou a tentar relacionar as transformações da paisagem urbana que eu experimentei na infância na periferia do Rio de Janeiro com meus processos de pensamento visual e repertório técnico. Também estou muito interessada na cultura popular como uma fonte de invisíveis axiomas, verdades mesmo, no sentido da história social que nos constrói ainda que inadvertidamente. Desenho, escrita, fazer instalativo, site specifcs, esculturas e objetos são minha prática palpável.”
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