(ultima atualização em abril/2018)
Rio de Janeiro, RJ, 1956.
Vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ e em Berlim, Alemanha.
Representada pela Galeria Anita Schwartz (Brasil) e Galerie m Bochum (Alemanha).
Indicada ao Prêmio PIPA 2010 e 2017.
Finalista do Prêmio PIPA 2017.
A delicadeza bruta de sua poética está sempre buscando os pontos de encontro entre a imobilidade e a mobilidade, o temporal e o atemporal, o peso e a leveza. Os balões azuis, na iminência do desaparecimento, na sua precariedade constitutiva, avivam na pedra uma materialidade inabalável. O contraste entre materiais explicita a propriedade de cada coisa, uma singularidade que nasce da própria coexistência entre eles produzida pela escultura.
Site: www.carlaguagliardi.com
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes, exclusivamente para o Prêmio PIPA 2017:
Estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage (1987/1989) e cursou pós graduação em História da Arte e Arquitetura no Brasil, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1990/1991).
Com outros artistas de sua geração, fundou o grupo de estudos Visorama, organizador de seminários e debates públicos sobre arte contemporânea durante o período de 1990 a 1995.
Participou de diversos programas internacionais para artistas residentes: Künstlerhaus Bethanien Berlim (1999), contemplada com a Bolsa de Cultura Virtuose do MinC; HIAP Helsinki International Artist-in-residence Programme (2001); Khoj, Mysore (2002); Artists Residence L.A. Villa Aurora, Los Angeles (2007).
Possui trabalhos em diversas coleções públicas tais como Coleção Gilberto Chateaubriand;Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador; Instituto Brasil-Estados Unidos, Rio de Janeiro; UECLAA/University of Essex, Colchester; Art in General, New York; NEXT, Graz; KHOJ, Mysore; Coleção Hoffmann, Berlim.
Exposições individuais recentes
2017 -Projeto Parede Gentil / Intervenção pública na fachada da Galeria Gentil Carioca, Rio de Janeiro, RJ, 2016 – “Under construction”, Galerie m Bochum, Alemanha, 2015 -“Opera II (ou Where is the time I have left in this space?)”, Die Raum, Berlim, Alemanha, 2014 -“Fuga”, Diehl CUBE, Berlim, Alemanha, 2013 – “Para quem voa descansar”, Museu do Açude, Rio de Janeiro, RJ, 2012 -“Os cantos do canto”, Galeria Anita Schwartz, Rio de Janeiro, RJ, 2010 – O Lugar do Ar, Centro Universitário Mariantonia, USP – São Paulo; 2009–Luogo d’aria, Castel dell’ovo – Nápoles, Itália; O Lugar do Ar, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Schwerelos, Haus am Waldsee – Berlim; 2004–Um mar e dois desertos / Ein Meer, zwei Wüsten, Galerie m – Bochum; 2000–Nada do que não era antes, Paço Imperial – Rio de Janeiro; 1999–Nada do que não era antes, Künstlerhaus Bethanien – Berlim.
Dentre as exposições coletivas destacam-se:
2017 -“Ready Made in Brasil”, Centro Cultural FIESP, São Paulo, SP, “Selva” (Prêmio Funarte Conexão Circulação Artes Visuais 2016), Brasília, DF e Rio Branco, AC, Brasil, “Dentro / Sala de encontro”, Museu de Arte do Rio), Rio de Janeiro, RJ, “Mirror Images – Reflections in Art and Medicine”, Kunst Museum Thun, Thun, Suíça, 2015 — “Skulptur 2015”, Skulpturen Museum Glaskasten Marl, Marl, Alemanha, “Mirror Images in Art and Medicine”, Museum of medical History at the Charitè, Berlim, Alemanha, “Charles Gaines/Carla Guagliardi/Franka Hörnschemeyer”, Galerie Opdahl, Stavanger, Noruega, 2014 -Berlin Heist ,Mediations Biennale Poznan 2014, Bienal de Poznan, Polônia, “4.UM-FESTIVAL”, Uckermark, Alemanha, 2013 -“Bola na rede”, Funarte, Brasília, DF, “Das verriegelte Paradies”, Auswärtiges Amt, Berlim, Alemanha, 2011 -“We make versions”, Westfälischer Kunstverein, Münster, Alemanha, TimeFrame University Gallery, University of Essex, Colchester, Reino Unido, 2010 – O desejo da forma, Akademie der Kunste – Berlim, Alemanha; The Glass Delusion, The National Glass Centre – Sunderland, England; 2009–7a Bienal do Mercosul; 2008 – +40°C -30°C Contemporary Art from Brasil and Finland, Vantaa Art Museum – Vantaa; Art Biesenthal 2008 – Biesenthal; 2006–Interventions / Copa da Cultura, Haus der Kulturen der Welt e Anstoss Berlin, Haus am Waldsee – Berlim; 2005–Nostalgia of the body, Gallery Firstsite – Colchester; 2003–Alternating Currents, University of Essex – Colchester; On this side of the sky, UNESCO – Paris; 2002–Morro / Labirinto, Paço Imperial – Rio de Janeiro; Love’s House, Hotel Love’s House – Rio de Janeiro; KHOJ 2002 / Workshop-exhibition – Mysore/ Bangalore; 1999–Cuerpos. Redes. Voces. Transitos: Horizontes cambiantes, Casa de América – Madrid; 1998–Der Brazilianische Blick, Coleção Gilberto Chateaubriand, MAM – Rio de Janeiro e Haus der Kulturen der Welt – Berlim.
Carla Guagliardi: a sustentável leveza do ser
Por Luiz Camillo Osorio
Há uma série de fotografias de Carla Guagliardi, de 2006, que me parecem resumir alguns aspectos de sua poética. Diante de uma paisagem árida e austera da Sardenha, onde sobressaem a pedra e o silêncio, ela espalhou alguns balões azuis iluminando o ar. É como se, diante do tempo imobilizado da paisagem, surgisse um sopro precário de cor. A delicadeza bruta de sua poética está sempre buscando os pontos de encontro entre a imobilidade e a mobilidade, o temporal e o atemporal, o peso e a leveza. Os balões azuis, na iminência do desaparecimento, na sua precariedade constitutiva, avivam na pedra uma materialidade inabalável. O contraste entre materiais explicita a propriedade de cada coisa, uma singularidade que nasce da própria coexistência entre eles produzida pela escultura.
Quiçá seja esta capacidade de propor relações surpreendentes um aspecto fundamental de sua obra. Tábuas de madeira pesam sobre balões brancos que as sustentam no limite da sua própria resistência. O preciso e diferenciado volume de ar em cada um dos balões é fundamental. Se completamente cheios, inviabilizariam o precário equilíbrio e a tensão das tábuas; se mais esvaziados, perderiam a dignidade formal requerida para a escultura funcionar. É um momento de forma que tonifica a fragilidade dos balões, mantendo na madeira seu peso e sua gravidade. Na construção dos seus trabalhos, cada elemento individual depende dos demais, constitui-se e afirma-se a partir da interdependência entre eles.
É notável sua capacidade de resgatar nos materiais uma pulsação vital. O que me parece importante apontar é a insinuação de que, de dentro das relações propostas por suas esculturas, resgata-se uma diferença esquecida entre matéria viva e matéria morta (ou, como se diz normalmente, matéria-prima). Da mesma maneira que há em algumas línguas – penso aqui no inglês – duas palavras para distinguir um corpo vivo (body) de um corpo morto (corpse), é como se sua obra estivesse trazendo à tona uma vitalidade para a matéria inanimada. Esta vitalidade é a força assumida como tônus, como especificidade reveladora de uma intensidade não quantificável, porém perceptível, na presença singular dos materiais no momento de sintonia fina entre o olho e a obra.
Esta vitalidade remete para a presença da água e do ar como elementos estruturais em suas esculturas. A informalidade rigorosa, tão cara à sua poética, tão própria de sua delicadeza bruta, decorre justamente disso. Trata-se de uma espécie de sustentável leveza do ser, da capacidade das obras se manterem no limite da sua dissolução. Suas peças estão constantemente se transformando, vivendo processos internos a partir dos materiais que vão se alterando – seja a quantidade de ar e a forma dos balões, seja a oxidação visível do ferro no interior dos colchões de plástico e água, seja ainda o cobre que respira no contato com a água no interior das bolas de vidro.
Esta é a razão para a artista insistir em incluir o tempo como um dos materiais a serem descritos nas etiquetas. Tempo é processo e pulsação. A matéria respira e vai em busca de sua natureza própria. A respiração tem uma ligação ancestral com o princípio vital dos organismos. Por meio dela, mantém-se a energia dos corpos pela fluência de oxigênio e circulação dos elementos vitais. A tonificação vem com a pulsação, o movimento e o equilíbrio.
A processualidade revela-se com nitidez nos trabalhos com gelo, nos quais a forma se desmaterializa e se desfaz ao longo das exposições. Em um trabalho notável realizado na Áustria, ela põe uma enorme barra de gelo sobre uma mesa para mantê-la no chão, uma vez que tensores elásticos a puxam para o teto. Com o passar do tempo, derretendo o gelo e escorrendo a água, a mesa sobe e se expande no espaço. A passagem do sólido ao líquido traz à percepção a diferença entre peso e volume, concentração e expansão.
O lugar do ar talvez seja a peça que, em ambas as suas versões, melhor exemplifique a informalidade rigorosa que rege sua poética. Uma malha de barras de ferro e elásticos cresce pela parede ou se expande no espaço. A forma é uma equação sutil de gravidade, geometria e ar. O peso das barras dá o ritmo do desenho. Sua articulação é, ao mesmo tempo, orgânica e construída. É um trabalho que dialoga com as Malhas da liberdade do Cildo Meireles, com os Frutos do espaço do Antonio Manuel, com a sutileza dos desenhos de Mira Schendel e algumas instalações de Gego. Outra artista com quem ela mantém um diálogo mais processual do que formal é a norte-americana Eva Hesse, para não falar de Lygia Clark. Todas estas remissões não diminuem a originalidade da obra; pelo contrário, potencializam-na.
Retomar este diálogo com artistas que a antecedem acaba por nos levar ao próprio contexto geracional no qual surgiu a obra de Carla Guagliardi. Tratou-se de um momento singular da arte brasileira, mais especificamente da cena carioca do final dos anos 80 e começo dos 90. Além dela, poderia mencionar, para citar alguns artistas próximos, João Modé, Eduardo Coimbra, Carlos Bevilacqua, Ernesto Neto, José Damasceno, Tatiana Grinberg, Brígida Baltar, Ricardo Basbaum, Fernanda Gomes, Marcos Chaves, entre outros. O que interessava era retomar o fio experimental pós-neoconcreto, resgatando rigor formal aliado à organicidade dos materiais, à leveza visual, à fragilidade estrutural e, acima de tudo, a uma noção de experiência poética marcada por uma temporalidade intensiva. Não obstante o fato de a artista morar em Berlim desde meados da década de 90, o diálogo com seus pares de geração tem se mantido vivo.
Percebida esta filiação, há que se pontuar as diferenças no que tange ao modo pelo qual a experimentação pode e deve produzir efeitos na atualidade. A geração experimental dos anos 60 e 70 foi a última a assumir uma vontade de arte que se confundia com um desejo de transformação social, com uma ruptura marcada pela violência revolucionária. A queda do muro de Berlim pode ser vista dentro de um novo modelo de mudanças não violentas – revoluções reformistas, como as designa o historiador inglês Thimoty Garton Ash. Somam-se a isso os processos de redemocratização na América do Sul, que, aos trancos e barrancos, incluem atores políticos historicamente deixados à margem. Surgia, a partir daquele momento, um devir inesperado, um tipo novo de exercício experimental de liberdade construído dentro do sistema hegemônico e redefinindo suas formas de poder e de sociabilidade. Seriam possíveis mudanças sem ruptura? Bifurcações sem cortes? Mantenham-se abertas as perguntas!
A melhor arte produzida a partir deste novo contexto recuperou um fio experimental pautado no risco de dissolução e na crença no aparecimento do novo sem, todavia, repetir o modelo das vanguardas e suas determinações ideológicas. Parte do risco mencionado vem da rápida institucionalização da arte contemporânea, da apropriação banalizante do mercado. Na passagem da adversidade conflituosa de outrora para a diversidade anestesiante do presente, há que se buscar elementos de resistência que deem às obras uma capacidade de diferir no meio da indiferença, extraindo da multiplicidade sinais de singularização.
A fluidez, a coexistência na diferença, a processualidade e a precariedade material são traços destas poéticas experimentais – e Carla Guagliardi é um exemplo notável aqui – que nos ajudam a enfrentar e reinventar o presente. Acima de tudo, remetem aos processos de transformação negociada e de redefinição democrática em um mundo mergulhado na crise, mas que, mesmo assim, quer poder acreditar na “audácia da esperança” e na capacidade de se constituírem novas formas de vida, de arte e de comunidade.
Rio/Berlim, fevereiro de 2009.
Texto para a exposição “O lugar do ar”, em 2010 no Instituto Mariantonia, São Paulo
Por Luisa Duarte
Nos trabalhos de Carla Guagliardi aquilo que não se vê é tão importante quanto o que se vê. Em “Verso”, há um equilíbrio delicado entre gravidade, geometria e ar. Pesadas tábuas de madeira encontram-se sutilmente equilibradas sobre balões de borracha. Com o passar do tempo, o ar lentamente despendido dos balões modificará a geometria – segura, milimetricamente equilibrada. Esta tensão entre aquilo que estamos vendo e aquilo que conseguimos supor que irá ocorrer é o intervalo no qual reside o cerne da poética de Guagliardi. O ar e o tempo, ambos invisíveis, são as instâncias que promovem tanto a beleza do trabalho quanto a iminência de sua dissolução. Interessa menos a resultante final deste processo, o desinflar dos balões e a provável queda da escultura, do que a constante promessa de mudança contida na peça.
Os outros dois trabalhos em exibição, “O lugar do ar” e “Black dots”, apresentam esta mesma natureza de pensamento. Se, por um lado, estamos diante de obras que expressam um claro rigor formal, ao mesmo tempo, cada uma das esculturas da artista surge como uma espécie de acontecimento, cuja vibração caminha no sentido oposto ao da frieza e da ausência de subjetividade das manifestações puramente formais.
Em uma época que faz o elogio da visibilidade, do resultado, bem como é marcada pelo temor da instabilidade, constitui-se em um gesto sutilmente subversivo realizar um trabalho no qual o invisível tem papel central, e a incerteza é um dos motores da poesia.
Diante destas esculturas nos recordamos que o sentido não se encontra nem no início, nem no fim, mas sim no meio da travessia. Travessia cujo tecido é o tempo, sendo por isso aberta a mudanças, acasos, surpresas. Assim, na sua tessitura feita de certeza e apreensão, perenidade e volatilidade, a obra de Carla Guagliardi espelha a natureza do percurso de nossas vidas, uma tentativa constante de dar sentido e firmeza para algo que, inexoravelmente, escorre e se desfaz lentamente por entre as horas, os dias, os anos…
“A Flecha do Tempo”
Por Guy Brett
Uma série de plataformas suspensas no espaço a diferentes distâncias uma das outras e em diferentes níveis. Nestas plataformas, encontram-se receptáculos de vidro. Alguns dos receptáculos atravessam parcialmente a superfície de uma plataforma de maneira a que se mantenham firmemente seguros em seu lugar entre um plano e outro. Certos receptáculos de vidro são conectados a outros por tubos capilares que formam um sistema de circulação que atravessa o espaço de acordo com sua lógica própria, independentemente do sistema de planos. Nesta configuração geral de receptáculos de formas diferentes em alturas diferentes, a água naturalmente encontra seu nível uniforme.
À primeira vista, antes de pensarmos um pouco mais, esta parece ser uma descrição adequada do trabalho Nada que não era antes, de Carla Guagliardi (exibido originalmente na Künstlerhaus Bethanien, Berlim, em 1999). Por que não comecei minha descrição com a água, ao invés de deixá-la por último? Continua sendo tão difícil aceitar que um fluido possa ser o elemento primário de uma escultura? Ou que o silencioso e elusivo processo da água em busca de equilíbrio poderia ser o assunto da obra? Ou mesmo que a água é uma metáfora para a passagem do tempo, assim como o gotejar de água que costumava medir o tempo em alguns dos primeiros relógios – com exceção de que esta água não se dissipa no esquecimento, mas circula: “Nada que não era antes”?
Acredito ser significativo que o trabalho de Carla Guagliardi tenha emergido da escultura, e tenha modificado a sua orientação. É uma escultura que exibe o comportamento dos materiais, originando daí o seu significado. Suas associações com a ciência são óbvias, e Carla Guagliardi diz que ela “subjetivamente transporta a ciência para seu projeto artístico”. Poderíamos descrever sua instalação como algo entre o “experimento controlado” da ciência e a uniformidade visual da estética minimalista. De certa forma, ambos os esquemas fornecem o suporte e a dobradura para o comportamento orgânico da natureza que está no cerne de cada trabalho.
Assim, considerando Big White (2007), poderíamos começar com o ar imaterial em vez das partes sólidas da escultura que imediatamente se comunicam com nosso sentido visual. Não podemos ver o ar no balão, mas é ele o agente da tensão material que gera o prazer estético escultural do trabalho, tensionado como se fora um arco. Não podemos vê-lo, mas podemos sentir intensamente a presença do ar. No entanto, o ar, gradualmente escapando seu confinamento e dissipando-se no espaço ao redor, é também o agente de uma entropia gradual à qual o objeto material e seu impacto visual estão sujeitos. Sua bela tensão, sua figura energética, tristemente se extingue até ser apagada pela passagem do tempo. Tal duração é deliberadamente tecida no trabalho de Carla: sabemos, ou sentimos, que, se o balão estoura, a escultura seria imediatamente reduzida a umas poucas relíquias insignificantes.
Embora Carla Guagliardi afirme que seus experimentos começam em “condições puramente físicas e materiais”, ela admite que “nenhuma atividade artística está completamente livre das intenções subjetivas do artista”. Com certeza o espectador sente que a tensão material em Big White se traduz em uma tensão emocional. Uma tensão coloca-se entre opostos que sugere inúmeras possibilidades verbais: algo entre a certeza e a apreensão. Em outro trabalho que segue o mesmo princípio, Verso, também de 2007, existe um forte sentimento de colisão entre ternura e desconforto. Três tábuas de madeira maciça, uma encaixada entre as outras duas, descansam pesadamente sobre três balões brancos de diferentes tamanhos. Apesar da pureza e da generalidade da abstração do trabalho, aumentada pelo imaculado piso de tacos e pelas paredes brancas da galeria, uma sensação de ameaça e vulnerabilidade corporal é palpável, como se os balões fossem cabeças humanas, uma família quase pega no colapso de um edifício (seja acidental ou intencional).
Há nestes trabalhos um conflito entre o aspecto estrutural, com suas associações cerebrais e rígidas, e os componentes mais fluidos e maleáveis da peça? Talvez. Tal confronto foi elegantemente demonstrado em um trabalho anterior de Guagliardi (O lugar do ar, 1994-1999) (*2). Ocupando uma sala inteira, vergalhões de ferro foram suspensos horizontalmente, presos um em cima do outro apenas por tiras elásticas de diferentes larguras, o peso do ferro gradualmente desalinhando a regularidade da estrutura. Um processo extremamente complexo de estiramento – uma vez que todos os componentes estavam conectados a uma única estrutura interdependente, mas os elásticos possuíam diferentes graus de elasticidade –, que com o tempo, alterava a estrutura. Uma maravilhosa insinuação do “corpo” nos códigos da arte minimalista.
De fato, se há um conflito presente aqui, ele tem sido explorado por um bom número de artistas brasileiros durante as últimas décadas e com tal precisão filosófica e consciência sensorial a ponto de alcançar quase um equilíbrio entre esses lados opostos da psique humana. Lygia Clark foi uma grande precursora deste processo. No início dos anos 1960, Lygia Clark falava sobre a “morte do plano”. Ela acreditava que o plano, sendo um constructo mental por meio do qual os seres humanos se orientam no cosmos, seria substituído pela “imanência do ato”. Tal foi anunciado pela primeira vez em seus Bichos (1960), dobráveis construções em metal baseadas em precisas figuras geométricas que adquiriam a integridade e a vitalidade de um organismo quando manipulados por um espectador. Ela, então, abandonou a linguagem geométrica, aproximando-se do corpo e ritmos orgânicos. A tensão de uma pedra paradoxalmente suspensa em um saco de ar, tanto sentida entre as mãos como vista com os olhos, caracteriza seu genial Ar e pedra (1966). Consideravelmente transmutada, creio que a mesma investigação pode ser sentida na escultura com balões de Guagliardi.
Há outro “momento” na história da vanguarda brasileira revisitado pelo trabalho de Guagliardi: a crítica da imagem feita por Hélio Oiticica. Oiticica produziu esta crítica depois de observar a reação pública ao seu “penetrável” Tropicália em 1967. Ele concluiu que muitas pessoas compreenderam seu trabalho somente no nível do imagético, fácil e rapidamente consumido e repetido, não percebendo o que, para ele, era a experiência mais importante: a experiência temporal e subjetiva de entrar na obra. Por isso, ele surgiu com seu conceito de “suprassensorial”.
Sinto algo semelhante em relação ao trabalho de Carla Guagliardi. Ele não deve ser fácil e rapidamente consumido no nível do imagético. Sua essência não se encontra na sua aparência imediata, mas na transformação material que sofre, algo que deixa o tempo mais lento do ponto de vista do compasso subjetivo do espectador contemporâneo. Sinto que isso é tremendamente valioso. Em seu trabalho, há uma reavaliação da história da escultura e uma mudança na relação tradicional entre espaço e tempo. Na escultura tradicional, o tempo era de certo modo negado. O espaço foi desenvolvido, mas, no uso de materiais como o bronze e o mármore, o tempo, que mais cedo ou mais tarde tudo transforma, é mantido à distância como forma de conhecimento humano. Guagliardi desafia isso, mas não o descarta inteiramente.
A ansiedade e a incerteza geradas pela dissolução de estruturas fixas são compensadas pela descoberta, em seus interstícios, por assim dizer, de uma nova elasticidade e fluidez. Na tripartite metáfora de Nada que não era antes – laboratório / escultura / estado mental –, a água sem forma e sem fim busca seu precário equilíbrio.
(Este texto é uma versão ligeiramente ampliada de um artigo originalmente escrito para o yearbook da Künstlerhaus Bethanien, Berlim, n. 6, set. 2000).
“Onde está o tempo que eu deixei nesse espaço?”
Por Carla Guagliardi
Nos últimos anos minha trajetória artística resulta de uma pesquisa predominantemente escultural focada em diversas idéias mas que tem o tempo como seu principal agente.
Experimento a proximidade de materiais originalmente diversos como: água, plástico, ferro, látex,vidro, cobre, aço, algodão, tijolos de barro,plantas ,madeira,etc, tornando iminente a ação do tempo num registro mnemônico na matéria e no espaço.
Busco uma linguagem poética que remeta à operações entre elementos de forma fluida, interior e orgânica, incorporando o acaso e a especulação , resultando na abstração da própria experiência com o material, cuja ação recíproca interfere assim na corporeidade do mesmo.
Esse conjunto, que combina materiais e faz com que a sua proximidade, eles adquiram novas propriedades, enfatizando,muitas vezes, um vocabulário de termos físicos como equilíbrio, densidade, materialidade,capilaridade,etc – esse conjunto para o qual os caracteres físicos não são virtuais, simbólicos ou de representação, mas existem literalmente,é ainda assim um conjunto emocional e fundamentalmente subjetivo.
Minha pesquisa avança no sentido de trabalhar o espaço na sua ânsia de continuidade e extensão,mas sempre no confronto, no paradoxo do rompimento e na suspensão temporal – relacionando a questão de uma percepção móvel à situação incerta e volúvel da condição humana.
Exposições individuais
2017
– Projeto Parede Gentil / Intervenção pública na fachada da Galeria Gentil Carioca, Rio de Janeiro, RJ
2016
– “Under construction”, Galerie m Bochum, Alemanha
2015
– “Opera II (ou Where is the time I have left in this space?)”, Die Raum, Berlim, Alemanha
2014
– “Fuga”, Diehl CUBE, Berlim, Alemanha
2013
– “Para quem voa descansar”, Museu do Açude, Rio de Janeiro, RJ
2012
– “Os cantos do canto”, Galeria Anita Schwartz, Rio de Janeiro, RJ
2011
– “Longe do equilíbrio”, Steendrukkerij Amsterdam, Amsterdam, Holanda
2010
– “O Lugar do Ar”, Instituto Mariantonia (USP), São Paulo, SP
2009
– “Luogo d’aria”, Castel dell’ovo, Nápoles, Itália
– “O Lugar do Ar”, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ
– “Schewerelos”, Haus am Waldsee, Berlim, Alemannha
2004
– “Um mar e dois desertos / Ein Meer, zwei Wüsten”, Galerie m Bochum, Alemanha
2000
– “Der Ort der Luft”, Kunstverein auf dem Prenzlauer Berg, Berlim, Alemanha
– “Nada do que não era antes”, Museu Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ
1999
– “Nada do que não era antes”, Artist in residence, Künstlerhaus Bethanien, Berlim, Alemanha
1996
– “Memória Líquida”, Galeria IBEU Copacabana, Rio de Janeiro, RJ
– “Às Parcas e ao Edi”, Galeria IBEU Madureira, Rio de Janeiro, RJ
1993
– Projeto Experimental / Instalação na piscina, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro, RJ
1991
– Instalação, Galeria Sérgio Porto, Rio de Janeiro, RJ
Seleção de exposições coletivas
2017
– “Ready Made in Brasil”, Centro Cultural FIESP, São Paulo, SP
– “Selva” (Prêmio Funarte Conexão Circulação Artes Visuais 2016), Brasília, DF e Rio Branco, AC, Brasil
– “Dentro / Sala de encontro”, Museu de Arte do Rio), Rio de Janeiro, RJ
– “O lugar do delirio”, Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro, RJ
– “Mirror Images – Reflections in Art and Medicine”, Kunst Museum Thun, Thun, Suíça
2015
– “Silêncio Impuro”, Galeria Anita Schwartz, Rio de Janeiro, RJ
– “Skulptur 2015”, Skulpturen Museum Glaskasten Marl, Marl, Alemanha
– “Mirror Images in Art and Medicine”, Museum of medical History at the Charitè, Berlim, Alemanha
– “Casa Cidade Mundo”, Centro Municipal Hélio Oiticica, Rio de Janeiro, RJ
– “Charles Gaines/Carla Guagliardi/Franka Hörnschemeyer”, Galerie Opdahl, Stavanger, Noruega
2014
– Berlin Heist ,Mediations Biennale Poznan 2014, Bienal de Poznan, Polônia
– “4.UM-FESTIVAL”, Uckermark, Alemanha
– “Matriz e Deconstrução”, Galeria Anita Schwartz, Rio de Janeiro, RJ
2013
– “Bola na rede”, Funarte, Brasília, DF
– “Das verriegelte Paradies”, Auswärtiges Amt, Berlim, Alemanha
2011
– “We make versions”, Westfälischer Kunstverein, Münster, Alemanha
– TimeFrame University Gallery, University of Essex, Colchester, Reino Unido
– “Em torno da escultura”, Galeria Anita Schwartz, Rio de Janeiro, RJ
2010
– “O desejo da forma”, Akademie der Kunste, Berlim, Alemanha
– “Transatlantische Impulse II”, Akademie der Kunst, Berlim, Alemanha
– “The glass delusion”, National Glass Center, Sunderland, Reino Unido
2008
– “+40°C -30°C Contemporary Art from Brasil and Finland”, Vantaa Art Museum, Finlândia
– Art Biesenthal 2008, Biesenthal, Alemanha
– FEBEARio, Espaço Cultural Sérgio Porto, Rio de Janeiro, RJ
2006
– “Interventions/Copa da Cultura”, Haus der Kulturen der Welt, Berlim, Alemanha
– “Anstoss Berlin”, Haus am Waldsee, Berlim, Alemanha
– “Summertime”, Galerie m Bochum, Alemanha
2005
– “Female Positions toward Sculpture”, Gallery AREA 53, Viena, Áustria
– “Nostalgia of the body”, Gallery Firstsite, Colchester, Reino Unido
– “Das Hotel”, Salzlager Hall, Tiroler Landesausstellung, Hall, Tirol, Áustria
2004
– “Grenzüberschreitung / Passing Boundaries”, Galerie m Bochum, Alemanha
– “Erben: Erobern, Steirischer Herbst”, Graz, Áustria
2003
– “Alternating Currents”, University of Essex, Essex, Reino Unido
– “Zeitgenössische Brazilianische Kunst in Deutschland, zehn Künstler zwischenzwei Ländern”, Embaixada do Brasil em Berlim, Alemanha
– “On this side of the sky”, UNESCO Paris, França
– “Grande Orlândia/Artistas abaixo da Linha Vermelha”, Espaço Orlândia, Rio de Janeiro, RJ
2002
– “Morro/Labirinto”, Museu Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ
– “Love’s House”, Projeto no Hotel Love’s House ,Rio de Janeiro, RJ
– IBEU 1991.2001, Galeria de Arte IBEU, Rio de Janeiro, RJ
– KHOJ 2002 / Workshop-exposição, Mysore / Bangalore, Índia
1999
– “Reservoir III – Aquatektura”, Grosser Wasserspeicher, Berlim, Alemanha
– “Cuerpos. Redes. Voces. Transitos: Horizontes cambiantes”, Casa de América, Madri, Espanha
1998
– “Der Brazilianische Blick, Sammlung Gilberto Chateaubrian”, MAM-RJ, Haus der Kulturen der Welt, Berlim, Alemanha
1997
– “Suspended Instant”, Art in General, Nova York, Estados Unidos
– 3.Internationales Projekt für Bildende Kunst, Graz, Áustria
1996
– “Transparências”, Bienal no Rio, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, RJ
– “Escultura Plural”, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, BA/Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, RJ
– “Esculturas no Paço”, Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ
1995
– “Continuum – Brazilian Art”, 1960s -1990s, University Gallery, University of Essex, Colchester, Reino Unido
– “Metrópole e Periferia”, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, RJ
Prêmios e bolsas
2016
– Prêmio Funarte Conexão Circulação Artes Visuais 2016, Brasília/Rio Branco (“Selva”, exposição coletiva com Analu Cunha, Rochelle Costi e João Modé)
2010
– Prêmio Mostras de artistas no exterior/Brasil Arte Contemporânea, Fundação Bienal de São Paulo e Ministério da Cultura
– Artista indicada ao Prêmio Pipa 2010
2008
– Edital Artes Visuais/SCERJ/Rio de Janeiro, RJ
2007
– Bolsa de artista residente na Villa Aurora, Los Angeles, Estados Unidos
2002
– KHOJ workshop-exposição no programa de artista residente, Mysore/Bangalore, Índia
2001
– Bolsa de Artes RIOARTE, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, RJ
– Helsinki International Artist-in-residence Programme, HIAP/Cable Factory, Helsinque, Finlândia
1999
– Bolsa Virtuose, Ministério da Cultura do Brasil
1999
– Atelier Programm 1999, Kunstlerhaus Bethanien, Berlim
1996
– Melhor show do ano, Galerias IBEU, Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos, Rio de Janeiro, RJ
1995
– II Salão de Arte da Bahia, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, BA
1993
– Prêmio Carioca, XVII Salão Carioca de Arte, Rio de Janeiro, RJ
1991
– Prêmio Brasília de Artes Plásticas – XII Salão Nacional de Artes Plásticas Brasília/Rio de Janeiro
1990
– Prêmio FIAT 1990, Exposição Possível Imagem, Rio de Janeiro, RJ
Trabalhos em coleções públicas
– Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – Coleção Gilberto Chateaubriand, Rio de Janeiro, RJ
– Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, BA
– University of Essex, Colchester,Coleção de arte latino americana (ESCADA), Reino Unido
– Art in General, Nova York, Estados Unidos
– NEXT – Verein für bildende Kunst, Graz, Áustria
– Instituto Brasil-Estados Unidos, Rio de Janeiro, RJ
– KHOJ, Mysore, Índia
– Coleção Hoffmann, Berlim, Alemanha
– Coleção René Block, Istambul, Turquia
- www.abstractioninaction.com/artists/carla-guagliardi/
- www.m-bochum.de
- www.anitaschwartz.com.br/artista/carla-guagliardi
- www.zazie.com.br/carla/
- www.e-flux.com/announcements/30663/when-nowhere-becomes-here/
- www.brics-site.net/BRICS-site.net/BRICS_1_Land_der_Zukunft.html
- www.westfaelischer-kunstverein.de
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- www.pap.art.br/artista/2790
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- www.hbk-bs.de/aktuell/veranstaltungen/details/19155/
- www.vatmh.org/en/grant-recipient-details/grant/122-carla-guagliardi-gast-guest.html
Vídeo produzido pela Matrioska Filmes com exclusividade para o PIPA 2010:
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