(ultima atualização em novembro/2022)
Rio de Janeiro, RJ, 1962.
Vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ.
Representada pela Marsiaj Tempo Galeria.
Indicada ao PIPA 2011.
Ana Miguel começou seu percurso como gravadora, desenvolvendo, a partir dos anos 80, obras tridimensionais e instalações. Colabora também com projetos de teatro, especialmente nas montagens de Samuel Beckett realizadas por Adriano e Fernando Guimarães. As relações humanas, a literatura, as palavras, os deslizamentos dos sentidos, a experiência dos sentimentos e afetos constituem a matéria do seu trabalho desconcertante e pleno de humor.
Site: www.anamiguel.com
Video produzido pela Matrioska Filmes com exclusividade para o PIPA 2011:
Fechar os Olhos para Ver
Por Marcelo Campos, junho de 2010
“O sonho uma palavra no corpo/ A palavra sonhada/Fechar os olhos para ver/ De onde vem a palavra quando sinto o que digo/E agora você abre os olhos/ A cada minuto você abre funda matéria pétala”. Estas frases gravadas, escritas, apresentadas na exposição individual “Fechar os olhos para ver”, da artista Ana Miguel na galeria Laura Marsiaj, podem nos servir como manual de instruções. Tal qual Claude Lefort, a artista se coloca diante do enigma da linguagem: ser interior e exterior ao sujeito que fala. Assim, gravuras em ponta seca, camas em miniatura, feitas de madeira, vidro, açúcar, massa de modelar, frases em fios de metal, palavras sobre palavras ambientam o espaço interstício, já que o principal convite é, como nos incita o titulo, fechar os olhos para ver, entrar e sair de si.
O trabalho da artista Ana Miguel é eminentemente uma demarcação de territórios. Deste mistério entre o mundo interior e exterior aos sujeitos, o que nos restam são territórios marcados por vestígios, índices. Assim, precisamos entrar no mundo proposto por Ana. Um mundo de criação de personagens. Fábula ou ficção? A exposição que Ana Miguel nos apresenta é uma fábula e, por conta disso, sua arte submerge como arqueologias da ficção, já que, como nos explica Foucault, fábula é o que se conta e ficção é a trama das relações. Diante das obras, quando menos esperamos, estamos encarnando personagens com gestos anti-naturais, meneando a cabeça para melhor observar, agachando o corpo, caminhando, com zelo, na ponta dos pés. Como espectador, exercemos o papel de intruso. Sim, intromissão seria a melhor palavra para definir nosso lugar, nosso território ao encontrarmos os objetos da artista. Ela abre malas, gavetas, cestos de costura, vira folhas de caderno, mostra-nos caminhas, incluindo a ficção de seu próprio berço.
O território, segundo Deleuze e Guattari, seria o “efeito da arte”. O artista reorganiza funções, reagrupa forças. Sem dúvida, as proposições de Ana Miguel criam forças gravitacionais, fato nem sempre conseguido pelos artistas. Com trabalhos em escalas non gratas à geração dos anos 1980, Ana foi precursora desta mirada fabulística que caracterizaria parte da geração vindoura na arte contemporânea brasileira. O uso da gravura, ao mesmo tempo que a ligava às escolas e ambientes históricos, a colocava originalmente diferenciada. Além disso, viver na infância e matar a infância foram estratégias cada vez mais utilizadas pelas gerações subsequentes. Aqui, os vídeos Afogada no inverno e Afogada na primavera dão asas a esta duplicidade de sentimentos sobre a infância. Vida e morte. O ponto de vista de quem filma ficciona alguém que, caminhando pelo regaço de um lago, encontra vestígios, lãs vermelhas, sapatinhos de boneca, e, finalmente, uma roupa branca de criança. Uma atmosfera de crime ambienta o vídeo. Um bilhete, ao lado dos achados, quebra a infantilidade da suposta personagem. Lemos uma carta de Silvia ao pai, agradecendo pela festa de casamento. A caligrafia é infantil, mas o fato adulto. Este deambular por estórias, tempo, lugares é bem característico nos trabalhos da artista.
Para a exposição Fechar os olhos para ver, o que parece afetuoso e terno é, ao mesmo tempo, torturante, as escalas são diminutas (ovos, caminhas, pés de bonecas), as letras, enevoadas pelo efeito aveludado dos arranhados da ponta seca no metal, brigam com o contraste da luz. Assim, percorremos claudicantes as trilhas propostas por fios de arames vermelhos, por escritos de grafite sobre papéis pautados, pelas frases em gravuras cujas palavras se superpõem atrapalhadas por manchas fingindo líquidos, fluidos avermelhados.
As imagens apresentadas fomentam forças germinativas: o ovo, o berço, o caderno infantil, o livro. Territórios germinativos a partir dos quais reorganizamos alguns caos e fundamos outros. “Uma criança no escuro, tomada de medo, tranqüiliza-se cantarolando (…) a canção salta do caos a um começo de ordem no caos”. Deleuze e Guattari disseram que tanto a criança quanto a dona de casa têm plena consciência do caos que terão de dar conta. Com isso, cantarolam. “Uma criança cantarola para arregimentar em si as forças do trabalho escolar a ser feito. Uma dona de casa cantarola, ou liga o rádio, ao mesmo tempo que erige as forças anti-caos de seus afazeres”. A estratégia artística de Ana Miguel parece empreender forças anti-caos, consciente da fronteira fictícia que separa o mundo adulto do mundo infantil.
O trabalho escolar, os livros nomeando os reinos mineral, vegetal, animal, a redação, nosso exercício primeiro de organização do caos. Dali, Ana retira palavras das páginas de um livro escolar – Nosso Planeta – misterioso como bem convém aos livros que tentam explicar às crianças o que nem os adultos sabem ao certo. Do livro, a artista destaca o nome das pedras preciosas: turmalina, ametista, rubi. Destaca a beleza. Esta atitude arqueológica, revelando palimpsestos, é feita com fios vermelhos de metal ligados a cada um dos nomes, retirando-os da escuridão para as luzes, possibilitando-nos a leitura, a decifração.
Cadernos, livros, berços, camas são sono e sonho, são mergulhos no medo escuro da criança, na força da fábula que nos acompanha até a velhice. E nós, criando mecanismos de proteção, guardamos a esperança de acordar, fingindo ser tudo de mentira.
“A arte não espera o homem para começar”, as plantas, tanto quanto a metafísica, são próximas às crianças. Sobre um alto berço de metal com pés cobertos de crochê rosa e finalizados com pés de bonecas, Ana Miguel coloca sobre o bercinho quatro cascas de ovo, onde é plantada uma dormideira. Ao lado, uma carta de jogo da memória mostrando uma papagaia e seus ovinhos, futuros filhotes. Dormideiras são como o “era uma vez…” para a estória. A partir daquele abrir e fechar de folhas, como pétalas, a estória pode começar, mas, como na desolação da vida, a mágica acaba, e, nós, perversos e ávidos pelo entorpecimento, queremos mais, bulimos mais na plantinha frágil, quase morta.
Como nos ensinaram os filósofos, o artista é o pássaro Scenopoïtes dentiostris que rasga, todas as manhãs, as folhas das árvores lançando-as ao chão, depois, desce dos galhos e as vira pelo avesso. Fingindo nos mostrar a compreensível narrativa, a estória, Ana Miguel nos apresenta caminhos por labirintos de avessos, seduzindo-nos a penetrá-los. Ao sair da visita a seu ateliê, caminhando em direção à Praia do Flamengo, percebi o âmbar das tardes no Rio de Janeiro recortando a paisagem como se estas fossem recortes de papel, envolvendo de maneira um tanto suspeita a pedra que chamam: Pão-de-açúcar.
Exposições individuais (selecionadas)
2010
– “Fechar os olhos para ver”, Galeria Laura Marsiaj, Rio de Janeiro, RJ
2006
– “RAPUNZEL”, El Borde Arte Contemporáneo, Buenos Aires, Argentina
2006
– “LIVRO=SONHO”, Galeria Anna Maria Niemeyer, Rio de Janeiro, RJ
2006
– “Je t’adore”, Espace galerie Flux, Liège, Bélgica
2005
– “Je t’adore”, Le Vivat Scène conventionnée danse & théâtre, Armentières, França
2004
– “Para Conter um Labirinto: Narrativas”, Espaço Cultural Sérgio Porto, Rio de Janeiro, RJ
2002
– “I MISS YOU”, Gallery 32, Londres, Inglaterra
2001
– “Caso de Amor”, Galeria Le Corbusier, Embaixada da França, Brasília, DF
– “As Flores Também Ficam Instáveis e Podem Ferir”, Galeria ECCO, Brasília, DF
2000
– “Florezinhas”, Galeria São Paulo, SP
1999
– “Trazia as mãos frias”, artista convidada, Galeria de Bolso da Casa da América Latina, UnB, Brasília, DF
1998
– “Ostras”, Paço Imperial, Rio de Janeiro, RJ
– “a posteriori”, galeria Athos Bulcão, Brasília, DF
1995
– “Circulación”, 10é Cicle d’Art Contemporani a Gràcia, Barcelona, Espanha
1994
– “De com les ostres produeixen les seves perles”, Sala Fortuny, Reus, Espanha
– “Allò que es llegeix on no es llegeix”, Escola Taller d’Art, Reus, Espanha
Exposições coletivas (selecionadas)
2011
– “Gigantes por la propia naturaleza”, IVAM, Institut Valencià d’Art Modern, Valencia, Espanha
– “Vestígios de Brasilidade”, Santander Cultural Recife, PE
2010
– “Brasília: Síntese das artes”, Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília, DF
2009
– “Outro Vai Ser”, Galeria Anna Maria Niemeyer, Rio de Janeiro, RJ
– “Alcova”, Galeria Laura Marsiaj, Rio de Janeiro, RJ
– “Poética Têxtil”, Oficina Cultural Oswald de Andrade, São Paulo, SP
2008
– “TOQUE”, Museu Arthur Bispo do Rosário, Rio de Janeiro, RJ
– “NINHUMANOS”, Prêmio Interferências Urbanas, Rio de Janeiro, RJ
– “Moradias Transitórias”, SESC Vila Mariana, São Paulo, SP
– “Desenho em todos os sentidos”, SESCs Petrópolis, Teresópolis e Friburgo, RJ
– “Poética da percepção”, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, RJ
– “Relatos Culturais”, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, SP
2007
– “Moradias Transitórias”, Museu Nacional do Conjunto Cultural da República, Brasília, DF
– ARTE PARÁ, artista convidada, Belém, PA
– “80/90 Modernos”, Pós Modernos etc., Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, SP
– “Achados e Perdidos”, SESC Pinheiros, São Paulo, SP
2006
– “Manobras Radicais”, Centro Cultural Banco do Brasil, São Paulo, SP
– “En attendant la reprise”, Cycle Couper/Copier/Coler, La Vénerie, Bruxelas, Bélgica
– “Safety Nest”, Sesc Santo André, São Paulo
2005
– “O Corpo na Arte Contemporânea Brasileira”, Itaú Cultural, São Paulo
– Centre culturel Les Chiroux, Liège, Bélgica
– “A/MAZE”, La Trefilerie, Bruxelas, Bélgica
2003
– “Gentil Reversão” – Versão Castelo, Castelinho do Flamengo, Rio de Janeiro, RJ
2002
– 25ª Bienal Internacional de São Paulo, São Paulo, SP
– “Kunstlieche Liebe”, Kulturzentrum Kammgarm, Kaiserslautern, Alemanha
2001
– “Território expandido III”, SESC Pompéia, São Paulo, SP
– “Tell me no lies”, Museu da República, Rio de Janeiro, RJ
– “Per-Versus”, Espaço Obra Aberta, Porto Alegre, RS
– “Gentil Reversão”, Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília, DF
2000
– “Brasil: Plural y Singular”, MAM de Buenos Aires, Argentina
– “The Theatre of Installation”, Museum of Installation, Londres, Reino Unido
– “O Século das Mulheres, Algumas Artistas”, Casa de Petrópolis Instituto de Cultura, RJ
1999
– “O Objeto / Anos 60-90”, MAM-Rio, Rio de Janeiro, RJ e Itaú Cultural, São Paulo, SP
– II Bienal do Mercosul, Porto Alegre, RS
1998
– “Mais leve que o ar”, obras do acervo do MAB, Galeria Athos Bulcão, Brasília, DF
1997
– “Cegueses”, Museu d’Art de Girona, Catalunha, Espanha
1996
– “New Art”, Barcelona, Espanha / Ateliers Abertos, Barcelona, Espanha
1995
– “My bloody Valentine”, Real Art Foundation, Barcelona, Espanha
– “Infância Perversa”, MAM, Rio de Janeiro, RJ e MAM da Bahia, BA
– “En el otro lado de las cosas”, Tecla Sala, Barcelona, e CAZ la Galería, Zaragoza, Espanha
1994
– Projeto Macunaima, Funarte, Rio de Janeiro, RJ
Prêmios
2008
– Prêmio Interferências Urbanas, Rio de Janeiro, RJ
2000
– Prêmio Internacional da II Bienal ArteBA de Gravura do Mercosul, Buenos Aires, Argentina
1998
– Prêmio do V Salão da Bahia, BA
1998
– Prêmio Candango de Cultura em Artes Visuais por sua exposição a posteriori, Brasília, DF
1996
– Bolsista da Fundació Pilar i Joan Miró a Mallorca, Palma de Mallorca, Espanha
1993
– Finalista na Bienal de Vals, Espanha
– Menção Especial no Premio Nacional de Grabado, Calcografia Nacional, Madri,
assim como nos Prêmios Nacionais de Artes Plásticas em Reus, Catalunha.
1990
– Prêmio Brasília de Artes Plásticas, DF
1985
– Prêmio Carioca de Gravura, RJ
1984
– Prêmio Mini Gravat Internacional, Cadaqués, Espanha
1983
– Prêmio do Salão Paranaense, PR
1981
– Prêmio Carioca de Gravura, RJ
– Prêmio Funarte no Salão da Universidade Federal Fluminense, RJ
Obras em acervos
– Coleção Gilberto Chateaubriand, MAM do Rio de Janeiro
– Coleção Cândido Mendes, RJ
– Museu de Arte Moderna da Bahia
– Museu de Arte de Brasília
– Centre de Lectura, Reus, Catalunha
– Seção de Gravura Contemporânea da Biblioteca Nacional de Madrid
– Fundação ARTEBA, Buenos Aires, Argentina
Bibliografia selecionada
– Herkenhoff, Paulo: Poética da percepção na arte brasileira ou Glossário dos sentidos. In: Poética da percepção, catálogo da exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, 2008.
– Farias, Agnaldo: Ninhumanos. In: Interferências Urbanas, Rio de Janeiro, catálogo, Prêmio 2008.
– Goretti, Nicola: Moradias Transitórias. In: catálogo das exposições no Museu da República, Brasília, e no SESC Vila Mariana, São Paulo, 2008.
– Campos, Marcelo: Desenho em todos os sentidos. In: catálogo, SESC Petrópolis, RJ, 2008.
– Panitz, Marília, Uma imagem… um segredo contado ao pé do ouvido. In: Maquete 3, Brasília, dezembro de 2008.
– De Oliveira, Nicolas, Exchange and Interaction. In: Installation Art in the new millennium: the empire of the senses; London: Thames & Hudson, 2003.
– Jardim, Ana Teresa, “How is it you can all talk so nicely?” In: I MISS YOU, catálogo, Gallery 32, Londres, UK, 2002.
– Israel, Nico, XXV Bienal de São Paulo. In: ArtForum International, vol.40, Summer 2002.
– Farias, Agnaldo, Hotel das Estrelas. In: 25´ª Bienal de São Paulo, Iconografias Metropolitanas, Brasil, 2002.
– Cocchiarale, Fernando, As flores também ficam instáveis e podem ferir. In: Ana Miguel, catálogo da exposição na Galeria ECCO, Brasília, 2001.
– Panitz, Marília, O riso da aranhA. In: Gentil Reversão, catálogo, Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília, 2001.
– Resende, Ricardo, Os Desdobramentos da Gravura Contemporânea. In: Gravura Brasileira; São Paulo: Cosac & Naify/ Itaú Cultural, 2000.
– Tortosa, Alina, O juízo em suspenso no jardim de Ana Miguel. In: Florezinhas, catálogo da exposição na Galeria São Paulo, 2000.
– Taricco, Clelia, Brasil. Plural y Singular. Museu de Arte Moderna de Buenos Aires, 2000.
– Lozano, Amparo, Nota. In: ana miguel, catálogo pessoal para a II Bienal do Mercosul, 1999.
– Salles, Evandro, Descarnamento dos Sentidos. In: a posteriori, catálogo da exposição na Galeria Athos Bulcão do Teatro Nacional de Brasília.
– Lozano, Amparo, Propalaciones y poesis. In: En el otro lado de las cosas, catálogo da exposição na Tecla Sala, Barcelona, 1995.
Posts relacionados
- "Mulherio": o olhar para o corpo feminino por 36 artistas brasileiras de diversas gerações
- Arte, substantivo feminino: 49 artistas mulheres arrecadam fundos para aborto legal
- Rosângela Rennó participa de coletiva com 30 artistas que utilizam o bordado como meio expressivo
- Coletiva "Pequenas Escalas" segue para Manaus
- Últimos dias | “Uma clareira à luz do luar: trocando segredos”, coletiva com Ana Miguel e Nazareno Rodrigues
- Em cartaz | “Uma clareira à luz do luar: trocando segredos”, coletiva com Ana Miguel e Nazareno Rodrigues
- Ana Miguel e Nazareno estreiam a coletiva "Uma clareira à luz do luar: trocando segredos"
- Ana Miguel e Nazareno apresentam "Uma clareira à luz do luar: trocando segredos"
- Últimos dias | Mostra coletiva "Ficções" mergulha no universo das narrativas contemporâneas
- Em cartaz | "Ficções" explora narrativas por trás de obras brasileiras contemporâneas