(ultima atualização em abril/2018)
Belo Horizonte, MG, 1979.
Vive e trabalha em Belo Horizonte, MG.
Indicada ao Prêmio PIPA 2017.
É artista visual da performance. Realiza trabalhos em diálogo com pesquisas que desenvolve sobre o corpo como fronteira variável, superfície de permeabilidade política. Como expressão artística híbrida, a performance inclui diferentes linguagens e os trabalhos indicam como experimento a possibilidade de ser artista através dessa manifestação. Como programas de ação, a performance incita a investigação sobre como o corpo existe como metáfora da cultura, lugar de protesto, espaço de disputas.
Como performer, desenvolve trabalhos em que sua presença está envolvida. Embora possa compartilhar o trabalho através de seus registros em fotografia e vídeo, seu primeiro objetivo é realizar ações, provocar acontecimentos, em que a artista e outras pessoas estejam engajadas em co-presença, no processo de uma dinâmica comum de tempo e espaço.
Site: www.anasantosnovo.com
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes, exclusivamente para o Prêmio PIPA 2017:
Sobre a Performer ou a Artista sem filtro: Outras Vinganças e Desafios
por Ana Luisa Santos
Sou artista visual da performance. Realizo trabalhos em diálogo com pesquisas que desenvolvo sobre o corpo como fronteira variável, superfície de permeabilidade política. Como expressão artística híbrida, a performance inclui diferentes linguagens e os trabalhos indicam como experimento a possibilidade de ser artista através dessa manifestação. Como programas de ação, a performance incita a investigação sobre como o corpo existe como metáfora da cultura, lugar de protesto, espaço de disputas.
Os desafios da artista visual são os desafios da performer. O desafio que envolve a ação de performar como atividade artística. O desafio de articular o trabalho com os agentes e espaços que compõem a rede do mercado de arte contemporânea e que está relacionado às estratégias de compartilhamento do trabalho com outras pessoas. Como artista visual, tento mapear, questionar e inventar outras e possíveis articulações que potencializem o trabalho e contribuam para a difusão da linguagem da performance.
Como performer, desenvolvo trabalhos em que minha presença está envolvida. E embora eu possa compartilhar o trabalho através de seus registros em fotografia e vídeo, meu primeiro objetivo é realizar ações, provocar acontecimentos, em que eu e outras pessoas estejamos engajadas em co-presença, no processo de uma dinâmica comum de tempo e espaço.
A primeira estratégia para disseminar o trabalho é uma plataforma online* em que estão disponíveis os registros e informações sobre as performances. Outra é desdobrar meu trabalho como performer, expandindo realização de situações de caráter compartilhado para outras modalidades além das ações. Atuo em exposições, ateliês abertos, residências artísticas, núcleos de pesquisa e criação como curadora, professora e escritora, atravessando outros estados de presença como artista.
O espaço é o grande desafio em meu trabalho. Minha atuação implica a ativação de espaços (com a instalação de campos de energia, relação e imagens) ou a desativação de espaços, no sentido da ruptura de fluxos rotineiros e da produção de deslocamentos. O espaço é material de trabalho. O espaço é pensamento, argumento, invenção nas ações que realizo. Por isso, atuo em vários tipos de espaço, tanto físicos, quanto sociais. Esse interesse faz com que eu atue, através de intervenções, em locais diferenciados em suas finalidades, configurações e contextos, como a rua, e as diversas modalidades de espaços urbanos. E me leva também a experimentar as dinâmicas dos espaços artístico-culturais convencionais, como galerias, teatros, museus, auditórios, salas, pátios e outros tipos de palcos nos centros culturais, públicos ou privados.
Meu trabalho como performer e curadora envolve o relacionamento direto com os espaços em seus usos e vetores de força, suas características afetivas, arquitetônicas e políticas, suas equipes de trabalho, quando é o caso, trabalhadores da gestão, da segurança, dos serviços gerais, da produção, do educativo, da técnica, da recepção e também seus frequentadores, seus visitantes, seus públicos diversificados.
Isso me permite provocar e experimentar um tipo de mediação direta das pessoas e do espaço com o trabalho artístico, pois como performer, eu estou presente no momento da realização da ação. Essa é uma experiência muito intensa. E propicia a recepção imediata e sem filtro das reações, leituras e sensações reverberadas pela performance. Acredito que essa parte do trabalho é muito interessante e desafiadora no campo das artes da presença para todos os implicados em uma manifestação artística que funciona como uma experiência comum do acontecimento no sentido da vivência compartilhada de uma duração.
Atualmente, estou muito interessada em processos de ocupação, instalação e composição de espaços de diálogos e ações de pesquisa, experimentos, laboratórios de invenção de si e do mundo, de articulação de desejos, de testemunho, de exercício poético, de intervenção política e outras táticas de performance.
Percebo que nesses espaços compartilhados a potência da co-presença é amplificada como processo criativo de linguagem. Nesse momento, estou escrevendo sobre a experiência como curadora e artista residente do PERFURA \ ATELIÊ DE PERFORMANCE, exposição que ocupou a Galeria de Arte GTO do Sesc Palladium diariamente, durante sete semanas, em Belo Horizonte.
No PERFURA assim como na OUTRA PRESENÇA, a primeira exposição dedicada à arte da performance no Museu de Arte da Pampulha, em BH, o espaço onde a ação acontece é também da ordem institucional, ou seja, de uma configuração específica do lugar e das relações que podem se dar nele ou a partir dali. A instituição corresponde às pessoas jurídicas que representam legalmente esses espaços, nos âmbitos públicos ou privados, bem como seus programas de atividades, como editais e convocatórias. As pessoas físicas que trabalham e convivem nesses locais, em suas diferentes equipes e funções, assim como suas audiências diversas, também constituem a organização do que pode ser institucionalizado, bem como sua continuidade. Instituir é realizar a manutenção da percepção sobre algo.
A performance desafia a instituição como espaço ou modo de relação e pode gerar uma transgressão de diversos signos sociais. Pode proporcionar um exercício de questionamento dos valores culturais estabelecidos. Historicamente vivemos em uma sociedade em que suas bases sociais se estabelecem através da exploração da mão de obra de muitos para o bem estar de poucos, onde tudo é voltado para o lucro, corpos viram forças reprodutoras de trabalho e diversas relações de segregação e violência são utilizadas para legimitar comportamentos e padrões que culminam na manutenção do sistema, com o machismo, o racismo, a homofobia.
Minha presença em performance é material de transformação em um contexto pós-colonial. O trabalho constitui um tipo de denúncia, contestação ou provocação ao apontar conflitos do sentido e de percepção do mundo através de imagens e atitudes de experimentação de afeto. Acredito que um dos meus principais objetivos como performer é descascar o corpo coletivo e individual, expondo suas vísceras sociais de maneira ritual.
As diferentes reações experimentadas por quem observa uma performance, sejam energias de perplexidade, identificação, humor, indiferença, apatia ou agressividade, passam também a compor a ação performática e o que ela move como acontecimento. Como performer preciso desenvolver um exercício profundo e constante de escuta, abertura e atenção. A performance realiza uma política relacional, em que a exposição e a vulnerabilidade de minha presença e da presença do outro em suas singularidades podem criar uma reinvidicação ética. O trabalho acontece em colaboração. O reconhecimento do outro me altera.
A articulação da minha presença como performer e da presença do outro que testemunha a ação constitui um tipo de energia que é o material inicial do trabalho. Cada ação vai demandar um tipo ou mais de energias. Mas, de maneira geral, trabalho na diposição de energias mais provocativas, de enfrentamento, ironia, resistência, manifestação ou denúncia. Também recorro às vibrações de empatia, em que os estados buscam o acolhimento, a confiança e a intimidade.
A reverberação energética da presença é testada em diversas disposições, durante a ação, experimentando diferentes localizações em nível rítmico, temático e dramatúrgico a fim de criar várias possibilidades de leitura do trabalho. Elaboro a partitura de gestos, estados e aparências, jogando bastante com o figurino para a configuração performática. Realizo situações instalacionais ou dinâmicas de ações que são coordenadas para funcionar como relações adulteradas com os sentidos institucionalizados.
Os arranjos podem propiciar protagonismos e momentos coletivos, expandindo a percepção do espaço e das imagens e textos colocados como materiais em acontecimento. O ritmo e a duração da ação podem ser lineares ou não, acelerados ou distendidos, o que me exige como performer alterações do corpo, da voz e dos estados dentro e fora da pele.
Absorvo temas das ruas e da sala de estar; a ideologia publicitária; comentários das redes sociais; o verso poético e contemplativo, o grito, a angústia, o surrealismo, o absurdo. Reescrevo e rascunho, a partir do atravessamento de minha experiência corporal e afetiva, os manifestos das ruas, as pós-verdades do noticiário, trechos de reflexões filosóficas e sociológicas, inúmeras fontes e legendas do mundo contemporâneo. Esse mapa de agenciamento opera por intertextualidade, fragmentação ou justaposição de matrizes diferenciadas de imagens, vozes e discursos.
Também me interesso por materiais interditos. No trabalho preciso enfrentar tabus de diversos tipos. Um dos principais é a nudez e todas as questões que a presença do corpo em presença de outros corpos pode manifestar. A performance gera perguntas sobre o que é ou o que pode ser arte; perguntas sobre como se dá o acesso à fruição, prática ou experiência artística. Questionando mecanismos de controle internos e externos, desejo demonstrar como diferentes dispositivos operam sobre o corpo e sobre o espaço.
A partir de suas características abertas e efêmeras, a performance dissolve as expectativas narrativas ou institucionais sobre o que pode acontecer, o que está acontecendo ou quem está realizando o que. É um desafio dissidente que intensifica a pesquisa e amplia a possiblidade de interlocução. Estou em busca de descobrir outras maneiras para o trabalho acontecer; de experimentar outras maneiras com que as outras pessoas possam dialogar com o trabalho. E ao mesmo tempo, atentar para o que não foi incorporado como influência poética ou política: essa matéria viva e instável demanda outras visibilidades e partilhas.
Ensaio compartilhado durante o “Debate Sem Filtro: Conversas sobre os desafios de um artista visual”, com Ana Luisa Santos, Nydia Negromonte, Bruno Cançado e mediação de Marina Câmara, realizado no dia 05 de abril de 2017, como parte da programação da exposição “Tudo é Tangente” organizada pela Casa Camelo, no Memorial Minas Gerais Vale, em Belo Horizonte.