(ultima atualização em julho/2018)
Santo Antônio de Jesus, BA, 1990.
Vive e trabalha em Salvador, Bahia.
Indicado ao Prêmio PIPA 2018.
Tiago Sant’Ana é artista da performance, doutorando em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia. Desenvolve pesquisas em performance e seus possíveis desdobramentos desde 2009. Seus trabalhos como artista imergem nas tensões e representações das identidades afro-brasileiras – tendo influência das perspectivas decoloniais. O açúcar aparece com recorrência em seus trabalhos recentes como uma tática de aproximar o debate sobre colonização com a atualidade, sobretudo, no que tange o racismo e a violência contra a população negra.
Site: tiagosantanaarte.com
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes exclusivamente para o Prêmio PIPA 2018:
Realizou recentemente a exposição solo “Casa de purgar” (2018), no Museu de Arte da Bahia. Participou de festivais e exposições nacionais e internacionais como “Axé Bahia: The power of art in an afro-brazilian metropolis” (2017), no Fowler Museum, “Reply All” (2016), na Grosvenor Gallery, e “Orixás” (2016), na Casa França-Brasil. Também atua como curador independente, desenvolvendo projetos que relacionam arte, ativismo e identidades culturais. Foi curador-assistente da 3a. Bienal da Bahia (2014), além de ter organizado outras mostras como “Campo de Batalha” (2017) e “Future Afro Brazil Visions in Time” (2017). Foi professor substituto do Bacharelado Interdisciplinar em Artes na Universidade Federal da Bahia entre 2016 e 2017.
“Alvo negror”
por Roberto Conduru
Na série Refino e Passar em branco, as performances que Tiago Sant’Ana apresenta por meio de fotos e vídeos em Casa de Purgar, têm um elemento em comum: um homem negro realiza ações repetitivas em meio a ambientes arruinados. Outra constante nestas obras é o branco. Como demonstrou David Batchelor em Chromophobia, o branco é tudo, menos uma cor insignificante. É múltiplo, plurívoco.
Entre os brancos, o açúcar refinado tem uma condição especial. Em Refino, é branco o açúcar que o artista peneira, com o qual se cobre, recobre o chão e o altar da arruinada capela do Engenho Paramirim, cobre e descobre um livro para esconder e revelar imagens de Jean-Baptiste Debret com homens cativos prensando cana de açúcar. Como em Refino, são alvas as roupas de Sant’Ana em Passar em branco, assim como as vestes que ele desamassa e ordena geometricamente com equipamentos contemporâneos, indicando a persistência da ruína para além da casa senhorial do Engenho de Oiteiro, em Terra Nova, outro dos muitos na região do recôncavo que produziam açúcar para a Bahia e o mundo.
No Brasil, desde o século XVI, os processos de fabrico e comercialização de açúcar geraram uma cultura material particular, em boa parte requintada: engenhos, casas, templos e muitas outras coisas. Mas o açúcar era fonte de prazer e dor, demandando artefatos imbuídos de perversão. Necessários à produção de riqueza, estes ambientes, edificações e utensílios também destruíam. Não é por acaso que muitos estão degradados. São máquinas criadas para também arruinar, sobretudo gentes da África e seus descendentes escravizados. Nesse sentido, o branco do açúcar é negro. Seja pelos africanos e afro-brasileiros consumidos a partir dos engenhos, seja pelos pressupostos, processos e efeitos tenebrosos do cultivo desse doce, apurado e alvo pó.
O branco é usualmente visto como signo de pureza e perfeição. Contudo, a partir destas performances de Sant’Ana, é possível entendê-lo como um meio de opressão, desgaste, menosprezo e extermínio de seu oposto: o negro – a cor e, sobretudo, as pessoas a ela associadas. Além de desvelar criticamente o que se pretendia manter oculto, o artista se vale de práticas religiosas afro-brasileiras e usa o branco como elemento purificador, visando a purgar lugares e coisas dos males neles entranhados por séculos.
Trabalho aviltante, corpo negro, ruína e branco dominante são elementos próprios à problemática que Sant’Ana discute: o colonialismo, o tráfico negreiro, a escravidão e seus persistentes efeitos na Bahia desde a implantação do sistema de exploração econômica da cana de açúcar. A ambiguidade do título da mostra, que permite pensar como casa tanto o engenho onde as performances foram realizadas quanto a exposição e, consequentemente, o Museu no qual as obras são apresentadas, estende ao meio de arte a discussão sobre exploração do trabalho e
dominação cultural. E revela a amplitude de sua ações ao mesmo tempo críticas, purgatórias e poéticas.
Obviamente, estas séries de Tiago Sant’Ana estão conectadas à obra de Ayrson Heráclito, quem começou nos anos 1990 a explorar artisticamente o azeite de dendê, a carne de charque e o açúcar, materiais com significados históricos e antropológicos a partir da Bahia, bem como, mais recentemente, rituais religiosos afro-brasileiros como modos de crítica e emancipação em sítios do tráfico negreiro, da escravatura e da colonização. Já disse o grande Willys de Castro: “Em arte, quem não tem pai é filho da puta.” Entretanto, como observou Carl Einstein em Negerplastik, ao analisar a relação dos ditos cubistas com certa arte da África, “o que assume importância histórica é sempre função do presente imediato”. Apresentada publicamente nessa exposição, a parceria artística de Heráclito e Sant’Ana é rua de mão dupla, mais exatamente um rio, o Paraguaçu em seu desaguar na Bahia de Todos os Santos rumo ao oceano Atlântico. Dados os fundamentos das práticas dos dois artistas, podemos dizer que eles partilham, cultivam e expandem um axé, uma família, um terreiro artístico – casa de purgar, criar e transformar. Se, por um lado, a obra de Heráclito se constitui por meio de ações formativas e curatoriais, por outro, é afetada pelos desdobramentos que acolhe, ampara e projeta, mas não prevê nem controla. Sant’Ana confirma e reitera, mas também desdobra e amplia a crítica decolonial por meio de uma poética nutrida em valores da arte e da religião. Em Refino e Passar em branco, ele inquire desde construções arruinantes a convenções de gênero e variados modos de opressão.
Assim, nos dá a ver o negrume próprio ao açúcar, ao branco.
“Do holocausto da escravidão ao genocídio das populações negras”
por Ayrson Heráclito
Quando na década de 1990, fui tomado de assalto reflexivo-poético sobre o passado colonial baiano a fim de criar um conjunto de obras artísticas que revelasse proposições e visualidades sobre as nossas histórias e tensões étnico-culturais. Adentrei segredos, munido por um desejo de atualizar um repertório de forma crítica na tradição artística baiana.
Moveu-me A Poesia da Época Chamada Gregório de Matos e o estudo historiográfico da economia na sociedade colonial brasileira. Meu desafio nesse contexto foi abordar o tema de forma não ilustrativa. Uma distinta pátina da paisagem pictórica que pretendia criar se apresentava fortemente vinculada com a crença indissociável da relação criativa de arte e vida. O corpo, a pele, os sentidos perceptivos e as memórias tinham que está radicalmente abertos para tentar abarcar a complexidade trágica deste raro momento de formação e revelação das nossa feridas históricas e sociais.
Inevitavelmente, veio o dado orgânico da vida dos materiais assim com a danação do “Boca de Brasa” clamando pela perda do Antigo Estado. O açúcar surge como elemento físico e simbólico para descortinar as tensões de um mundo escravocrata à beira do caos e da desordem, sendo o Brasil, na imagem de Antonil,”o purgatório dos brancos, o paraíso dos mulatos e o inferno dos negros”. Voltar ao passado e comentar a decadência da Bahia no período colonial sem o interesse em reconstruir o momento histórico, mas sim em encontrar uma possível leitura da contemporaneidade.
Nos antigos engenhos, a casa de purgar era o lugar em que o açúcar passava pelo processo de refino e branqueamento. É onde se separa um açúcar puro de outros julgados como de menos qualidade. Então, essa imagem da casa de purgar serve como um dado para a exposição do artista Tiago Sant’Ana – já que envolve relações de trabalho, separação e estratificação.
Casa de Purgar é a empreitada de Tiago constituída por um conjunto de oito projetos, nos quais quatro estão reunidos na mostra do Museu de Arte da Bahia. O trabalho se realiza na arte da performance e denuncia os nossos traumas herdados da colonização e do escravismo.
O conjunto tem como metodologia revisitar locais históricos como os engenhos de açúcar e os seus complexos arquitetônicos no Recôncavo da Bahia, quase todos estando em condição de ruínas. São fantasmas de um passado de fausto e dor, arruinados em sua natureza física e presentes como monumento originário da nossa ruína social – a desigualdade étnico-racial brasileira. O artista age sobre esses espaços realizando intensas intervenções corpóreas de profunda imersão na memória e energias dos lugares. Utilizado em diversos momentos, o material açúcar – o amargo ouro doce – serve para protagonizar atos de trabalhos pesados como peneirar, socar, pilar, passar a ferro, amassar e por fim deixar-se soterrar em ruínas de pavor e silêncio.
O que se ouve nos vídeos que registram as ações são apenas sons do trabalho e o que se vê são os movimentos do corpo do artista que escuta e fala do seu lugar de afrodescendente – ativando memórias e fluxos de sentidos que atravessam os tempos e chegam até nós através das lutas pelos direitos humanos das populações negras.
As ações de Tiago Sant’Ana são antes de mais nada uma forma produtiva de enfrentamento de nossas mazelas, o corpo do artista aciona táticas de superação e enfrentamento diante de tantos genocídios negros promovidos por necropolíticas oriundas de um passado colonial. As performance de Tiago Sant’Ana são potentes formas de ativismo poético, se posicionando como discurso crítico no atual cenário de arte afro-brasileira.
Formação
2017-em andamento
– Doutorado Multidisciplinar em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia
2014-2016
– Mestrado Multidisciplinar em Cultura e Sociedade, Universidade Federal da Bahia
2008-2011
– Graduação em Comunicação Social, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
Exposições individuais
2018
– “Casa de Purgar”, curadoria de Ayrson Heráclito, Museu de Arte da Bahia, Salvador, BA
Exposições coletivas
2017
– “Responder a tod_s”, curadoria de Raphael Fonseca, Despina, Rio de Janeiro, RJ
– “Axé Bahia: The power of art in an afro-brazilian metropolis”, curadoria de Patrick Polk, Roberto Conduru, Sabrina Gledhill e Randal Johnson, Fowler Museum at UCLA, Los Angeles, EUA
– “Negros Indícios”, curadoria de Roberto Conduru, Caixa Cultural, São Paulo, SP
– “Festival Performe-se: Fronteiras borradas, fronteiras erguidas”, curadoria de Carla Borba, Galeria de Arte e Pesquisa (GAP/UFES), Vitória, ES
– “Novas Poéticas”, curadoria de Philipe F Augusto, Galeria Cañizares, Salvador, BA
– “Amewa”, curadoria de Marcelo Campos e Thiago Ortiz, Galeria Gustavo Schnoor, Rio de Janeiro, RJ
2016
– “Orixás”, curadoria de Marcelo Campos, Casa França-Brasil, Rio de Janeiro, RJ
– “Reply All”, curadoria de Raphael Fonseca, Grosvenor Gallery, Manchester School of Art, Manchester, Reino Unido
– “Sozinho a gente não vale nada”, curadoria de Lis Kogan e Mari Fraga, Casa Ibriza, Rio de Janeiro, RJ
2014
– Salão de Artes Visuais da Bahia – Edição Especial, Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, BA
– Salão de Artes Visuais da Bahia – Camaçari, Cidade do Saber, Camaçari, BA
2013
– 5º Encuentro de Acción en Vivo y Diferido, curadoria de Tzitzi Barrantes, Bogotá, Colômbia
– 13º Salão Nacional de Artes de Itajaí, curadoria de Josué Matos, Casa da Cultura, Itajaí, SC
– “Mostra OSSO Latino Americana de Performances Urbanas”, Trancoso, BA
– “Mostra OSSO Latino Americana de Performances Urbanas”, Arraial D’Ajuda, BA
– Salão de Artes Visuais da Bahia, Centro Cultural de Teixeira de Freitas, Teixeira de Freitas, BA
2012
– XI Bienal do Recôncavo, Centro Cultural Dannemann, São Félix, BA
– XI Parada Gay de Salvador, Beco dos Artistas, Salvador, BA
– “O performer e sua imagem”, curadoria de Ricardo Biriba, Galeria Cañizares, Salvador, BA
2011
– I Circuito Regional de Performance Bode Arte, Tecesol, Natal, RN
– “Corpo aberto Corpo fechado”, Galeria Cañizares, Salvador, BA
2010
– I Salões de Artes Audiovisuais do Recôncavo, posto de gasolina Dom Pedro I, Cachoeira, BA
– I Virada Cultural do Recôncavo, Centro Cultural Dannemann, São Félix, BA
– “Mostra Mandu de Performances Urbanas”, Casa de Câmara e Cadeia, Cachoeira, BA
– “Corpo em prospecção”, Centro de Artes, Humanidades e Letras, Cachoeira, BA
– “Instalativa”, curadoria de Ayrson Heráclito, Centro de Artes, Humanidades e Letras, Cachoeira, BA
2009
– “Caruru dos 7 Poetas”, Largo D’Ajuda, Cachoeira, BA
Prêmios
2014
– Menção especial, Salão de Artes Visuais da Bahia, Camaçari
2013
– Menção especial, Salão de Artes Visuais da Bahia, Teixeira de Freitas
– Portas abertas para as Artes Visuais, Fundação Cultural do Estado da Bahia
Residências
2016
– Casa Comum, Rio de Janeiro, RJ
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