(ultima atualização em julho/2018)
Santa Maria, RS, 1977.
Vive e trabalha em São Paulo, SP.
Indicado ao Prêmio PIPA 2018.
“Algo de assombroso e ao mesmo tempo familiar nos encara de volta quando olhamos para as imagens de Rodrigo Linhares. O olhar desorientado, perdendo-se no jogo de representações proposto pelo artista. As cenas são quase labirínticas, repetind-se em camadas. Logo reconhecemos que aqueles lugares são eventualmente os mesmos onde estamos – e que a representação do próprio artista, em autorretratos, também se multiplica de forma semelhante, em um limite entre ausência e presença, superexposição e desaparecimento.” – Nathalia Lavigne
Rodrigo é formado em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Santa Maria. Desde 2014 integra o Ateliê Fidalga sob a coordenação dos artistas Albano Afonso e Sandra Cinto. Em 2017, foi premiado no 42º SARP – Salão de Arte de Ribeirão Preto, participou da 8º edição do Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia no Pará e fez sua primeira exposição individual na Adelina Galeria em São Paulo.
Site: rodrigo-linhares.com
Instagram: rodris_1
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes, exclusivamente para o Prêmio PIPA 2018:
Por Bianca Dias para a exposição Rodrigo Linhares no Museu De Arte de Ribeirão Preto em 2018.
DEIXAR-SE ESCAPAR PELO OLHO DO MUNDO
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
e já quase adormecia, ouvi o que parecia
o som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
“Uma visita”, eu me disse, “está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais.”
(O corvo – Edgar Allan Poe – tradução de Fernando Pessoa)
Se há uma ideia de biográfico no trabalho de Rodrigo Linhares, ela é reinventada por jogos de visualidade e uma reinvenção de si, que articula em seu centro a dispersão do eu. Esse movimento acontece a partir da dimensão de um gesto que percorre sua obra, encontrando frestas no acaso para uma desfiguração poética e política.
Nesse processo se permite a abertura de um espaço autoral, numa gestualidade que convoca o que continua inexpresso em cada expressão. A presença do rosto indaga, como o filósofo Emmanuel Lévinas, sobre a questão da alteridade: é o mesmo rosto, mas o que se destaca é sempre outro rosto além da aparência, através de um grito, de uma deformação, de uma epifania ou mesmo do movimento de ocultamento da própria face.
Seus desenhos lavados buscam acolher o acaso na contingência dos espaços que vão acontecendo na desfiguração à beira do abismo, às margens de uma língua, na fricção do papel ou do próprio corpo que se contorce e se modifica no desfiladeiro do sentido, na dilaceração do espaço livre.
A questão da animalidade se efetua na intensidade experimentada no limite de uma violência e de uma transfiguração: o artista oferece seu corpo para se desdobrar em muitos outros de si, sobretudo na figura de um corvo que, na iminência de uma aparição, se presentifica nos gestos, na luz que vai encontrando contornos pela intensidade da água no desenho, esculpindo os subterrâneos de um corpo em transmutação eterna.
Como flashes, os desenhos provocam sobressaltos incômodos e o que se dá a ver é da ordem do acontecimento, precipitação que tremula na linha fina entre uma aparição e outra.
Alternando imagens de si que ora se misturam à figura de um corvo – que já se encontrava presente em exposição anterior em que Algorab fazia referência à nomenclatura, em árabe, de uma estrela localizada na constelação de Corvus – aqui ele se presentifica como a possibilidade de uma convocação, a exemplo do poema de Edgar Allan Poe, em que, certa noite, um sujeito recebe a visita de um corvo. Este só emite um som – “nevermore” – palavra enunciada ao fim de estrofe e que, a cada vez, ganha novo sentido. A repetição, longe de se tornar monótona, instaura uma progressão desnorteante cheia de consequências, assim como as imagens de Rodrigo Linhares, que habitam um espaço incerto, entre a clareza e a obscuridade, flertando com algo que não se oferta com facilidade, entre texturas inexatas, intimidade, ruído e silêncio, numa espécie de êxtase que confirma a sombra como presença da luz.
Se na presença da imaginação popular a figura do corvo se situa como representação do mau agouro, aqui há também o macabro em sua função de suscitação do desejo no sentido da recriação perpétua.
É preciso, então, que o artista se transfigure em corvo, arranque a própria pele transmutando o inumano e o indizível em qualquer coisa que pulse para que isto seja uma saída, uma forma de contornar o vazio, já que este não se evita. Assim como Poe, ele encontra a possibilidade sublimatória que o salva contingencialmente.
O corvo vai encontrando espaço por inquietude, abertura e estranhamento: a ave não revela nada menos, seja por equívoco ou desvio, que uma “verdade” fundamental, impossível de ser dita de outra maneira, ponto de contato entre os possíveis do imaginário e o impossível do real: no poder poético de um voo, no apelo da imagem que é um convite para que possamos sair de nós e nos movermos no abalo de garras, bicos, asas, olhares, fazendo ressoar a aparição da bruma, primeiro através de fotografias tiradas de maneira espontânea nos espaços de trabalho do artista, seguidas dos desenhos que, depois de feitos, são lavados para encontrar o que ficou da pulsão, a mancha e a crepitação da imagem.
No exercício alquímico que captura o desastre na ordem do visível, o artista vai assumindo riscos, colocando sua imagem a delirar, saindo dos sulcos, abismando-se numa experiência de efeito intenso e desconcertante.
Há nessas obras uma abertura ao real que afirma uma beleza terrível como em Rainer Maria Rilke, para quem “o belo não é senão o início do terrível, que ainda suportamos, e admiramos porque, impassível, desdenha destruir-nos”.
Entre um desenho e outro, silêncio e tensão. Na fotografia central da exposição, um reviramento da imagem. No trânsito entre elementos, a criação de um efeito de dissonância no sentido da beleza que acaba revelando, não somente um novo espaço e novos corpos e signos mas, principalmente, os efeitos de algo que se deixou corromper. Daí o sentido de “beleza terrível” que comunica algo que a potencializa, e também a ultrapassa.
Em George Bataille, a beleza é um objeto que invariavelmente pede para ser profanado, deformado. A beleza é a corrosão que vive entre o infernal e o sagrado, o benefício e o crime. A beleza não é anódina, ela porta algo de indomesticável e inconcebível.
Há muitas camadas e uma estranheza que problematiza a ideia de autorretrato. Aqui “o eu é sempre um outro”, uma outra coisa: dentro e fora, ausência e presença.
No texto sobre a caverna de Lascaux, Bataille afirma que o homem nasce de sua obra, mas também é atingido de morte por ela. Origem e morte se fundem num recomeço que se inaugura em cada desenho, entre aparição e desaparição. Rodrigo Linhares não se oblitera na própria imagem. Ao contrário, insiste numa dimensão selvagem e anárquica que sempre irrompe: desde a origem da obra – nas fotografias, passando pela lavagem dos desenhos – até a montagem das imagens no espaço, formando uma constelação em que se afirma, tanto a presença da coisa, como uma suspensão que imanta tudo ao redor e de onde a imagem retira sua própria potência.
O rosto aqui é a humanidade radical: diferença e semelhança, algo que daí se separa ou é arrancado num golpe que visa o negativo das coisas. Assim afirma o artista: “Não contorno a minha cabeça. Eu contorno o vazio em volta da minha cabeça”.
E é esta a negatividade que se afirma como um Santo Sudário, na experiência de uma marca indelével, como uma dança louca e trêmula, que captura em cada metamorfose o movimento ziguezagueante e instável da vida em sua fugacidade e inquietação.
Bianca Dias – psicanalista, ensaísta e crítica de arte
Por Nathalia Lavigne para a exposição Algorab na Adelina Galeria em 2017
“Aquilo que vemos vale – vive – apenas por aquilo que nos olha.”
(Georges Didi-Huberman)
Algo de assombroso e ao mesmo tempo familiar nos encara de volta quando olhamos para as imagens de Rodrigo Linhares. O olhar parece desorientado, perdendo-se no jogo de representações proposto pelo artista. As cenas são quase sempre labirínticas, repetindo-se em camadas. Logo reconhecemos que aqueles lugares são eventualmente os mesmos onde estamos – e que a representação do próprio artista, em autorretratos, também se multiplica de forma semelhante, em um limite entre ausência e presença, superexposição e desaparecimento.
Começamos a notar esse processo com a fotografia talvez mais enigmática desta exposição, vista apenas a partir do segundo andar da galeria. Ocupando toda a parede dos fundos da área externa, quase escondida atrás de uma árvore, a imagem retrata o espaço da cozinha exatamente onde estamos posicionados ao olharmos para a foto. Nela, Rodrigo aparece em primeiro plano à direita, com o rosto encoberto por uma camiseta, mas também em uma imagem ao fundo, à esquerda, reproduzida em formato retangular que lembra o tamanho de um espelho – um reflexo, no entanto, impossível, sem o referencial ali presente. A ideia de uma desorientação, “experiência na qual não sabemos mais exatamente o que está diante de nós e o que não está, ou então se o lugar para onde nos dirigimos já não é aquilo dentro do qual seríamos desde sempre prisioneiros”, como descreve Didi-Huberman, atinge aqui seu ponto máximo.[1]
A imagem produz também outro efeito revelador no procedimento do artista: se há uma expansão do espaço, que vai se multiplicando em camadas, o tempo parece preso ao instantâneo – o registro de uma ação que poderia estar acontecendo naquele momento, assistida através do vidro da cozinha. Claro que a dúvida não dura muito tempo pela simples razão das imagens serem em preto-e- branco. Por outro lado, a ausência de cores reforça o sentido “quase documental” daquelas fotos . O termo é associado ao trabalho do artista canadense Jeff Walls, que abriu mão da fotografia colorida em 1996 como uma estratégia de reforçar o aspecto instantâneo de suas imagens encenadas. A ideia se aplica bem às situações criadas por Rodrigo, entre o voyeurismo de se olhar através uma realidade crua, por vezes banal, e uma ação realizada especialmente para a câmera.
Se a fotografia já se apresenta naturalmente como uma mídia especular – um “espelho do mundo”, seja ele translúcido ou opaco, – o autorretrato reforça ainda mais essa característica. Nesta performance fotográfica mais recente, Rodrigo volta a explorar a noção de espelhamento de outra maneira. Além de sua própria imagem e dos ambientes ao seu entorno, um novo elemento passa a entrar no jogo de reaparições e duplicidade visual. É a figura de um corvo, desta vez, que parece contaminar todos os espaços e situações – seja nas sequências de imagens com representações variadas do animal ou como pura referência nos movimentos de transfiguração entre homem-pássaro encenados por Rodrigo.
Em uma dessas fotos, o artista aparece com apenas um olho à mostra e o resto do rosto ocultado pela camiseta parcialmente vestida. Embora esteja de perfil, por alguns instantes imaginamos o ver em posição frontal – o que torna o fato de vermos apenas um olho mais intrigante e sugestivo, quando se lembra das lendas associadas ao corvo. Em outra sequência, ele encara a câmera da mesma maneira que o faz o pássaro, reproduzido em uma imagem nas mesmas proporções que as suas, reforçando uma espécie de fusão entre sua própria identidade e a do animal.
Associado a uma série de significados simbólicos, o corvo vai aparecendo na exposição tal como foi surgindo para o artista em seus primeiros indícios: uma sequência de imagens acumuladas nas paredes do ateliê que aos poucos foram contaminando sua própria representação naquele espaço. O título da mostra também surge a partir dessa ideia. Na astrologia, algorab faz referência a uma nomenclatura em árabe de uma estrela localizada na constelação de Corvus.
Mas é pela ideia de aparição, de imagens que retornam de tempos em tempos em busca de novas leituras, que a figura do corvo pode ser melhor compreendida nesta exposição. É nesse sentido que Didi-Huberman fala sobre a desorientação mencionada acima – como um dos paradigmas que explicam o “estranho-familiar”(Unheimliche) no conceito freudiano, uma inquietação sobre algo reconhecível porém aterrorizante, que foge à racionalidade. O animal também é visto de forma semelhante no poema de Edgar
Allan Poe, sua representação literária mais clássica: um pregador da destruição que repete ao narrador desiludido a mesma frase desoladora: “Nunca mais, nunca mais.”
Sua imagem, ao contrário, não parece ter desaparecido. Em tempos sombrios, ela se mostra cada vez mais presente, encarnada sob outras formas e figuras talvez não tão aterrorizantes, mas não menos familiares. (Nathalia Lavigne)
[1] Georges Didi-Huberman. “O que vemos, o que nos olha”. São Paulo: Editora 34, 1998, p.231.
Cinco apontamentos sobre Desaparecimento: primeiros estudos
Por Fernanda Gassen para a exposição Desaparecimento: primeiros estudos no Projeto Fidalga em 2016.
1. Melancolia. Tenho apreço quando alguém me convence de um sentido novo para dedicar à uma palavra. Rodrigo mostra, com imagens agigantadas de si, que a melancolia não foge à elaboração de verdade e que, em seu acometimento, não dá possibilidade à forja. Em um ritual de solidão, ela espreita a existência, como o melro faz.
2. Animalário. Enquanto o melro, o pássaro preto, espreita todas as imagens, a gata permanece em casa, ela não sai dali. Ela é da casa. Os touros e dragões existem cada umà sua maneira. Mas os dragões são da ordem da espera, da esperança. Talvez não sejapossível enxergá-los em nenhuma imagem. Já o touro ocupa espaço, se apresenta, se impõe pela postura, desenha linhas de força. Em relação ao modo como habitam, esses
dois últimos, talvez, não sejam sinônimo de hospitalidade.
3. Habitar. Junto de seus animais de ampla estima, aqueles que aparecem e os que não, distintos lugares manifestam-se nas fotografias de Rodrigo. Naquela que é a maior delas encontramos o atelier. Esse espaço novo e temporário incorpora uma camada anterior, a casa. No âmbito dessa última, a presença do artista é reiterada. Em meio a uma profusão de imagens, a pose se faz presente não recorrendo a dramaticidades. Tal fotografia parece conter toda a exposição, onde espaços em camadas abrem janelas. Relevante demarcar que janelas não dão amplo acesso, apenas fazem ver. Irrompem no plano, interpelando o caminho.
4. Desaparecer-se. É notável a presença de Rodrigo. Em eminente repetição, ele se dispõe a habitar espaços que deseja cessar. Mostrar-se para seguir desaparecendo. Opera pela soma, pela reiteração da imagem. Repete a si mesmo quando já é outro ou outra personagem, inaugurando ações que não lhe são próprias antes da fotografia. Teima em estar lá para poder obliterar algo que não é totalmente ele. Construção e desconstrução são um vício explícito e circular, um exercício de anular a semelhança. O embate com a imagem é claudicante.
5. Antigolpe. O clinch produz uma bela imagem: em movimento de defesa abraça-se o inimigo. Os braços não se ofendem, não buscam entrar no espaço vazio do outro para acertar seu oponente, eles se entrelaçam. Interessante forma de aproximação que se dá na disputa. O afeto, certas vezes, consegue viver lugares impensados.
Formação
2018-2014
– Atualmente faz parte do Ateliê Fidalga sob a coordenação dos artistas Sandra Cinto e Albano Afonso
2004
– Graduação em Artes Plásticas pela Universidade Federal de Santa Maria, RS
Exposições Individuais
2018
– MARP, Museu de Arte de Ribeirão Preto (20 de abril a 25 de maio)
2017
– “Algorab”, curadoria de Nathalia Lavigne, Adelina Galeria, São Paulo, SP (26 de setembro a 04 de novembro)
2016
– “Desaparecimento: primeiros estudos”, sala expositiva do Projeto Fidalga, São Paulo, SP
Exposições Coletivas
2017
– “Para que eu possa ouvir”, coletiva de inauguração da Adelina Galeria, curadoria de Douglas Negrissoli, São Paulo, SP
– VIII Prêmio Diário Contemporâneo de Fotografia, Belém, PA
– Participação no projeto Library of Love no Contemporary Arts Center em Cincinnati, iniciativa da artista Sandra Cinto
– 42º SARP – Salão de Arte de Ribeirão Preto Nacional – Contemporâneo, SP
2016
– 44º Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto, Santo André, SP
– Intervenção fotográfica em grande escala no prédio da futura sede da Galeria Adelina, curadoria de Douglas Negrisolli, São Paulo, SP
2015
– 16º Salão Nacional de Arte de Jataí, GO
– 31º Salão de Artes Plásticas de Jacarezinho, PR
– Participação do livro “43 Visões do Monte Fuji por Artistas Contemporâneos Brasileiros”, iniciativa do Ateliê Fidalga, exposto no The Fine Art Laboratory Gallery/FAL, Universidade de Arte de Musashino, Japão
Prêmios
2017
– Prêmio aquisição no 42º SARP – Salão de Arte de Ribeirão Preto
2016
– Prêmio aquisição no 44º Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto, Santo André, SP
Residências Artísticas
2017
– Residência artística no Ateliê de Adelina, São Paulo, SP (junho a dezembro de 2017)
2016
– Residência Paulo Reis no mês de junho em São Paulo, SP
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