(ultima atualização em julho/2018)
Rio de Janeiro, RJ, 1987.
Vive e trabalha no Rio de Janeiro, RJ.
Indicado ao Prêmio PIPA 2018.
“No momento, e já há algum tempo, me interessa a noção de experiência: realizar obras que produzam experiências que proporcionem as condições para que se pense a respeito da experiência, pensar as condições para e os efeitos da experiência.”
Site: gustavoxtorres.com
Vídeo produzido pela Do Rio Filmes exclusivamente para o Prêmio PIPA 2018:
“33 BlastBlast BeatBeat”, 2015, vídeo. Duracão 9’14″
“2 gatinhos”, 2015, vídeo. Duração 1’42”
“Despeço”, 2013, performance. Duração 6’41”
“Palestra II – o dia começa e depois de um tempo o dia termina, Para Gustavo Torres”
Por J. P. Caron
[Texto produzido para a exposição “GRAVAÇÃO – 38 DIAS”, na qual um processo digital de gravação registrava continuamente o som dos dias na galeria de arte, sobrepondo-os cumulativamente até o fim da expo. O texto se dirige a aspectos deste conceito, colocando-se também como um objeto dentro do mesmo processo.]
(O palestrante senta-se a uma mesa munido de um gravador digital. Ele aciona gravação antes de iniciar a leitura do texto. Esta deve ser integralmente gravada e reproduzida após a leitura.)
1. Em O dia começa , depois de um tempo o dia termina, Gustavo Torres faz uso da repetição em loop como índice de um tempo que escorre, imotivado, e que é substituído na segunda parte da peça por outra configuração. O texto, “o dia começa, depois de um tempo o dia termina” é repetido em loop várias vezes sobre padrões repetitivos da guitarra. Ao final do processo esta é amarrada ao amplificador virada para o público, que é então convidado a arremessar pedras.
2. Este texto ocorre pelo menos duas vezes. Uma seguida da outra. A pergunta que se coloca imediatamente é: é ainda informação aquilo que ocorre imediatamente uma segunda vez? Só nos resta esperar pela sua repetição- como e onde se dará, para perceber que ângulos cognitivos passarão à escuta e que outros permanecerão opacos à mesma.
3. Este texto é composto por palavras. Aquele que o escuta, escuta então palavras. Estas palavras se articulam em proposições que são expressões de pensamentos. Pound costumava chamar logopéia a dança do intelecto entre as palavras.
4. Tudo o que falo está sendo gravado. Se o que falo são palavras, palavras são o que é gravado. Se o que faço são sons, eles são sobrepostos ao longo dos dias. Ao longo dos dias todos os sons aqui proferidos enquanto palavras ou ocorridos enquanto eventos são sobrepostos. Falo aqui por cima, sobreposto aos sons de ontem, anteontem e dos dias anteriores.
5. Isto impõe uma relação com o Tempo. Por causa do Tempo, diríamos, tudo o que acontece passa. Ou diríamos, o tempo passa. Mas se o tempo passa, como poderiam os objetos passarem? O tempo, dizem alguns, não passa, o que passa são os eventos. A palavra que eu disse há pouco já passou e quem não escutou e reteve já a perdeu. Ao mesmo tempo, aquilo que falo, diferente dos sons não- intencionados ao nosso redor, possui uma articulação impressa por mim e percebida por quem escuta. Esta articulação é tributária de um alfabeto. Este alfabeto é graficamente determinado- sucessões de marcas que se repetem e diferenciam-se mutuamente- e sonicamente individuado- sucessões de fonemas identificáveis e diferenciáveis uns dos outros. Eu repito sons em seus caracteres relevantes enquanto falo.
6. Toda determinação é seleção. Em seus caracteres relevantes significa: aquele que escuta opera uma seleção daquilo que é responsável pela articulação e que está banhado, como tudo, no plasma caótico de sons, que nada mais são que índices de ocorrências registrados no interior deste planeta e desta atmosfera.
7. “Reflexão antes de uma performance: Uma partitura musical é uma construção simbólica inserida no caos de sons potenciais que permeiam este planeta e sua atmosfera” (Cardew)
8. Assim, a fixação de caracteres relevantes em palavras e sons assegura a sua iterabilidade, assegurando assim a reconhecibilidade de dois eventos como sendo em algum sentido casos do mesmo. Este “M” que pronuncio, aquele “M” que pronuncio. Dois eventos, porém o mesmo.
9. Assim o que estou dizendo é que, sendo este texto repetido ao menos duas vezes, trata- se de uma repetição de algo que é, em si mesmo, e sob um aspecto determinado, um conjunto de repetições.
10. Sim, mas aqui falamos de dois tipos de repetições. Enquanto falo, repito marcas que se identificam e com isso escando o tempo em articulações reconhecíveis. Enquanto falo eu gravo o que eu falo. O que eu falo é critério para eu apertar REC e STOP. O botão de REC inicia uma gravação e o botão de STOP a interrompe. O início e o fim desta fala fornecem o início e o fim do processo de gravação. Mas o que está sendo gravado é a minha fala?
11. Isto deve parecer uma obviedade. Mas é mais do que uma obviedade. É uma obviedade e uma tautologia. A obviedade é que, fornecendo a minha fala o critério de início e fim da gravação, estou gravando a minha fala. A tautologia é mais sutil.
12. Se eu seleciono a fatia de tempo a ser gravada a partir do tempo de fala, o aparelho que grava obedece apenas incidentalmente, pois o que é gravado não é o código, mas as ocorrências. A tautologia se revela no fato de que o que é gravado é gravado- para além do código a ser registrado.
13. Se estas ocorrências são organizadas em unidades que asseguram a sua iterabilidade estas unidades são elas próprias ocorrências e, enquanto ocorrências, sua não-repetição é registrada.
14. Eu dizia há pouco que isto é uma certa relação com o Tempo. O articulado organiza o tempo escandindo-o. Mas o registro que recorda repete o contexto inicialmente inarticulado de onde este articulado emerge. Enquanto gravo meu texto, gravo tudo o que acontece ao redor dele (e que seja passível de registro pelo aparato em questão).
15. Enquanto gravo meu texto, a sala onde ocorre a exposição é gravada, gravando meu texto uma segunda vez. Mas estas não são sequenciais- falo uma vez, falo uma segunda vez, gravadas- mas simultâneas.
16. Ao reproduzir o texto gravado o que se reproduz são ocorrências singulares organizadas em unidades iteráveis. Ao se reproduzir a gravação o que se reproduz são detalhes do universo que comparece nesta sala, capturado até onde o aparato é capaz, em uma unidade iterável.
17. Dentro e Fora. O discurso é uma unidade complexa formada por pequenas unidades iteráveis. A gravação do discurso é ela própria uma unidade iterável formada por unidades iteráveis e não-iteráveis. Porque do ponto de vista da gravação, de tudo o que é passível de registro em seus detalhes infinitesimais, as ocorrências são sempre diferentes.
18. Em 33 BlastBlast BeatBeat, peça de Gustavo Torres, havia dois bateristas de grindcore. Ordens a eles eram dadas de executarem o blast beat, alternadamente a espaços de silencio. Ambos deveriam executar o blast beat o mais exato e em uníssono possível, o que nunca ocorria. Os silêncios gravados nunca eram silêncios. Isso ilustra a duplicidade de indices iteráveis: blast beat e silencio e seu status ontológico enquanto coisa no mundo- ocorrências.
19. Um código é um conjunto de ocorrências definidas em seus caracteres relevantes. Um código é também uma ocorrência entre ocorrências. Tarkovski dizia que o cinema permitia captar a pressão do tempo sobre a tela- a gravação parece funcionar de forma análoga- libera do código escrito e registra os excessos- aquilo que está ao redor- do código.
20. Teríamos de falar da relação entre digital e analógico para defender tal tese. Ela parece mais facilmente defensável no contexto de tecnologias analógicas- aquelas na qual um processo físico é registrado por meio do decorrer de um outro processo físico. A gravação digital, mesmo enquanto gravação, e, portanto, nos dando a impressão do registro de um tempo contínuo, é, já, uma forma de simbolização.
21. Assim, no nível mais profundo do processo de gravação digital, encontramos um novo código. Há apenas um momento atrás eu dizia que códigos eram formados por ocorrências no mundo e que havia, portanto, uma diferença irredutível entre suas marcas, e que era recalcada pelo código e pelo seu usuário.
22. A reprodução de uma fala gravada permite entrever aquilo que não pertence ao código na performance do código, exibindo seu caráter de ocorrência no mundo (como sempre, relativo aos limites do aparato que é usado para o registro). Mas a reprodução de uma gravação digital é também a leitura de um código- que é usado para registrar algo da ordem de ocorrências contínuas no mundo.
23. A chave para compreender está na ressalva que vem sendo repetida- “dentro dos limites do aparato”’; “relativo ao limite do aparato que grava” etc… O que aparece aqui como código articulado, por exemplo, uma sequencia de marcas formando palavras, aparece ali como ocorrências singulares. De forma similar, o que aparece a nós como registro de micro-percepções que ultrapassam a legislação do código, aparece do ponto de vista da máquina como operação simbólica.
24. Assim, quando eu dizia que aquilo que aparece como código, aparece contextualizado em um universo de ocorrências caóticas, é, também, relativo ao aparato- o inarticulado aparece como tal a aquele que é incapaz de articulá-lo.
25. Em não-vazio eu e Gustavo Torres tentamos deixar os aparatos falarem. Penso nesta peça um pouco como a execução simultânea de duas peças- o vinil gravado com o próprio processo de gravação do Gustavo, e minha noisecomposition V – que consiste em gravar camadas e mais camadas de tape hiss- o som da fita vazia- de tal forma a gerar uma textura cheia que resulte precisamente do som do aparato- fita- vazia. Assim, tocamos os dois aparatos simultaneamente. Mas o fato de o vinil precisar ter o seu lado trocado aproximadamente a cada dez minutos impôs à minha peça articulações formais. Assim, não apenas uma justaposição, não-vazio é uma influencia mútua – uma peça se conecta na outra, modificando seu decorrer temporal e gerando um terceiro.
26. Este texto pretende ser algo parecido. Obviamente não é um exame da obra de Gustavo Torres, mas não deixa de sê-lo, ao conectar-se a este processo que é a gravação e sobreposição dos 38 dias e pensar, tanto conceitualmente quanto formalmente- algumas de suas consequências.
27. Este texto leva em consideração o fato de estar sendo gravado e sua repetição imediata será também gravada para ser posteriormente repetida ao longo dos próximos dias. Além de um texto ele é uma das ocorrências a serem registradas ao longo dos 38 dias e procura fazer algo desse status – encenar a distância entre código e ocorrência por meio de sua repetição imediata.
28. O filósofo Nick Land defendia algo como o fim da representação, e, com ela, da teoria. Não mais se tratava de fazer textos sobre algo, mas de fazer textos que são também algo e que fazem algo. Este texto guarda ainda sua alçada referencial – penso, como Wilfrid Sellars, que ele é algo, mas isto não o impede de ser também sobre algo. Enquanto ocorrência ele é algo, enquanto discurso ele é sobre algo.
Tudo o que é sobre algo é também algo.
29. Mas se o código permite o escandir e identificar de unidades inefáveis que passam pelo tempo, a repetição gravada e sobreposta sobre si mesma faz coincidir em um mesmo espaço-tempo tempos diversos. O que ouvimos agora é a sobreposição de todos os dias desde o início da exposição.
30. Assim, se antes eu dizia que a gravação era a composição de uma unidade iterável a partir de unidades não necessariamente iteráveis, a unidade que é 38 dias está sendo composta- constituída enquanto falo. Enquanto operação contra o tempo é o congelamento e sobreposição do mesmo, mas que ocorre ao longo do mesmo,
gerando uma segunda série temporal que empilha os tempos ocorridos anteriormente em um presente absoluto. O dia começa, depois de um tempo, o dia termina. Dias que, gravados, nunca terminam até o fim deste dia de 38 dias.
(Interrompe a gravação e pressiona play. O gravador repete tudo o que foi registrado durante a leitura do texto acima).
“O filme de um espectador”
Por Vladimir Moreira Lima
Pode-se chegar a duvidar de que se trata de um filme, mas estamos indo para lugar nenhum o é. Sua estranheza e diferença com outros filmes? Querer, o tempo todo, coexistir com seu próprio nascimento, desejar para si as máquinas que o produzem e que são o próprio filme: função-projetor no centro da sala de cinema.
Acontece que o realizador deste filme enfrenta o problema da imagem e sua relação com o cinema. Problema que, quando enfrentado criticamente, nos dá o diagnóstico: vivemos em um mundo repleto de imagens, elas nos enganam, nos alienam. Mundo do Espetáculo. Propõe-se: é preciso abandonar a mediação das imagens, acabar com a ilusão, com a alienação…
Gustavo Torres fez um filme. E atinge um ponto em que o problema não é abandonar a imagem, mas mostrar como não se pode sequer abandoná-la, pois, primeiramente, nem se chega a produzi-la. Há aí uma ressonância com Félix Guattari que, na contramão do estabelecido, dizia: vivemos em um mundo cada vez mais sem imagens. Tendo em vista que o que pretende ser imagem está pronto – e não só é imposto como impõe. A imagem agoniza, está quase morta, sobredeterminada pela comunicação. É sob a imagem que a comunicação exerce seu poder, mas elas não se confundem jamais. Não vivemos em um mundo em que predomina a imagem. Vivemos em um mundo da comunicação, que tenta matar a imagem. Não que a comunicação simplesmente nos informasse uma ordem ou nos alienassem de uma liberdade, de uma essência. A própria comunicação é a ordem, uma imposição de como perceber, agir e pensar sempre de acordo com a subjetividade e os valores dominantes. Não só a publicidade e a mass-media nos comunicam as ordens e os modos de ser, mas também o faz os clichês da Arte contemporânea e o do Cinema. E é neste terreno, para além deste terreno, que Gustavo Torres instala a sua máquina, o seu filme, o seu silêncio, a sua imagem.
Gustavo Torres fez faculdade de cinema, mas em uma posição muito singular. Diz ter feito enquanto espectador e não enquanto diretor, roteirista e etc. É paradoxalmente enquanto espectador que pôde realizar seu filme: um espectador que faz um filme para espectadores.
Se todo filme deve ter imagens, o filme do espectador quer, primeiramente, gritar para o cinema e para o mundo que já não há mais imagens para serem percebidas. Grita-se na frente do cinema e diante dos espectadores. Em estamos indo para lugar nenhum, a imagem-sempre-esperada por um espectador qualquer é contraposta ao grito de uma imagem-porvir. Sempre porvir, utópica (função-legenda: “estamos indo para lugar nenhum”). No entanto, inteiramente real, presente e já instalada nas falhas técnicas do projetor, nas ranhuras do fotograma. E esta imagem é, por isso, abertura – por natureza não comunicacional – de outras possibilidades de subjetivação do espectador. Ponto intenso de uma política da imagem, em que se neutraliza a narrativa comunicacional e cria-se a abertura da imagem, pela imagem e pelo cinema, de um outro cinema, um pouco menos reacionário, estereotipado, microfascista. Uma política que não pertence à consciência ou boa vontade de quem faz arte, fruto de uma ideologia, mas que participa indiscernivelmente da criação artística. A arte como política continuada por outros meios. A política como criação de novos modos de vida.
Formação
2018
– Mestrado em Linguagens Visuais, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ
2014
– Programa de Aprofundamento EAV Parque Lage, Rio de Janeiro, RJ
2011-2013
– Cursos livres EAV Parque Lage, Rio de Janeiro, RJ
2013
– Bacharel em Cinema, UNESA, Rio de Janeiro, RJ
Exposições individuais
2018
– “Em Defesa de Quase Nada”, FOZ, Rio de Janeiro, RJ
2016
– “EIPLN”, Centro Cultural São Paulo, São Paulo, SP
– “Gravação”, Casamata, Rio de Janeiro, RJ
Exposições coletivas selecionadas
2018
– “Que Barra”, Ateliê 397, São Paulo, SP
– “Unanime Noite 3”, Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS
– “Abre Alas 14”, A Gentil Carioca, Rio de Janeiro, RJ
2017
– “Unanimous Night II”, Contemporary Art Centre, Vilnius, Lituânia
– “Disco é Cultura”, Centro Cultural Municipal Oduvaldo Vianna Filho, Rio de Janeiro, RJ
2016
– 41º Salão de Arte de Ribeirão Preto, Museu de Arte de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP
– 45º Novíssimos, Galeria IBEU, Rio de Janeiro, RJ
– “You Must Trust Us”, Galeria Cavalo, Rio de Janeiro, RJ
– “Unânime Noite I”, Galeria Bolsa de Arte, São Paulo, SP
2015
– “A Mão Negativa”, EAV Parque Lage, Rio de Janeiro, RJ
2014
– 65º Salão Paranaense, Museu de Arte de Curitiba, Curitiba, PR
– 25ª Mostra de Arte da Juventude, SESC Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP
– 32º “Coopy RIghOTs – 8.Salon”, Hamburgo, Alemanha
– “Projeto Buraco”, Largo das Artes, Rio de Janeiro, RJ
– 65º Salão de Abril, Fortaleza, CE
2013
– XIII Salão Nacional de Arte de Itajaí, Itajaí, SC
– 12º Salão de Artes Visuais de Guarulhos, São Paulo, SP
2012
– “O Meio é a Mensagem”, Casamata, Rio de Janeiro, RJ
Outras situações selecionadas
2017
– “Os Fins Da Arte – 13º Congresso Internacional de Estética”, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG
2016
– Festival “Novas Frequências”, Rio de Janeiro, RJ
– “Lá Fora”, Casa França Brasil, Rio de Janeiro, RJ
– “DESILHA – Seminário de Pesquisa em Arte e Cidade”, Casa França Brasil, Rio de Janeiro, RJ
2015
– Festival Internacional de Música Experimental (FIME), São Paulo, SP
– “11ª Verbo – Mostra de Performance Arte”, Galeria Vermelho, São Paulo, SP
2014 – 2015
– “XII ENCUn – Encontro Nacional de Compositores”, São Paulo, SP
2013/2014/2015
– “Perturbe – Festival de Ruido e Performance”, Curitiba, PR
2013
– 6ª Mostra Live Cinema, Oi Futuro, Rio de Janeiro, RJ
Residências
2017
– Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), São Paulo, SP
2014
– Red Bull Station, São Paulo, SP
Prêmios e bolsas
2018
– Indicado ao Prêmio Pipa
– Indicado ao Prêmio Bravo! de Cultura, categoria Melhor Disco de Música Erudita
2016/17
– Bolsa CNPq para mestrado
2012
– Premiado pela “II Mostra Vide Urbe”, Rio de Janeiro, RJ
Álbuns selecionados
2017
– “BRONTE”, em colaboração com Erick Araújo, Seminal Records, CD, 100 cópias
– “~Ø (não-vazio)”, em colaboração com J.-P. Caron, Seminal Records, CD, 100 cópias
2014
– “Disco Contendo o Som de Sua Própria Gravação”, Disco de Vinil 12”, 5 cópias
2012
– “3 dias / Subo”, em colaboração com Brian Caballero, álbum virtual
– 1. O QUASE-VAZIO
De que maneira a institucionalidade na arte se relaciona à experiência estética do público; e qual pode ser o papel da arte conceitual nesse jogo? Se dizemos que cabe ao público a tarefa de significar obras de arte esvaziadas (mas não apenas), o dizemos sabendo que a apreensão destas obras depende de contexto artístico, o Mundo da Arte, uma teia institucional que garante a visibilidade e legitimação de certos objetos em detrimentos de outros, deste modo regulando não apenas a experiência estética, mas as próprias condições para se ter uma experiência estética.
A questão a ser colocada, então, não é mais quais são as obras de arte, mas qual é a nossa percepção de algo se a vemos como arte. As noções de silêncio, vazio e redução delineiam novas receitas para os atos de olhar, ouvir etc., as quais enfrentam a obra de arte de uma maneira mais consciente e conceitual. A função principal da forma não é mais provocar uma sensação, mas fornecer as condições necessárias para que se produza um pensamento a respeito de.
A impossibilidade de existência do vazio (do silêncio, do nada…) é o que traz essas proposições artísticas para a experiência do público. Ao se encontrarem vazias de conteúdo, essas obras apresentam seu próprio suporte, o substrato material inerente a todo objeto artístico. De outro modo, o vazio de fato, como conceito, não é experimentável. Tender a zero, esvaziar o conteúdo ou a duração, são tentativas de eliminar a possibilidade de experiência (fenômeno) para dar lugar ao conceito. Este, não é apreensível. Senão de modo abstrato, não-experimental.
A arte conceitual mais estrita, ao tentar eliminar, ou diminuir, a experiência se alimenta em um movimento tautológico onde toda a obra de arte é uma definição de arte – a teoria da arte deve dar conta da arte. Desse modo, a arte conceitual garante sua existência pela institucionalidade da arte, e não por sua relação com o público.
Entretanto, não parece possível uma arte que, ao tentar suprimir, ou diminuir, a experiência, resida exclusivamente em conceitos. É a mesma arte conceitual, esvaziada, que nos mostra uma saída para a institucionalização da experiência. Talvez, o esvaziamento sensível da obra de arte produza uma experiência que proporcione as condições para que se pense a respeito da experiência, pensar as condições para e os efeitos da experiência. Uma experiência que confronta a própria idéia de experiência, fazendo pensar sobre o estado da sensação, sobre o que é ouvir, ver e sentir; desafiando as maneiras já instituídas de como ver as coisas.
– 2. EM DEFESA DE QUASE-NADA
A imagem do nada não é o equivalente à representação do nada, tampouco o nada em si. A imagem do nada é aquilo que possibilita entrever o nada.
O quase nada, enquanto proposição artística não tem em vista a realização do nada. Admite sua incapacidade de alcançá-lo, tanto quanto a impossibilidade de efetuação do puro conceito, o nada como conceito.
O quase nada é a experiência do conceito não realizado, ou a não-experiência da possibilidade de existir o nada. Quase nada é uma condição incomensurável e inatestável. Se o nada é uma abstração impossível de ser realizada, como comprovar sua proximidade ou medir seu grau?
Em um processo reducionista no qual o objetivo é, cada vez mais, chegar próximo ao nada, movimentos no sentido de um sempre retrocedente horizonte de nada, há um limite lógico, porém inexato. Não sendo possível chegar ao nada, ao se chegar próximo ao nada, qual seria o passo seguinte?
“— Deve-se vaticinar o fim, ver o dia chegar, sobreviver a ele e então marcar uma nova data.”
Se há um fosso entre conceito e sensação (experiência), o quase nada não pretende aterrá-lo, tampouco construir uma ponte que anule a separação. Planar por sobre o fosso sem a menor intenção de aterrissagem é seu único compromisso. Orbitar o vazio sem nele tocar.
– 3. AS COISAS
Quando as coisas existem, elas existem. Um conceito existe livre da necessidade de um objeto físico que o sustente, ou que seja seu correlato material. Um objeto físico existe independente de justificação à um conceito, a priori ou a posteriori. Um metrônomo (tombado), 30 luvas de látex (uma dentro da outra), um cartaz preto (caído), uma extensão elétrica (conectando duas tomadas), um espaço (no escuro), uma página (onde algo falta). Uma simples reconfiguração material de certos objetos pode dotá-los de novos conceitos, modificar preexistentes, torná-los mais complexos. Quando as coisas existem, elas existem, mas sempre podem existir de outra maneira. Perceber algo é diferente de perceber algo como algo, perceber algo como algo requer o reconhecimento de um conceito que sacode, mesmo que temporariamente, o objeto.
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