(Rio de Janeiro, RJ)
A exposição Córte, individual de Lucia Koch, abre a temporada de 2023 da galeria Nara Roesler no Rio de Janeiro e reúne obras inéditas da aclamada série “Fundos”, em que a artista fotografa interiores de embalagens vazias usadas para acondicionar os mais diversos produtos, e que, ao serem ampliadas para a escala humana, se transformam em espaços arquitetônicos que interagem com o percurso da exposição, criando para o público perspectivas surpreendentes. Quanto ao título da exposição, com a reforma ortográfica de 2009, caiu o acento circunflexo que diferenciava os significados de “corte” para tribunal, lugar do soberano etc., do ato ou efeito de cortar, então a artista decidiu acrescentar um acento agudo na palavra, optando pela diferenciação.
Os trabalhos apresentados são inéditos no Brasil, incluindo algumas obras pensadas especialmente para o espaço da galeria, e outros concebidos para a exposição “Double Trouble” de Lucia Koch no Palais d’léna, em Paris. .Única série fotográfica da artista, “Fundos”, iniciada em 2001, apresentou Koch ao público internacional, e desde então tem integrado exposições individuais e coletivas ao redor do mundo. Em 2022, na turnê “Portas”, de Marisa Monte, imagens como “Café Extra-Forte” e “Frutas” foram projetadas no palco do show, com direção artística de Batman Zavareze, fazendo com que a cantora e os músicos parecessem estar “dentro” da caixa-tela.
“Volumes pequenos proporcionam fotos de ambientes internos que aparentam ser amplos, solenes, belos. Como algo de valor assim insignificante permite tão admirável imagem?”, pergunta no texto que acompanha a exposição Francesco Perrotta-Bosch, arquiteto pela PUC-Rio, mestre e doutorando pela USP. Da mesma forma, Dan Cameron (1956), respeitado curador norte-americano, que escreveu sobre a artista no livro “Lucia Koch” (APC, 2016), comenta: “Na série ‘Fundos’, Lucia escolheu a fotografia como ponto de partida, usando o interior de caixas de papelão e de sacos de papel como “dublês” de espaços arquitetônicos reais, e fotografando-os de maneira a capturar as sutilezas da luz filtrada, como se fossem o interior de capelas ou de residências modernistas”.

Lucia Koch, “Arroz Jasmim”, 2023, impressão de pigmento em papel de algodão, UV fosco ed 16 + 2 PA 100 x 100 cm
PLANO REAL X VIRTUAL
As caixas são fotografadas com luz natural, e suas aberturas pré-existentes sugerem inesperadas janelas para uma “vista” externa. Duas obras da exposição são autoportantes, apoiadas no chão e não na parede, com 2,40m de altura, interceptando assim o fluxo do espectador no percurso expositivo.
Os nomes das obras se referem ao conteúdo original da embalagem, como “Arroz Jasmin” (100 x 100cm), “Silver”, embalagem de transporte de correio (100 x 188 cm), “Kombucha” (150 x 112,5cm), e as autoportantes “Lasagna” (240 x 150cm), “SansGluten” (240 x 109cm) e “SpaghetIéna”(240 x 111cm). Ao se apropriar de um objeto banal, cotidiano, despido de sua função inicial de armazenamento, a artista conduz nosso olhar para os vazios deixados. Essas imagens também sugerem uma reflexão sobre o universo do consumo, a economia do descarte e o vazio. O nome da exposição faz referência a representações gráficas de projetos arquitetônicos, conhecidas como “cortes” transversais ou longitudinais, que complementam a informação dada pela planta baixa.
ESCULTORA
Dan Cameron afirma que: “Lucia Koch é escultora, antes de mais nada, e por isso as obras que cria demandam um grau de materialidade física para poder existirem. Jogando com nossas expectativas de escala, Lucia também costumava imprimir as fotografias em dimensões muito ampliadas, para fazer com que a descoberta do objeto real fosse o mais desconcertante possível”.
ENIGMA, ILUSÓRIO, FANTASIOSO
Francesco Perrotta-Bosch também observa que “na suprema banalidade das caixas, Lucia Koch revela uma inesperada espacialidade arquitetônica”. “O trabalho tem algo de enigma. De ilusório. De fantasioso”, salienta. “Lucia Koch é artista com uma mentalidade renascentista quando trafega desembaraçadamente entre diversos campos do conhecimento. A fantasia engendrada por Koch provém da apropriação do método criado há seis séculos por Filippo Brunelleschi (1377-1446). O florentino concebeu a construção geométrica capaz de representar objetos tridimensionais em planos bidimensionais”.
TUDO ESTÁ VISÍVEL
Lucia Koch destaca que “não faz mágica, que está tudo visível, mesmo que às vezes seja mimético”. “Meu trabalho é muito imediato, dispensa mediação”. Ela diz que seu interesse está na percepção da alteração do espaço que pode provocar uma indagação, uma curiosidade, que leve a pessoa “a imaginar efeitos em outros lugares, a exercer o seu desejo de alterar esses lugares”.
“A percepção é um processo mental”, afirma a artista. O convívio com a mãe Maria Celeste, pesquisadora envolvida com o movimento da Matemática Moderna, adotada pelas escolas no final dos anos 1960, “parece ter incorporado, em sua produção, a disposição para investigar, com autonomia criativa, as diversas formas de resolução de um problema lógico que um conjunto de variáveis indica”, observou o curador Moacir dos Anjos no livro “Lucia Koch” (Coleção ArteBra, Aeroplano, 2009).
Sobre a série “Fundos”, ele escreveu: “Quando expostos em salas de museu ou galeria, os ambientes internos e quase nunca reparados de embalagens feitas para o manuseio apressado da mão se transmutam, por meio de suas imagens ampliadas, em paisagens estranhas e incontornáveis, com frequência da altura de uma parede inteira. Ao desordenar a esperada hierarquia escalar entre aqueles objetos e a extensão das superfícies que suas imagens ocupam nessa série, Lucia Koch desassocia, momentaneamente, as fotografias de seus referentes imediatos, assemelhando-as a perspectivas de lugares inventados. Mas além de pôr à prova maneiras usuais de se relacionar com o espaço, essas fotografias também dependem de uma fonte luminosa externa que ative os interiores escuros das caixas”.

Lucia Koch, “Kombucha”, 2023, impressão de pigmento em papel de algodão, UV fosco ed 16 + 2 PA 150 x 112,5 cm
“Córte”, individual de Lucia Koch
De 16 de março a 6 de maio, 2023
Texto crítico: Francesco Perrotta-Bosch
Nara Roesler
Rua Redentor, 241, Ipanema, Rio de Janeiro, CEP 22421-030
Segunda a sexta, das 10h às 19h; sábado, das 11h às 15h
Telefone: 21 3591 0052
Entrada gratuita