"Bandeirantes #1" e "Bandeirantes #2"

“PIPA de perto: o artista fala na coleção do Instituto” com Jaime Lauriano

Jaime Lauriano é o oitavo convidado do “PIPA de perto: o artista fala na coleção do Instituto”. Selecionamos, quinzenalmente, uma obra adquirida pelo Instituto e pedimos para o(a) artista comentar um pouco sobre o trabalho: seja o processo criativo; a ideia por trás da obra; a conexão com toda a sua produção ou algum outro aspecto que a pessoa deseje compartilhar. O intuito é aproximar o público do universo do(a) artista e da coleção “Deslocamento” do Instituto PIPA, que foi criado em 2010 para apoiar, ajudar a documentar e a promover o desenvolvimento da Arte Contemporânea Brasileira, e que tem o Prêmio como uma de suas iniciativas. Desta vez escolhemos as obras “Bandeirantes #1” e “Bandeirantes #2”, de 2019, que fizeram parte da seção do artista na Exposição dos Finalistas do Prêmio PIPA 2019.

Com trabalhos marcados por um exercício de síntese entre o conteúdo de suas pesquisas e estratégias de formalização, Jaime Lauriano nos convoca a examinar as estruturas de poder contidas na produção da História. Em peças audiovisuais, objetos e textos críticos, o artista evidencia como as violentas relações mantidas entre instituições de poder e controle do Estado – como polícias, presídios, embaixadas, fronteiras – e sujeitos moldam os processos de subjetivação da sociedade. Assim, sua produção busca trazer à superfície traumas históricos relegados ao passado, aos arquivos confinados, em uma proposta de revisão e reelaboração coletiva da História.

“trabalho”, 2017, objetos que retratam a naturalização da escravidão no Brasil (calendários, camisetas, cartões postais, cédulas de dinheiro, cesto de lixo, escultura, porcelana, tapeçarias e quebra-cabeça); gravação a laser da lista de profissões com maior incidência de pessoas negras no Brasil; depoimentos que relatam o racismo estrutural no Brasil, 250 x 500 x 35 cm, foto de Filipe Berndt

Na ocasião de ter sido escolhido como um dos finalistas do PIPA 2019, Jaime deu uma entrevista ao curador do Instituto PIPA, Luiz Camillo Osorio, na qual ambos conversaram sobre diversos pontos da produção do artista, incluindo sua formação e detalhes de trabalhos específicos. Reproduzimos, abaixo, um trecho de resposta de Lauriano, em que ele explica como pensou o recorte dos temas de sua criação artística:

“[…] desde que percebi que gostaria de entender O Brasil como sujeito nação, decidi que focaria minha pesquisa nas imagens produzidas por esse sujeito. Ou melhor, centraria meus esforços para entender a maneira como esse sujeito produzia essas imagens. Porém, como era necessário focar ainda mais a minha pesquisa, determinei o período da escravidão (e pós-escravidão) e da ditadura militar brasileira, como momentos chaves para entender como as imagens produzidas pelo Brasil, sujeito nação, afetavam a construção da sociedade brasileira. Por isso, fui estudar a produção de imagens que retratavam a escravidão no Brasil e como se dava a sua difusão na sociedade contemporânea brasileira”.

Para ler a entrevista completa, clique aqui.

“trabalho”, 2017, detalhe

Já conhecendo um pouco mais da prática de Lauriano, confira o texto que o artista enviou para o PIPA de perto sobre suas obras que estão na coleção do Instituto:

“Denominadas ‘bandeiras’, e organizadas por indivíduos conhecidos como Bandeirantes, diversas expedições partiam sobretudo do atual estado de São Paulo (inicialmente a capitania de São Vicente) em direção ao interior do Brasil em busca de ouro, e para capturar escravizados fugidos e indígenas para uso como mão de obra escrava. Por serem um movimento exploratório, os bandeirantes ultrapassaram os limites do Tratado de Tordesilhas (1494) e ampliaram os domínios portugueses na América. Por conta de seus propósitos, muitas bandeiras se constituíram como verdadeiras expedições de apresamento e destruição de comunidades autônomas e de resistência à escravidão.

Devido às manipulações, inerentes aos processos de construção histórica, os bandeirantes se tornaram figuras polêmicas e contraditórias. Isso ocorre pois existem inúmeras divergências entre as ações empreendidas pelos bandeirantes e a memória construída em torno destes personagens da História do Brasil. Em sua grande maioria, as representações que mais conhecemos, e que povoam o imaginário popular, em especial os habitantes do estado de São Paulo, elevam os bandeirantes ao status de heróis nacionais, sempre caracterizando- os como homens fortes, bravos e destemidos que lutaram contra uma série de intempéries: ferozes índios, verdadeiras fortalezas de escravizados fugidos, entre outras ficções criadas para adjetivarem, ainda mais, as suas ‘conquistas’. Nesse processo, alguns fatos são descartados, como, por exemplo, a nacionalidade dos bandeirantes, uma vez que muitos nem sequer eram portugueses de fato, bem como a realidade social dos mesmos, desconsiderando que muitos eram tidos por persona non grata em Portugal, e também o fato de muitas expedições bandeirantes serem contratadas para exterminar toda e qualquer possibilidade de luta abolicionista encampada por escravizados que fugiam dos engenhos e fazendas.

Em suas expedições, os bandeirantes construíam casas que serviam de abrigo para as suas tropas. Construídas com a técnica de taipa de pilão, possuíam uma planta tipicamente simples. Uma porta central, com alpendre, ladeada por dois cômodos frontais — o quarto de hóspedes e a capela — abre-se para um salão principal, pelo qual tem-se acesso a outros cômodos, ou alcovas.

Os mais conhecidos bandeirantes eram, em sua grande maioria, do que compreendemos hoje como o estado de São Paulo. Dentre eles se destacaram: Antônio Raposo Tavares, Bartolomeu Bueno da Silva, Domingos Calheiros, Domingos Jorge Velho, Estevão Parente, Fernão Dias Paes, Manuel Borba Gato, Morais Navarro e Pascoal Moreira Cabral.

Na série de trabalhos ‘Bandeirantes’, miniaturas que homenageiam os bandeirantes compradas em mercados de pulga, feiras de antiguidade e casa de leilões são refeitas a partir da fundição de latão e cartuchos de munições utilizadas pela Polícia Militar e Forças Armadas Brasileiras. Como base para escultura foi construído um cubo sólido através da aplicação da técnica de taipa de pilão.
A escolha por utilizar os cartuchos de munições utilizadas pela Polícia Militar e Forças Armadas Brasileiras deu-se para evidenciar a centralidade da figura de verdadeiros genocidas, como os bandeirantes, na construção da identidade nacional e da noção de segurança e soberania nacional. Este fato fica claro nos diversos monumentos, praças e rodovias em homenagem aos bandeirantes. Porém, a faceta mais perversa dessas homenagens encontra-se nas homenagens prestadas pelo braço armado do estado, como por exemplo: a OBAN (Operação Bandeirante), centro de informações, investigação e repressão da ditadura militar, que teve em Carlos Alberto Brilhante Ustra o seu nome mais conhecido; ou o Batalhão Bandeirante (binfa-14), grupamento de operações especiais da Força Aérea Brasileira (FAB); dentre outros”.

Jaime Lauriano: “Bandeirantes #1” e “Bandeirantes #2”, 2019, miniatura de monumento em homenagem aos bandeirantes fundida em latão e cartucho de munições utilizadas pela Polícia Militar e Forças Armada Brasileiras sobre base construída em taipa e pilão, bandeirantes #1: 48 x 20 x 20 cm (base) e 22 x 20 x 20 cm (miniatura) | bandeirantes #2: 48 x 20 x 20 cm (base) e 37,5 x 20 x 20 cm (miniatura)

Para saber ainda mais sobre o artista, você pode assistir ao vídeo produzido pela Do Rio Filmes exclusivamente para o Prêmio PIPA 2019, no qual Jaime fala, também, sobre os assuntos mais presentes em suas obras, como a violência e o encobrimento desta no Brasil, e sobre seu trabalho impactante para o MAC Niterói em 2018, quando o artista foi convidado para ocupar a varanda do museu :

Para visitar a página do artista no site do Instituto PIPA, clique aqui.



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