"da série Vistaña", [detalhe], 2016, escultura, vidro e pássaro taxidermizado, 100 x 40 cm

“PIPA de perto: a artista fala na coleção do Instituto” com Ana Paula Oliveira

Ana Paula Oliveira é a sexta convidada do “PIPA de perto: a artista fala na coleção do Instituto”. Selecionamos, quinzenalmente, uma obra adquirida pelo Instituto e pedimos para o(a) artista comentar um pouco sobre o trabalho: seja o processo criativo; a ideia por trás da obra; a conexão com toda a sua produção ou algum outro aspecto que a pessoa deseje compartilhar. O intuito é aproximar o público do universo do(a) artista e da coleção “Deslocamento” do Instituto PIPA, que foi criado em 2010 para apoiar, ajudar a documentar e a promover o desenvolvimento da Arte Contemporânea Brasileira, e que tem o Prêmio como uma de suas iniciativas. Desta vez escolhemos as obras “da série Vistaña” e “Porninho”.

A trajetória de Ana Paula Oliveira é pautada pela criação de instalações que nascem a partir da tensão entre atração e repulsa e entre estabilidade e desequilíbrio.  O resultado visual de seu trabalho causa uma mescla de estranhamento e interesse, que sempre desperta o olhar e a aproximação. Em 2010, a artista foi a primeira vencedora do PIPA Online. Em 2017, ela ofereceu para a coleção do Instituto o livro-objeto “Vouindo”, resultado do Prêmio Edital Proac 2016 com o qual foi contemplada. Por vários anos, o Instituto conversou com Ana Paula sobre aquisição de outras obras, o que se concretizou em 2020, com as obras “da série Vistaña” (2016), “indo adentro” (2010), “Porninho” (2013) e “da série Vistaña” (2013).

“Vouindo”, 2016, livro de artista/escultura, acrílico, couro e chumbo, 22 x 28 x 3 cm

Confira abaixo o relato que a artista enviou especialmente para o PIPA de perto em que compartilha reflexões sobre seus processos criativos, referências e inspirações, e sobre os estranhamentos que compõe as obras. Ana Paula falou dos 4 trabalhos adquiridos pelo Instituto PIPA, com especial destaque para ambos “da série Vistaña” e “Porninho”:

Embora acredite que quem fala é o trabalho em si, é importante também expôr minha reflexão deste fazer, desta experiência, que virou arte. São 4 trabalhos que realizei ao longo de mais de década, e é muito interessante entender o raciocínio através deste lugar também.

A linguagem do cinema, da literatura, as estruturas de narração, seja visual ou escrita, me animam a trabalhar. Adoro ouvir cineastas conversarem: dia destes peguei uma conversa de Tarkovski (que sou enfeitiçada) com o Kurosawa, que me toca a alma. Essas conversas são genuínas demais. Quando assisto um filme ou revejo é incrível, sempre surge algo novo para reflexão, uma nova sensação… É um exercício. Vem daí meus caminhos de pesquisa e estudo, minhas fontes de interesse que muitas vezes desencadeiam idéias e até trabalhos.

Este conjunto de obras que agora compõem o acervo do PIPA foi realizado ao longo de 12, 13 anos (é muito curioso como o tempo passa). E depois percebi que o que desencadeou foi um conto do livro “Três contos”, de Gustave Flaubert. Os três textos são belíssimos, mas o “Um coração simples” me chamou.

A partir disso, fiz meu primeiro trabalho com taxidermia: duas placas de vidro incrustadas no chão e um periquito alçando voo ou segurando as placas. Aprendo muito com essa técnica, que me aponta para outros trabalhos e outras questões. Taxidermia é estranho, e isso me instiga. Outra coisa que agora percebo é que talvez eu seja dos trabalhos em série – a tiragem para mim é estranha. Não consigo fazer tiragem. Para mim cada trabalho é um e, quando se reúnem em torno de um assunto, nomeio como série: quando rondam, se ligam e se entendem na própria poética. Em 2010 foi um dos primeiros, barra de ferro e pássaro, daí vem os com vidro, corte a laser e ninho metalizado da série “Porninho”, e então “Vistaña” – vidros com corte a laser e pássaro taxidermizado.

“da série Vistaña”, 2016, escultura, vidro e pássaro taxidermizado, 100 x 40 cm

O curioso é que a taxidermia era algo distante e até me causava repulsa, mas o trabalho me perseguiu e então me animei. Depois de algum tempo e com este assunto pairando, ganhei e encontrei alguns ninhos de pássaros. Observando cada um deles, percebendo sua arquitetura – objetiva porém orgânica, pelo entremeado de galhos e o aconchego para a vida – resolvi metalizá-los e assim mantê-los na sua essência. A metalização é um processo que configura uma espécie de banho, no qual uma capa de metal encobre, encapa, o objeto.

A série “Porninho” consiste em três trabalhos: nos vidros, o corte a laser recria a geometria planar destes ninhos que se apoiam para se tornar um quando dependem para se formar, pois ficam pendurados, encaixados no vidro, e ainda encostados na parede, conversam com a arquitetura.

Ninho, corte geométrico, superfície plana, o vidro, o ninho… São três tipos de ninhos: um bem estranho que meu pai trouxe do Pantanal; outro deve ser de sabiá que encontrei caído; e outro menorzinho, que deve ser de beija flor, não sei. Colecionei por algum tempo. Metalizados e sendo tão frágeis, resolvi eternizá-los nestes trabalhos.

“Porninho”, [detalhe], 2013, escultura, vidro e ninho de pássaro metalizado, 40 x 140 cm


Na série “Vistaña” – nome em homenagem a um vinho delicioso – este assunto ainda estava me intrigando… Então surgiram os pássaros taxidermizados, encaixados em cortes a laser no vidro. São trajetórias no formato de parte de sólidos geométricos, em que o pássaro incrustado completa o desenho gráfico, incluindo aí a sombra criada pelo corte no vidro e a luz que é projetada na parede também. Este contraponto, esta contradição, me interessa. Este não-óbvio, a esquisitice, me chamam a atenção: o que a princípio parece desordenado tem uma ordem bem estudada e decantada. Preciso realmente de tempo… As pontas que ficam de um trabalho me mandam para outro. As faltas de explicação precisam estar nos meus trabalhos em geral e é assim.

Para visitar a página de Ana Paula no site do Instituto, clique aqui.



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