No episódio desta semana do PIPA Podcast, conversamos com Lula Wanderley, artista, psiquiatra e diretor do vídeo “Arte é o futebol sem bola”, e Pedro Duarte, doutor em Filosofia e professor da PUC-Rio, e fomos acompanhados pelo curador do Instituto PIPA, Luiz Camillo Osorio. Os convidados discutiram o aspecto estético e artístico do futebol, abordando a experiência plástica do esporte e os elementos que o constituem para além do gol.
A conversa partiu do texto “Futebol e Arte”, publicado em 22 de janeiro de 2021, em que Camillo debate a arte de filmar o esporte. Após a morte de um dos maiores jogadores da história, o argentino Diego Maradona, o curador compara o futebol do século XX com o assistido hoje e vigiado pelo VAR, além de analisar a “câmera que quer mostrar o que não se vê” tanto no campo como nas telas de cinema e instalações de arte que retratam o futebol.
Confira, abaixo, uma fala de Luiz Camillo Osorio feita durante o episódio:
“O futebol é o esporte que por mais que se adeque à intensidade mecânica, física e tática, ainda está exposto ao improviso e ao risco; ainda é esse lugar de experiência trágica”.
Ouça agora o episódio aqui no site ou acesse nas plataformas de streaming, como Spotify e Apple podcast, além do nosso canal Prêmio PIPA no Youtube.
Os episódios do podcast estão sendo gravados remotamente, por meio de videoconferência. Abaixo, você pode conferir as referências que são feitas durante a conversa.
R E F E R Ê N C I A S
- Filme documentário “Diego Maradona”, do diretor Asif Kapadia
O longa, feito a partir de 500 horas de filmagem nunca antes vistas e lançado em 2019, aborda a carreira do jogador, com sua passagem pelo Napoli nos anos 80 e seu envolvimento com a máfia.
Luiz Camillo Osorio comentou brevemente sobre o filme em seu texto “Futebol e Arte”:
“Ano passado vi o documentário sobre Maradona de Asif Kapadia. Li àquela altura que ele não havia gostado. Eu gostei. O foco do filme foi no período napolitano, onde o craque foi do céu ao inferno em 3 anos. Vitórias, títulos impensáveis, máfia, drogas, veneração, paranoia. Depois de um título italiano, numa comemoração que tomou conta de Nápoles por semanas, para se ter ideia do que isso representa aos amantes do futebol, deixaram uma faixa na entrada do cemitério – ‘vocês não sabem o que perderam’. Maradona era Deus em Nápoles. Segue sendo”.
Assista abaixo ao trailer oficial do longa:
- Vídeo do Lula Wanderley: Arte é o futebol sem bola
O vídeo, que começa com uma frase de Nelson Rodrigues (“No futebol, o pior cego é aquele que só vê a bola”), “Mostra que futebol não se reduz à bola, mas à dinâmica dos corpos a sua volta, a coreografia e a plasticidade dos corpos em máxima concentração e performatividade”, como explica Luiz Camillo Osorio no texto “Futebol e Arte”. O curador do Instituto PIPA, escreveu, ainda, sobre o vídeo:
“Wanderley mostra em sequência três gols históricos de Copas do Mundo (Pelé em 1958 contra a Suécia; Maradona em 1986 contra a Inglaterra; Romário em 1994 contra a Holanda). Só que ele tira a bola de cena e deixa o lance se desenrolar sem ela. Sobram, na mais alta potência, a fantasia, a dança e o combate dos corpos em movimento, próprios do futebol. A retirada da bola mostra toda a beleza envolvida como uma coisa só – a preparação da jogada, o gol e a comemoração. E a câmera é testemunha e promotora destes momentos extraordinários – ainda, naquela altura, sem o corta barato do VAR para interromper o gozo”.
Confira abaixo o vídeo de Lula Wanderley (infelizmente em qualidade inferior à original):
- Filme do Zidane com 17 câmeras em uma partida
Durante a conversa, Luiz Camillo Osorio menciona um filme no qual diversas câmeras acompanham o jogador Zinedine Zidane. O longa se chama “Zidane: A 21st Century Portrait” (Zidane: Um Retrato do Século 21), lançado em 2006 sob a codireção de Douglas Gordon e Philippe Parreno.
Abaixo, confira um pouco sobre o longa a partir de um trecho do texto publicado no portal O Globo em 25/05/2006, de título “Zidane estrela documentário fora do padrão em Festival de Cannes”:
“[…] o jogador de futebol francês Zinedine Zidane aparece no Festival de Cinema de Cannes este ano num documentário incomum que pegou muitos espectadores de surpresa.
‘Zidane: A 21st Century Portrait’ (Zidane: Um Retrato do Século 21) é um filme impressionista e experimental que destoa em muito do tratamento tradicional dado a celebridades retratadas em documentários.
O meio-campista é filmado em tempo real por 17 câmeras diferentes durante uma partida disputada em abril do ano passado entre seu clube, o Real Madri, e o Villareal. O espectador vê closes de seu rosto, tornozelos, mãos, pernas e tórax, e em outros momentos a câmera abre o ângulo de visão para abarcar o estádio inteiro.
As imagens entram e saem de foco, e o som em alguns momentos é um rugido ensurdecedor, e em outros se reduz ao silêncio. O uso de música eletrônica cria tensão crescente, e a trilha sonora também inclui a gravação de uma partida de futebol num campo escolar.
Ao contrário da cobertura televisiva das partidas de futebol, a ação é muito pouco contextualizada. O filme opta, em vez disso, por focar exclusivamente o jogador Zidane, que entra e sai da partida.
[…] Mas o filme também parece defender a idéia de que o futebol não passa de um esporte, sem significado maior, que envolve homens correndo por um campo e dando voltas por um gramado”.
Para ler o texto completo, clique aqui.
No texto “Futebol e Arte”, de Luiz Camillo Osorio, há um parágrafo sobre o filme.
- Propaganda argentina da Copa América
A propaganda, citada no episódio por Pedro Duarte, é da cervejaria Quilmes e diz respeito à primeira competição oficial que será disputada pela Argentina após a morte de Diego Maradona, chamado de Diós pelos argentinos. Ao final do vídeo, está escrito: “Es la primeira copa con Dios em el cielo. Si hizo lo que hizo en la cancha, imaginate desde el cielo”, cuja tradução é: “É a primeira copa com Deus no céo. Se fez o que fez no campo, imagine desde o céu”.
Confira o vídeo abaixo:
- Vídeoinstalação de Harun Farocki
Leia abaixo um texto de Diedrich Diederichsen, publicado no site de Harun Farocki, sobre a obra Deep Play, composta por 12 monitores, cada um com um aspecto da final da Copa do Mundo de 2006 entre Itália e França, partida marcada pela cabeçada de Zidane no peito do zagueiro Materazzi.
O texto está disponível em inglês e alemão, mas fizemos uma tradução para o português:
“É conhecimento comum que o futebol é a nossa vida. E, como a vida, estamos sempre tentando melhorar nossa compreensão dele. A piada é que ele constantemente frustra nossas tentativas, mas isso também é algo que tentamos otimizar. O trabalho Deep Play de Harun Farocki é composto por várias perspectivas da final da Copa do Mundo de 2006. Nós vemos o ‘feed limpo’, o material bruto dos canais de televisão. Vemos jogadores individuais de cada time, mas também representações abstratas do fluxo da partida feitas por computador. A rede inteligente de relações entre jogadores que estão chutando, passando, recebendo a bola e correndo – uma rede que absorve decisões espontâneas individuais assim como ideias táticas e hábitos enraizados na cultura do jogo – é infinitamente complexa por conta do tamanho do campo. Isso corresponde aproximadamente à gama de constelações possíveis oferecidas por um grupo de guppies em um aquário de tamanho médio. Isto pode ser sublime, mas também nos deixa tristes. Porém, o jogo não é apenas classificado, avaliado e transferido para outros sistemas, por exemplo, por especialistas de confiança que analisam e avaliam todos os eventos quantificáveis. Nós também experimentamos a calma majestosa de um dia de verão se encaminhando para o fim acima do Estádio Olímpico. Escutamos muitas trilhas sonoras, desde o rádio da polícia até as palavras de equipes de produção de TV de todo o mundo, alternando entre o discurso dominante, consequente e reflexões contemplativas sobre os acontecimentos. Acima de tudo, o que todos experimentamos é como o laboratório do futebol é capaz de exibir a tecnologia mais avançada na produção e apresentação de imagens móveis. Todos os fãs e seguidores de simulação e documentação, filmes, TV e jogos de computador começam a esquentar enquanto assistem. Vemos como os desejos dos consumidores, dos treinadores e da polícia são estranhamente próximos. Exatamente como são na vida real”.
Para acessar a página sobre o trabalho no site do artista, clique aqui.
- Frase do Nuno Ramos
Durante a conversa, Camillo leu uma citação do texto “Depois do 7 x 1 – O ‘verdadeiro futebol brasileiro’ está matando o futebol brasileiro”, escrito pelo artista Nuno Ramos e publicado pela revista piauí em agosto de 2014. Confira a citação abaixo:
“Vejo no futebol quase que um resíduo cultural de contato com o risco e o improvável, o detalhe fatal e a injustiça final, que se opõe às 700 monadas discursivas, todas voltadas para si mesmas, que organizam o mundo contemporâneo, anodizando-o”.
Para ler o texto completo, clique aqui.
- Texto do Marco Antonio Coutinho Jorge
Durante a conversa, Mariana Casagrande menciona o valor civilizatório do futebol a partir do texto de Marco Antonio Coutinho Jorge publicado na Folha de S.Paulo em 25/06/2014. Neste, o psiquiatra, psicanalista, professor e pesquisador da UERJ discorre sobre o esporte e sobre as expectativas para a final da Copa de 2014, embasando-se em conceitos de Freud.
Leia um trecho abaixo:
“Do ponto de vista da psicanálise, a potência do futebol provém de sua capacidade de pôr em ação, de forma sublimada e portanto a favor da civilização, as forças pulsionais agressivas que, conjuntamente com as pulsões sexuais, constituem importante parte do acervo das pulsões que movem o desejo dos homens”.
Para ler o texto completo, clique aqui.
- Exposição e filme da Nise da Silveira
Ao final do episódio, Mariana Casagrande comenta a presença de uma frase de Lula Wanderley na exposição sobre a Nise da Silveira no CCBB RJ. A mostra, chamada “Nise da Silveira – A revolução pelo afeto”, reúne cerca de 90 obras de clientes do Museu de Imagens do Inconsciente, como Carlos Pertuis, Adelina Gomes, Emygdio de Barros e Fernando Diniz, ao lado de peças de Lygia Clark e Zé Carlos Garcia, fotografias de Alice Brill, Rogério Reis e Rafael Bqueer, vídeos de Leon Hirzsman e Tiago Sant’Ana e aquarelas e fotos de Carlos Vergara. Com curadoria do Estúdio M’Baraká, a exposição valoriza a dimensão vanguardista e criativa de uma das maiores cientistas do Brasil, reconhecida internacionalmente. A mostra fica em cartaz até 16 de agosto de 2021, e pode ser visitada com agendamento de quarta a segunda-feira, de 9 às 18h (para saber mais, clique aqui).
O filme sobre a mesma figura, também citado por Mariana, é “Nise: O Coração da Loucura”, lançado em 2016, dirigido por Roberto Berliner e protagonizado por Gloria Pires. Leia a sinopse a seguir: “Nos anos 1950, uma psiquiatra contrária aos tratamentos convencionais de esquizofrenia da época é isolada pelos outros médicos. Ela então assume o setor de terapia ocupacional, onde inicia uma nova forma de lidar com os pacientes, pelo amor e a arte”.
Assista ao trailer abaixo: