“Em Profundidade - Campos Minados/ Série de Angola #01”, 2018, impressão em pigmento mineral sobre papel Hahnemulle Matte ed 1/5 +1PA, 110 x 72 cm

“PIPA de perto: a artista fala na coleção do Instituto” com Alice Miceli

Alice Miceli é a quarta convidada do “PIPA de perto: a artista fala na coleção do Instituto”. Selecionamos, quinzenalmente, uma obra adquirida pelo Instituto e pedimos para o(a) artista comentar um pouco sobre o trabalho: seja o processo criativo; a ideia por trás da obra; a conexão com toda a sua produção ou algum outro aspecto que a pessoa deseje compartilhar. O intuito é aproximar o público do universo do(a) artista e da coleção “Deslocamento” do Instituto PIPA, que foi criado em 2010 para apoiar, ajudar a documentar e a promover o desenvolvimento da Arte Contemporânea Brasileira, e que tem o Prêmio como uma de suas iniciativas. Desta vez escolhemos a série “Campos Minados – Angola”.

Miceli desenvolve seu trabalho através de pesquisas em viagens investigativas com a intenção de mostrar manifestações virtuais, físicas e culturais de traumas ocorridos em paisagens naturais e urbanas. A artista trabalha com fotografia e vídeo, focando nas barreiras e potencialidades dessas mídias e suas materialidades específicas. Lidando com assuntos sociais e políticos, Miceli explorou, por exemplo, locais como a Zona de exclusão de Chernobyl, na Bielorússia, e trabalhou com arquivos de pessoas assassinadas no Cambodia, sob o regime do Khmer Vermelho. Em outra pesquisa, fotografou e examinou campos minados em lugares como Camboja, Angola, Colômbia e Bosnia, ainda infestados com minas terrestres. Seu objetivo é evidenciar visualmente no espaço as consequências da contaminação das minas e de outros resquícios explosivos de guerra nos mais variados contextos de regiões gravemente afetadas.

“Em Profundidade (campos minados) #03”, Série Bósnia, 2016. Comunidade de Obudovac, município de Šamac, BiH, 9 impressões de larga escala

Em 2014, Alice foi eleita, pelo Júri de Premiação, a vencedora do Prêmio PIPA e também foi a artista mais votada na exposição dos Finalistas no MAM Rio, sendo a vencedora do Prêmio PIPA Voto Popular Exposição. Ela apresentou na mostra a série “Campos Minados – Camboja”, obra que doou ao Instituto PIPA na época. A viagem a Angola, comissionada pelo Instituto, foi o último destino de Alice para a série “Em Profundidade: Campos Minados”, composta também por fotos tiradas em campos minados no Camboja, na Colômbia e na Bósnia. A série completa, adquirida pelo Instituto, foi apresentada pela primeira vez na exposição de 2019 na Villa Aymoré. Na ocasião, a artista conversou com o curador do PIPA, Luiz Camillo Osorio.

Confira, abaixo, uma observação de Camillo sobre as imagens produzidas:

“[…] deixar aparecer isso que não está evidente, que não é capturável e que de certa maneira é um elemento que falta quando a gente descreve a imagem e não tem como descrever a mina. Ela fica como uma potencialidade que não se evidencia”. 

Leia aqui o texto curatorial de Camillo sobre a individual de Alice na Galeria Aymoré.

Vista da exposição “Em profundidade (campos minados)”, Galeria Aymoré, 2019

Em seguida, leia o texto que a artista mandou sobre seu trabalho para o PIPA de perto, assim contribuindo para o entendimento da série, e em especial do projeto de Angola:

“O processo de trabalho em Chernobyl me levou a considerar questões de representação de paisagem. Mais especificamente, de uma paisagem, nesse caso, que foi alterada fundamental porém invisível; uma paisagem que é vazia e, ao mesmo tempo, repleta de uma energia invisível: a radiação que está no espaço por toda a parte, mas que que não se revela à nossa visão, exceto pelos rastos de destruição que deixa para trás e o espaço ‘negativo’ que termina por ocupar de forma permanente, porque para todos os efeitos, em se considerando a temporalidade humana, a duração da contaminação radioativa é eterna. Depois que terminei o projeto Chernobyl, percebi então que queria levar essa questão adiante e pensar quais outros espaços inacessíveis há no mundo, e que outras problemas de representação eles poderiam levantar. O próximo passo, me ocorreu, seria olhar para locais tomados por minas e outros explosivos remanescentes de guerras.

Apesar desses espaços, como o da Zona de Exclusão de Chernobyl e de campos minados em diferentes partes do mundo, serem decorrentes de eventos traumáticos tais quais guerras, conflitos e desastres e serem localizados historicamente no tempo com uma data marcada, não se limitam contudo apenas ao passado. Perduram, se estendendo ao tempo presente, dado que Chernobyl continua tomado pela radiação gama invisível até hoje e assim seguirá ainda por centenas de anos; e Angola, Colômbia, Camboja e Bósnia também seguem com seus ambientes tomados por explosivos mesmo décadas depois que os conflitos responsáveis por esta situação já tenham terminado. São, desta forma, ocupações que continuam contemporâneas à nossa existência atual no planeta.

Um dos lugares com o pior problema de ‘contaminação’ por minas terrestres segue, hoje em dia, sendo Angola. Durante a guerra de independência com Portugal, que terminou em 1975, esses tipos de explosivos foram empregados, e depois, durante os vinte anos de guerra civil que se seguiram à independência, também, e de forma extensiva, resultando na maior densidade de explosivos por metro quadrado do planeta. Por lá, em certas regiões, há mais minas do que gente.

Nessa situação, dentro do espaço de um campo minado, posição é o elemento mais crítico: a diferença de um passo ao outro pode ser a diferença entre a vida e a morte. Posição que, em fotografia, articula o que se vê e de onde, a partir de qual e de quantos centímetros de terra se tem debaixo dos pés. Assim, a operação poética do trabalho se dá, justamente, na ativação desses elementos tanto em relação à minha atuação de decidir acessar e criar pontos de vista por dentro desse espaço tomado, onde teoricamente ninguém deveria mais pisar, como também na consequência dessa ação para a imagem fotográfica, do que dela se dá a ver nessa tensão entre esses dois polos”.

Veja, na sequência, as imagens desta série (dica: tente a visualização pelo computador. Clique na primeira imagem à esquerda e, depois, clique diversas vezes na seta da direita no teclado. Dessa forma, você sentirá que está se movendo pelo espaço junto com a artista).

Alice também participou de um dos episódios do PIPA Podcast. Para ouvir, clique aqui.

Para conhecer mais sobre a coleção do Instituto PIPA, visite o site do Instituto aqui.



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