No dia da Consciência Negra, marca-se a necessidade de uma reparação histórica em um país ferido pelas memórias e reminiscências do racismo estrutural implementado pelo passado colonial nas Américas. Dia 20 de novembro é a data escolhida em menção ao dia da morte de Zumbi, um dos maiores líderes anti escravagistas e quilombolas do Brasil. A efeméride nos sugere, nacionalmente, reconhecer e valorizar as raízes culturais e históricas dos nossos antepassados africanos e nos indica que ainda estamos longe de viver em uma sociedade igualitária.
A escravidão deixou fraturas e desigualdades sociais extremas e é dever de todos enxergar o sistema de opressão racial em que vivemos e, a partir disso, atuar em mudanças reais. Um levantamento realizado em 2019 pelo artista, curador e pesquisador Alan Ariê mostrou que, dos mais de 600 artistas representados por galerias em São Paulo, só 5% são pretos ou pardos. Outra pesquisa elaborada pela educadora, curadora e pesquisadora Luciara Ribeiro concluiu que apenas 76 dos curadores são pretos ou pardos, de um total de 300, e que em cargos de diretoria artística de grandes museus esse número cai para 3. Por outro lado, diversas iniciativas estão surgindo com o objetivo de mudar essa realidade: plataformas como a 0101, de Keyna Eleison, é um exemplo de pressão do mercado de arte para maior inclusão de artistas negros em coleções e acervos de arte.
Para tentarmos simbolizar as marcas que permanecem vivas no cotidiano nacional e homenagear a luta de resistência de artistas negros brasileiros, selecionamos alguns trabalhos de artistas finalistas do Prêmio PIPA, de todas as edições, que refletem a questão da negritude no país. Antonio Obá, Arjan Martins, Jaime Lauriano, Maxwell Alexandre, Paulo Nazareth e Renata Felinto são grandes nomes da arte contemporânea brasileira, cada um com sua temática e vivência. Os artistas falam de um lugar de negritude a partir de diversas perspectivas individuais, como a maternidade solo para uma mulher negra; a infância vivida em uma favela carioca; as violentas relações mantidas entre instituições de poder e controle do Estado com corpos de cor preta; as heranças da escravidão; além do espelhamento de si em religiões de matriz africana e outros signos culturais afrodiaspóricos.
Veja abaixo os finalistas e vencedores do Prêmio PIPA que elaboram essas temáticas:
Antonio Obá (finalista do PIPA 2017)
Nascido em 1983, em Ceilândia, cidade–satélite de Brasília, Obá reconfigura aspectos de uma tradição interiorana que permeia o universo religioso brasileiro. O artista reflete criticamente sobre a ideia de um dito sincretismo e situações históricas ligadas ao preconceito étnico. Ele traz em suas obras uma memória afetiva, que propõe a reflexão íntima sobre o corpo (seu corpo miscigenado, negro, preto), mas que se dá (a rigor do termo) em sacrifício em narrativas que contam uma história brasileira vista de um corpo que finca os pés nas raízes de uma tradição, em vários contextos, ainda marginalizada. Veja trabalhos do artista:
Arjan Martins (vencedor do PIPA 2018)
Argentino Mauro, o Arjan, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 1960. O artista, que pode ser vinculado à genealogia expressionista, imprime em suas pinturas um conjunto de signos afro diaspóricos. As rotas dos navios negreiros, os barcos a vela, as coroas imperiais portuguesas, assim como símbolos contemporâneos da negritude são marcas de sua evidente e singular autoria.
Veja algumas pinturas abaixo:
Jaime Lauriano (finalista PIPA 2019)
Com trabalhos marcados por um exercício de síntese entre o conteúdo de suas pesquisas e estratégias de formalização, Jaime Lauriano, artista paulista de 35 anos, nos convoca a examinar as estruturas de poder contidas na produção da história. Em peças audiovisuais, objetos e textos críticos, Lauriano evidencia como as violentas relações mantidas entre instituições de poder e controle do Estado – como presídios, embaixadas, fronteiras – e sujeitos moldam os processos de subjetivação da sociedade. Assim, sua produção busca trazer à superfície traumas históricos relegados ao passado, aos arquivos confinados, em uma proposta de revisão e reelaboração coletiva da história.
Maxwell Alexandre (finalista PIPA 2020)
Carioca, de 30 anos, Maxwell vive e trabalha na favela da Rocinha. Criado em berço evangélico, o artista serviu o exército e foi patinador de street profissional durante 12 anos. Graduou-se em design por uma universidade católica, a PUC-Rio, no ano de 2016. Maxwell considera suas obras orações e seu ateliê um templo, referências que estão presentes em suas performances, pinturas, intervenções e até em seu novo álbum de música. Seus trabalhos incluem signos da infância vivida na Rocinha, desde os momentos de lazer e diversão até os episódios de violência policial, além da experiência de se desenvolver sob influência de determinadas práticas da Igreja.
Paulo Nazareth (vencedor PIPA 2016)
Nascido em 1977, na cidade de Governador Valadares, MG, Paulo Nazareth carrega em si a bagagem de andarilho, tendo percorrido longas distâncias, da aldeia de Caiová à Nova York, de Miami à Mumbai dentre vários destinos curiosos. Dessas experiências, poderia haver uma desconfiança que os signos narrativos de Nazareth se perderiam, mas não, o artista consegue unir diferentes referências em prol de um relacionamento plural entre a historiografia estética brasileira e o caminho de volta do homem às suas origens.
Nazareth trabalha com o corpo, com o qual o artista coleciona narrativas e se coloca em cena como espaço expositivo e de experimentação.
Renata Felinto (finalista PIPA 2020)
Paulista de 42 anos, Renata é doutora e mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP e especialista em Curadoria e Educação em Museus de Arte pelo Museu de Arte Contemporânea da USP. Atualmente, vive no Crato, CE, onde trabalha como artista visual e professora adjunta da URCA/CE, na qual compôs o Comitê de Pesquisa Científica, foi coordenadora do Curso de Artes Visuais e do subprojeto PIBID do mesmo curso e coordena o Grupo de Pesquisa NZINGA – Novos Ziriguiduns (Inter)Nacionais Gerados na Arte.
A arte produzida por mulheres e homens de ascendência negro-africana tem sido o tema principal de sua pesquisa e o mesmo reverbera de muitas formas em sua produção de artes visuais.