O segundo episódio do Podcast do PIPA já está disponível!
O convidado da vez é Guerreiro do Divino Amor, o vencedor do Prêmio PIPA 2019. Guerreiro é um artista nascido em Genebra e que vive no Rio de Janeiro, filho de pai suíço e de mãe carioca. A trajetória do artista foi traçada em diversos países, contando com filmes exibidos internacionalmente e formação acadêmica no exterior – Guerreiro fez mestrado em Arquitetura na Bélgica, com o tema “Condição urbana contemporânea”, narrativa que perpassa todo o trabalho das Superficções.
Na conversa, o artista fala sobre suas origens, principais obras, processo criativo, curiosidades e planos para o futuro.
Como explicado no primeiro post de Recomendações e Referências, durante as conversas com os convidados, alguns termos, nomes de trabalhos e obras, exposições, livros e outras referências são citados. Para que os ouvintes possam acompanhar o que é dito, será publicado juntamente com o episódio do podcast um post com as menções feitas no áudio. Além disso, os convidados também podem indicar materiais de leitura e reflexão relacionados aos temas debatidos para que o ouvinte possa se aprofundar nos assuntos.
Você pode escutar o segundo episódio aqui.
R E F E R Ê N C I A S
Durante o episódio, Guerreiro usa a palavra “deboche”, termo que define sua postura irreverente sobre os aspectos das diversas camadas da sociedade brasileira. Ele constrói uma crítica a partir de elementos da cultura de massa, utilizando uma linguagem que lembra a dos memes, do excesso, para denunciar, por exemplo, o avanço das igrejas pentecostais ao poder, o monopólio midiático, as oligarquias dominantes e o mito da democracia racial. A pesquisa é chamada de Superficções, e ela explora as forças ocultas que interferem na construção do território e do imaginário coletivo por meio da criação de uma narrativa com características de ficção científica a partir de fragmentos da realidade, o que resulta em filmes, textos e instalações. Esse projeto começou a ser desenvolvido em 2005, em Bruxelas, com o objetivo macro de construir o que ele denomina de “Atlas Mundial Superficcional”:
- Atlas Mundial Superficcional
Como o próprio Guerreiro escreve em seu site, o Atlas é um âmbito megalomaníaco do projeto “Superficções”, e ele “investiga como ficções de diferentes naturezas, sejam elas geográficas, sociais, midiáticas, políticas ou religiosas interferem na construção do território e do imaginário coletivo. Em cada cidade se desenvolve um ângulo específico de pesquisa e uma nova Superficção, as Superficções dialogam entre si e se incorporam umas às outras. A pesquisa toma forma de vídeos, publicações e painéis de backlight animados. O projeto usa a superficção como meio de revelar a realidade”. Até o momento, o Atlas tem cinco capítulos – modo como o artista se refere ao trabalho sobre cada cidade -, sendo eles:
1º: “The Battle of Brussels” (Batalha de Bruxelas), usa a estética de um jornal sensacionalista para descrever a guerra entre duas civilizações antagônicas, o império e a galáxia, pelo controle da cidade de Bruxelas e pelas mentes de seus habitantes, construindo, assim, uma sátira. Em seu site, Guerreiro explica: “De certa forma se trata da batalha entre uma sociedade racional, moderna, dominada por consórcios e outra orgânica, movida por pulsões descoordenadas e espontâneas. Por trás desta pesquisa estão entre outros questionamentos sobre noções de bom gosto, de decência, de beleza, do que se considera como civilizado, e sobre o poder do marketing e a que ponto o comportamento humano pode ser calculado matematicamente”. As reportagens desenvolvidas no veículo fictício abordam assuntos como as armas de combate, os personagens do conflito e as batalhas mais simbólicas.
2º: “SuperRio Superficções”, em que o SuperRio é o gêmeo superficcional do Rio de Janeiro, um ecossistema de Superficções que interferem na construção da cidade e do imaginário coletivo. Essa explicação encontra-se na revista criada por Guerreiro e distribuída na exposição dos finalistas do Prêmio PIPA 2019, na qual o artista organizou essa análise da cidade em 10 categorias, sendo elas: Infrario; Supermidias; Rosa dos Ventos; Superestrangeiros & Supersuperior; Superimpério versus Supergaláxia; Supergeografia; Supertempos; Superanexos; Supercaras e SuperDeus.
O Infrario é definido como o “substrato sobre o qual se constrói SuperRio”, composto pela superescravidão, que “rege inconscientemente as relações humanas e estrutura a sociedade supercarioca”. Ele é uma programação presente nos indivíduos e que se mantém através dos séculos, sendo passada de geração em geração. Apesar da superescravidão ter sido abolida teoricamente no século XIX, ela se conservou se transfigurando em “programas de superembranquecimento, imigração superseletiva e diversas estratégias de superinvisibilização”. Outro personagem considerado fundamental nesse cenário são as Supermídias, pois elas multiplicam as superficções e modificam a percepção da realidade, por meio de uma névoa que é formada por rumores, também provenientes das superredes supersociais. Para acessar a versão online da revista do SuperRio, clique aqui.
3º: “Supercomplexo Metropolitano Expandido”, sobre São Paulo, apresenta uma máquina superficcional de poder, sucesso e expansão em que “A superscravidão é refinada num processo de supernormalização, fundida com a força supernordestina para formar o supercombustível, que é atraído para os centros da supermáquina pelo superimã da roda da fortuna e descartado para as regiões superperiféricas supercomplexas em virtude da força centrifuga”. Sobre a lógica de poder da cidade, Guerreiro escreve: “A Supertríade da ascensão se compõe do superigreja, o supertráfico e o superempresiariado, compondo três faces e três elevadores para o superpoder, que podem se combinar, seguindo lógicas paralelas e trocando informações e táticas de ascensão”. As supermídias são reconhecidas como superlubrificantes da supermáquina, ou seja, ajudam elas a manter a estrutura de poder, e são controladas pelas superfamílias.
4º: “A Cristalização de Brasília” é definida como “uma epopeia superficcional em três atos acerca de um futuro como passado petrificado”. A cristalização diz respeito às ideias e estruturas sociais que se perpetuam, e entre estas estão as estruturas de poder, que são mantidas para a solidificação do ideal superdesenvolvimentista e do extrativismo mineral, agrário e social. Há, ainda, a “volta do supercolonialismo místico em sua versão transfigurada”.
No episódio do podcast, ainda sobre Brasília, Guerreiro compartilha suas primeiras impressões do lugar. Ele também comenta sobre a arquitetura da cidade, idealizada para promover o afastamento, para dificultar encontros. Além disso, o artista contou curiosidades dos bastidores do vídeo criado sobre Brasília, gravado no Planalto e apresentado na exposição dos finalistas do Prêmio PIPA 2019. A atriz que protagoniza o curta, Liza, usou um vestido rosa que despertou curiosidade de pessoas em volta, ao que o artista inventou uma história para justificar a presença dele e da equipe ali, com câmeras gravando e figurino, sem precisar mencionar que era uma obra artística.
5º: “O Mundo Mineral”
Já o “Mundo Mineral” é definido como “uma fantasia de harmonia e perdão, a Superficção do milagroso equilíbrio entre povos, norte e sul, superdesenvolvimento e supertradição”. Além do vídeo sobre Minas Gerais, foi criado um Mausoléu Mineral, uma estrutura com aparência religiosa na qual, no interior, estão telas digitais com as obras sobre Minas, que refletem “sobre a modernidade brasileira como neocolonialidade que se desenvolve num processo multifacetado de embranquecimento espiritual, social e estético do passado, do futuro e da população”. O trabalho discute, com ironia, uma ideia romântica de pureza, beleza e formosura que permeia a cidade, e incorpora elementos como o leite e o açúcar, de grande valor e importância especialmente na época colonial, e a “cordialidade”.
- Kitsch
O termo alemão é usado para se referir ao mau gosto artístico e a produções consideradas de qualidade inferior, que apelam para o sentimental e, por conta disso, “arte kitsch” é associada com “arte sentimental”, ou melodramática. Também significa algo que é criado com a intenção de agradar as massas, ser popular e absorvido sem mentalidade crítica, geralmente mirando apenas a aceitação e com objetivo ornamentativo/decorativo. Uma criação kitsch pode ser, também, apreciada de modo irônico, com consciência de seu baixo valor estético.
- Hans Donner
Hans Donner nasceu na cidade de Wuppertal, na Alemanha, em 31 de junho de 1948. Ao concluir sua faculdade de desenho na Áustria, decidiu vir para o Brasil, onde conheceu, no Rio de Janeiro, gente do meio televisivo e foi chamado para trabalhar na TV Globo. Ele foi responsável por vinhetas e peças de abertura para diversos programas e novelas da Rede Globo, como “Viva o Gordo”, “Tv Xuxa”, “Senhora do Destino” e “Belíssima”, além de ter criado o logotipo da emissora. A entrada do designer acarretou grande mudança na identidade visual da Globo, que passou a ter o próprio departamento de arte. Uma novidade no projeto de Donner para a logo de 1975 foi o uso da cor e de luz e sombra, que criam a impressão de volume e de tridimensionalidade.