Um dos artistas mais indicados ao Prêmio PIPA – das oito edições da premiação, ele já participou de cinco – Arjan Martins tem tido um ano internacional. Em abril, foi à Nigéria para a abertura de “The Atlantic Triangle”, exposição organizada pelo Goethe-Institut Lagos sobre as delicadas relações estabelecidas entre as Américas, a costa africana e a Europa graças ao tráfico negreiro. Hoje, está às voltas com uma residência na Brasilea, em Basel, Suíça, onde também exibe a individual “O estrangeiro”. “Este exercício contribuiu para que eu pudesse, a partir das artes visuais, encontrar subsídios para falar do meu, do teu, do nosso tempo”, explica. Arjan fala sobre essas e outras jornadas com o curador do Instituto PIPA, Luiz Camillo Osorio, em mais uma conversa exclusiva para o Prêmio PIPA. Leia abaixo a entrevista na íntegra:
CONVERSA COM ARJAN MARTINS, POR LUIZ CAMILLO OSORIO
Estes momentos de residência no exterior, em que saímos do ritmo cotidiano e nos deparamos com o inabitual, são sempre muito propícios a uma reflexão sobre o trabalho, sobre a razão de ser e a motivação do que fazemos. Você tem sentido isso?
Depois de realizar um projeto no Haiti… que segundo especialistas possui o maior índice de miséria no mundo, e ter também visitado dois países africanos, e quase simultaneamente recebido um prêmio viagem para Alemanha, evidentemente o processo criativo começa por obter outros contornos… e neste momento novamente deparando com economias tão díspares… Nigéria/Basel, reafirma a ideia de transformação na produção artística… Entendo alguns artistas quando afirmam que arte não é entretenimento. Este exercício na esfera da Estética contribuiu para que através da mesma eu pudesse expressar algumas preocupações da nossa realidade contemporânea, ou seja, a partir das artes visuais, encontrar subsídios para falar do meu, do teu, do nosso tempo. Me foi atirada esta realidade em meu ofício de pintor…a saber o que virá….
Como foi sua visita à Nigéria? Foi sua primeira ida a um país africano? Qual foi o susto principal? Qual a relevância desta viagem para um artista de ascendência afro-brasileira? Em que medida esta viagem à África mexeu com suas visões da própria diáspora negra, que é um tema tão importante na sua obra e vida?
Então, o entusiasmo enorme de um afro-brasileiro pela segunda vez em solo africano foi abalado pelo índice de pobreza pré-existente neste país que possui uma reserva petrolífera invejável e que segundo estimativas é um dos países cuja população mais cresce, mas segue vivendo em um constante estado de penúria. Quando era uma colônia inglesa o país foi dividido entre o norte e o sul. Ao conquistar independência o país ainda conviveu com muitas ditaduras…membro da OPEP integrado à Commonwealth.
Bem, o que percebi por lá realmente foi uma experiência de opulência e miséria. Vi uma classe alta negra muito indiferente à miséria, dentro de seus SUVS, de mais recente geração, pouco se importando com sua gente mutilada, num calor infernal que supera o calor senegalês, pela sua posição geográfica. As pessoas ficam esmolando alguns niqueis no trânsito junto a pessoas que enriqueceram inescrupulosamente, também negros nigerianos. Seus resorts são construídos com guaritas com homens armados e cercas eletrificadas…
Um calor sem trégua, visitamos o centro comercial, a gosto de outros artistas. Choque. Não estamos no Shopping Leblon, entenda. Vi comércio de carne no chão, que colocam com todo respeito as trouxas de carne do Artur Barrio numa vitrine da Prada. Tenso. Arte e vida na cara.
Ao meu lado, entre outros dois artistas, Vivian Caccuri [duas vezes indicada ao Prêmio PIPA] testemunhava esta realidade. Eu e Vivian estávamos na mesma conexão para Amsterdã, ela seguiria para NY e eu retornando para Basel, quando convivemos com os oficiais da imigração no aeroporto tentando nos extorquir dinheiro, já depois do check-in. Ora, estamos em Lagos. Muitos contrastes.
Talvez eu já tenha mencionado que a partir do meu trabalho tive a oportunidade de conhecer também outros países (economias), Alemanha, Inglaterra, Holanda e França. Acredito que após ler a Conferência de Berlim, resolvi entrar de cabeça nesta investigação sobre o nosso histórico ultramar, que é bastante complexo. Uma pergunta que exige uma longa conversa, que quando chega aos nossos dias coincide com a pauta governamental atual que considera legítimo o trabalho escravo…
Como tem sido o dia-a-dia de trabalho aí na residência em Basel? Você tem tido contato com outros artistas? Tem espaço para produzir suas pinturas ou tem se concentrado mais no desenho? Tem alguma agenda de exposição já marcada?
A fundação está localizada na fronteira entre França e Alemanha, do ateliê até a Alemanha são 8 minutos gastos de bicicleta, onde frequento o supermercado pois em Basel tudo é caro. Produção em escala e dimensões variáveis, ateliê confortável, acordo cedo, pois lido com prazos estreitos, uma vez que a exposição ocupará dois andares da Fundação. Todos os materiais foram comprados na Alemanha, custo e benefício vantajosos. Dediquei este tempo à produção de pinturas. A vida monástica me caiu bem, preferi ficar concentrado, redescobrindo o valor do silêncio e das horas e o custoso e compensador enfrentamento com a solidão. Não consegui me dedicar ao desenho, teria gostado…tenho planos de uma mostra só com desenho, amo muito desenhar.
Tem havido tempo para visitar os museus e fundações aí em volta? Alguma coisa te impressionou especialmente?
Conheci a Fundação Beyeler projetada por um arquiteto Italiano famoso, Renzo Piano. O cara projetou uma sala para acolher um políptico de Monet (as anêmonas), fazendo com que esta fundação seja considerada a cereja de Basel. Seu curador esteve em visita aqui na fundação onde estou em residência. Em relação ao que tenho visto: Monet imperdível, Picassos, Giaccometi, está tudo ali… Sinceramente não fiz uma vida social aqui… o importante é que ocuparei dois andares deste prédio à margem do Reno.
Veja alguns dos trabalhos que Arjan exibe em “O Estrangeiro”, em cartaz na Brasilea, em Basel, Suíça, até o dia 18 de junho:
Para outros textos escritos pelo curador para o site do Prêmio PIPA, acesse a Coluna do Camillo.
SOBRE O AUTOR
Luiz Camillo Osorio é curador do Instituto PIPA, conselheiros e um dos idealizadores do Prêmio. É professor e atual diretor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio. Foi curador do MAM-Rio entre 2009 e 2015.