(São Paulo, SP)
“Pintar a China Agora”, de Ondrej Brody e Kristofer Paetau, com curadoria de Marcelo Amorim chama atenção para o fenômeno Outsourcing/ Offshoring: a terceirização e a relocação de instalações industriais em países pobres visando a maximização do lucro. Os artistas alertam que o mundo das artes não está isento desse problema.
Desde 2007, a dupla Brody & Paetau produz pinturas utilizando as chamadas “fábricas de pintura” da China: ateliês comerciais que se propõem a pintar imagens no estilo hiperrealista por encomenda e pela internet. A exposição “Pintar a China Agora” conta com 30 pinturas a óleo, no formato 30 x 40cm, com imagens de lesões corporais decorrentes da tortura infligida pelo governo chinês a seus cidadãos. Todos os quadros foram pintados a partir de fotografias, encontradas na internet, de membros da Falun Dafa, vítimas de perseguição pelo regime do Partido Comunista Chinês. Estas imagens, censuradas na China, foram encontradas em um website norte americano.
Pintar a China Agora é o primeiro de uma série de trabalhos intitulada “Made in China” que a dupla vem desenvolvendo desde 2007, nos quais o uso das chamadas fábricas de pintura é o ponto comum. Fazem parte desta série os trabalhos Respect the leaders (2008), Salvador DaliX (2008), Child Picassos (2008), Wang Bin tortured in commercial quality, high quality and museum quality (2010) e Chinese assistants (2011). Esta última, por fim, mostra autorretratos dos próprios pintores, feitos do modo como desejaram.
Muito da arte contemporânea é feito por meio da terceirização, mesmo e especialmente quando o trabalho requer técnicas tradicionais. Fotografias passaram a ser impressas em bureaus. Técnicas fotográficas antigas que se tornaram um fetiche deram origem a laboratórios fotográficos especializados. Esculturas em mármore são encomendadas a equipes de artesãos. Empresas de cenografia e arquitetura entram em cena para a solução de grandes instalações. Apesar do público médio muitas vezes ainda conectar o trabalho de arte ao fazer manual, já não é tabu um artista trabalhar com assistentes e fornecedores quando, em primeiro plano, temos as ideias e não o virtuosismo da execução. No entanto, é preciso lembrar que é impossível dissociar essas etapas do resultado artístico. Elas fazem parte da complexidade do trabalho e lá se apresentam.
O termo terceirização é uma tradução livre de outsourcing, e vem do campo da administração. A princípio, a idéia de terceirizar deveria estar ligada a repassar parte das atividades secundárias de um determinado negócio para fornecedores especializados, detentores de uma tecnologia particular. A parceria visa deixar a empresa focada em sua atividade principal, ao desfrutar da excelência que o parceiro adicionaria ao processo. O que vem ocorrendo, no entanto, é a terceirização como burla às conquistas das leis trabalhistas.Numa prática chamada offshoring, grandes empresas preferem alocar partes essenciais de seus negócios em países em desenvolvimento com o intuito de maximizar lucros. Diferente da terceirização, as instalações vitais ao empreendimento, já organizadas, são integralmente levadas para outros países, onde a energia pode ser subsidiada, as leis trabalhistas são menos lapidadas e os gastos com os trabalhadores menores.
Longe dos olhos do mundo, não diretamente conectadas às grandes marcas que as mantêm, essas fábricas fazem o que for necessário para cortar custos. São, de modo pejorativo, chamadas de sweatshops, fábricas que tinham péssimas condições de trabalho no início da era industrial. O nome vem possivelmente do excesso de pessoas em lugares com pouca ventilação. Ignorando anos de conquistas trabalhistas, estes locais de trabalho violam muito mais leis do que poderíamos imaginar: longas jornadas de trabalho, pagamento abaixo do mínimo, condições insalubres e inseguras, assédio moral e sexual. Condições similares à escravidão.
Utilizar-se dos serviços de uma fábrica chinesa cujas condições de trabalho são precárias parece errado. A realidade é que seu uso tornou-se uma opção muito popular há algum tempo: lojas de decoração em áreas nobres da cidade de São Paulo têm estoques de reproduções de Van Goghs, Cézannes e Matisses aos montes. Não só. Cabe mencionar marcas como a Apple, Amazon, Puma, Adidas, dentre outras, que utilizam, há muito tempo, deste tipo de mão de obra, em países como China, Filipinas e Índia.
E o mundo da arte não está isento dessa lógica. O ritmo pautado pelo mercado faz com que artistas reconhecidos precisem acelerar sua produção. É cada vez mais comum que empreguem dezenas de assistentes para atender demandas que se tornaram globais, oportunidades difíceis de recusar em exposições e feiras de arte que ocorrem quase que simultaneamente em diversas partes do mundo. Da mesma forma, já é uma realidade artistas utilizarem de mão de obra estrangeira.
A dupla Brody & Paetau parece reencenar, no contexto da arte, práticas que o capitalismo já naturalizou, com o intuito de provocar, quase sempre através da tensão, um novo olhar para essas questões. Seus trabalhos se constroem por meio de relações, negociações e diálogos, mas em um tom diferente daquele que sugere um certo tipo de arte relacional mais esperançosa: causam desconforto. Eles trazem à tona a percepção de que somos mais hipócritas do que gostaríamos de assumir.
“Pintar a China Agora”, de Ondrej Brody e Kristofer Paetau
Curadoria de Marcelo Amorim
Até 24 de abril
Programação gratuita
Ateliê 397
Segunda a sexta-feira, das 14 às 19 horas
R. Wisard,397 – Vila Madalena
05434-080 – São Paulo, Brasil
+55 11 3034 2132
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Segunda a sexta 14:00 – 19:00