(Rio de Janeiro, RJ)
A Rezende Assessoria de Arte exibe a partir de 24 de março a exposição “Bye Bye Brasil, topologia do afeto”, de Gabriela Noujaim. A mostra foi concebida durante a viagem da artista pelo interior do Brasil.
Adaptado do texto curatorial, por André Sheik:
Algumas formas de arte estão carregadas de magia. Aquela do tipo presente não somente nos truques de mágica, mas também a que está impregnada na literatura, na música, no cinema, nas apresentações dos artistas de rua, bem como nas artes visuais. Há variadas expressões artísticas, com muitas vertentes. Algumas apresentam mundos paralelos, imaginados pelos artistas, fruto da maneira como digerem o que absorvem. São realidades inventadas, materializadas e entregues de volta ao mundo dos mortais. Na exposição “Bye, Bye, Brasil, topologia do afeto”, as obras da artista visual Gabriela Noujaim compõem um universo devaneante que tem como base o que a cerca e, todavia, vai além do real.
Lorde Cigano, o ilusionista do filme Bye Bye Brasil (1979), de Cacá Diegues, executa o feito com a neve dentro da lona da “Caravana Rolidei”, com a qual percorre as cidades brasileiras à procura de um público que ainda se encante com o circo. O retirante nordestino Arcanjo, morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, apaixona-se pelo circo e pela bailarina que faz acrobacias aéreas com tecido, enquanto sonha ir ao desfile do Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, na Marquês de Sapucaí, palco de desfiles carnavalescos na cidade do Rio de Janeiro. Isto tudo, enquanto o grupo “Tá na Rua”, também no Rio, apresenta o seu teatro carnavalizado em praça pública, aos pés dos Arcos da Lapa, tradicional local de boêmia, de samba e onde está instalado o Circo Voador, espaço de shows. Arcanjo e Lorde Cigano não estão na mesma obra de ficção, nem o “Tá na Rua”. Estes – e outros elementos – são protagonistas que se relacionam, se misturam e se entrecortam na exposição de Gabriela Noujaim.
Arcanjo é personagem de um livro inacabado há vinte anos, de autoria de Jorge Gabriel Noujaim – não por acaso, pai de Gabriela. “É como se fosse um irmão meu”, diz a artista visual sobre a obra literária. É o afeto que interliga as variadas expressões ficcionais presentes visualmente na exposição. “Se a arte não servir para nada, serve para nos tornarmos pessoas melhores”, reitera a artista. É a arte, que, como diz Arcanjo, dá “sentido de mundo e de gente”. E foi para dar conta destas histórias e das suas, do circo, de mágicos, de sonhos e de retirantes que, em sua busca, Gabriela saiu do Rio de Janeiro, onde nasceu e mora, para fazer uma residência artística no Nordeste brasileiro, percorrendo Paraíba, Pernambuco e a região do sertão do Cariri cearense, e voltou para apresentar a sua costura. Sem nenhuma ponta solta neste bordado, estamos diante de uma topologia de rede onde todos os pontos estão conectados, início e fim interligados, como em uma fita de Möbius.
Assim, podemos ver, nas obras da exposição, a acima citada fita (Serpentina; série Bye, Bye, Brasil), bem como as linhas, visíveis (Siamesas; Serpentina; Noel Rosa; Fiando Céu) e invisíveis, que unem imagens representativas dos diferentes aspectos abordados: a literatura, a música (Noel Rosa; Serpentina), o circo (Confete; série Bye, Bye, Brasil), o sertão (Ponto Final ou Início; Siamesas; Sertão, Terra) e o carnaval (Ponto Final; Serpentina; Confete). E não é sem motivo que nomes de trabalhos estão repetidos nas referências entre parênteses, pois está tudo junto e misturado. Essa mistura resulta na construção de um imaginário, onde são estabelecidas correspondências entre os distintos domínios das expressões artísticas, onde a união se dá pela identificação entre sujeitos diferentes que estão carregados de características em comum, um entrelaçamento de identidades: da artista e das personagens.
Há, também, uma outra construção de imaginário – a identidade nacional –, que se dá na afinidade das narrativas presentes nas obras com a cultura e a história brasileiras, tangenciando os estereótipos (samba, carnaval, religiosidade, musicalidade, mambembe), dentre eles a pobreza endêmica do país, desvelada na utilização explícita do dinheiro como material pictórico. Isto está presente em Vai Chover Dinheiro no Sertão, onde confetes feitos de notas de dinheiro são acrescentados à neve da imagem original do frame extraído do filme de Diegues; e na série Bye, Bye, Brasil, onde há, colada em uma das telas, uma moeda de Real brasileiro. Intervenções sutis, mas que servem para pontuar esta leitura.
Além da utilização de objetos tridimensionais – linha de costura, agulhas, confete, notas de dinheiro, moeda –, muitos dos trabalhos desta exposição apresentam técnicas que são experimentações recentes na produção de Gabriela. Habitualmente, ela utiliza a serigrafia, bem como o vídeo, também presente na exposição. Em “Bye, Bye, Brasil, topologia do afeto”, são apresentadas fotografias impressas (serigráfica ou fotograficamente) sobre tela, que recebem acréscimo de pintura feita à mão pela artista. A sobreposição de técnicas e o transbordamento de ideias de um meio para outro acentuam as outras misturas já mencionadas acima no texto, reforçando visualmente os conceitos apresentados por Gabriela.
O ápice apoteótico desta exposição é a transmutação de Gabriela Noujaim em artista circense, incorporando o Lorde Cigano que habita nela e apresentando-se pelas ruas do Rio de Janeiro, em diversas performances, junto a outros artistas habituados a exibirem-se ao ar livre.
Está tudo amalgamado – personas, personagens, máscaras, fantasias – em uma topologia do afeto.
Bye Bye Brasil, topologia do afeto
A exposição “Bye Bye Brasil, topologia do afeto” foi concebida durante a viagem da artista visual Gabriela Noujaim pelo interior do Brasil.
Em setembro de 2013, durante um mês, ela fez uma residência artística na região do sertão do Cariri cearense. Saiu do Rio de Janeiro, onde nasceu, vive e trabalha, e viajou pelo interior do Brasil, em uma espécie de topologia de rede, início e fim conectados.
“Bye Bye Brasil, topologia do afeto”, de Gabriela Noujaim
Curadoria de André Sheik
Abertura: 24 de março, a partir das 19h
Em cartaz até 14 de abril
Rezende Assessoria de Arte
Rua Gen. Venâncio Flôres, 481-Leblon
T: +55 21 2259-8029