“Primeira parte do fim”, 2013, projeto de instalação, de João Loureiro
Funcionando regularmente desde 1999, o programa de exposição do Centro Universitário Maria Antonia orienta-se por um conceito abrangente de formação, tendo como diretriz geral reunir artistas de gerações diversas. Procura dar espaço às mais diferentes técnicas e poéticas, com especial atenção a propostas de reavaliação de artistas e movimentos atuais e do passado recente, além de mostras de design e arquitetura
Com os artistas:
Bruno Dunley, Dudi Maia Rosa, João Loureiro e Nuno Ramos.
“e”, de Bruno Dunley
A ambição de apreender/reter/lembrar o mundo esbarra no limite da linguagem. O que a leva, em princípio, ao fracasso. Podemos, porém, criar artifícios para driblar essa impossibilidade, essa frustração. Criar novas expectativas, simuladas, inventadas, como um pacto de fé.
O trabalho de Bruno Dunley se utiliza de esquemas, estruturas, códigos: esforços de organização do mundo, ressignificados em sua pintura. São imagens que remetem ao mundo visível, e dizível. Uma ambição de resumir, como na tela Xerox: conter em si todas as imagens de xerox já vistas, vontade de síntese. Uma solução diante de tantas possibilidades de escolha. Pintura como alfabeto.
Nas telas expostas no Maria Antonia é possível pensar também em memória. Memória não se alcança apenas com esforço. Não lembramos o livro inteiro, o filme todo, e nem a vida que passou. A experiência não pode ser revivida. Recorremos então à imaginação, criamos artifícios para lidar com isso, querendo reter o mundo. Com estes artifícios o trabalho se identifica. É possível pensar em silêncio, em surdez, e a pintura de Bruno seria como leitura labial: um artifício. No silêncio, o som como metáfora da memória, o assunto da impossibilidade. A ambivalência entre a experiência dada pelo mundo e a experiência dada pela linguagem é uma das inquietações presentes nesses trabalhos.
Há uma descrença na representação, o uso do monocromo como ponto de partida em quase todos os trabalhos reforça este aspecto. O monocromo pode ser interpretado como abismo, como morte, como o fim, como o todo; e nesse sentido também como um possível começo. A cor que une o conjunto de trabalhos tem muito a nos dizer. Bruno começa suas pinturas com um amarelo remédio, desagradável. Um desconforto. Não celebra, não tem a alegria do encontro, é melancólico, como a perda de algo que não sabemos bem o que é. Sobre essa superfície aparece a imagem, fantasmagórica e pálida; e um pedaço de pano pintado é também uma pele lisa, alisada por muitas camadas. Sensual e delicada também. Afinal, os conceitos adquirem aspectos sensíveis ao se tornarem pinturas.
Hiroshi Sugimoto, em sua série Theaters, fotografa filmes projetados em telas de cinema. O que estas fotografias retêm de toda sequência de imagens, de todo o tempo de duração do filme, da sua narrativa, é uma tela totalmente branca, apenas a luz, totalizadora. Aquilo foi um filme. Os trabalhos de Bruno têm uma carga parecida, talvez tudo fique branco.
– Ana Prata
“Primeira parte do fim”, de João Loureiro
O título do trabalho de João Loureiro, Primeira parte do fim, pressupõe que o fim se dá em frações, em ao menos duas delas. Se há a primeira, deve existir uma segunda parte do fim, mesmo que ela seja a última. Isso significa que o fim não é um ponto. Se ele chegar, não é de uma só vez, mas aos poucos, em fragmentos que até podem ser concomitantes. O fim pode ser analisado, dividido e subdividido infinitamente, antes de a derradeira parte ser atingida.
Nesse trabalho, o fim não é uma finalidade, a realização inevitável de um objetivo, o clímax de um processo. A obra não se move em direção a uma conclusão, como uma flecha lançada em direção a um alvo, como um destino que há de vir, um fado. Não se trata do fim como uma fatalidade determinada pelas leis naturais a que supostamente todos estão sujeitos. Assim, Primeira parte do fim não é a conclusão, ao contrário, é o início do que talvez não tenha um arremate final.
A primeira impressão é a de que estamos diante de uma cena de fim de festa, dezenas de cadeiras espalhadas pelo chão, mesas com toalhas em diferentes alturas, uma dispersão geral no ambiente que repele o olhar. Entretanto, não é exatamente o fim da festa, a maior parte do bolo sequer foi consumida. Os cerca de 18 metros lineares de mesa revelam que, se a festa ocorreu, era uma das grandes, daquelas que comemoram cidades ou instituições que completam ao menos um centenário.
E há uma estranheza generalizada, algo de explicitamente teatral. A composição da cena revela que ela mesma é uma construção. O público visitante sente-se um pouco menor, os móveis estão uns 20% agigantados, o que retira a plena funcionalidade dos objetos e os aproxima de uma anedota. Parece que alguma coisa provocou a suspensão da ação, talvez um conflito já previsto no interior da narrativa. Mas, de fato, a única ação esperada é a chegada do público, que acaba se tornando parte do espetáculo, ou melhor, do antiespetáculo.
Estamos no mesmo palco em que o trabalho acontece e a única pista é que há uma descontinuidade na ação, uma quebra na linearidade do tempo. Mais do que a alusão a uma noção circular de tempo, em que o fim emenda no começo, há aqui simultaneidade entre o início e o fim. A peça condensa dentro de si todos os momentos do passado. Em vez de apresentar um tempo vazio, Primeira parte do fim é carregada de reminiscências, transbordando um presente que é abertura para o que ainda irá ocorrer ao redor da obra.
– Cauê Alves
Para saber mais sobre as carreiras dos artistas PIPA Bruno Dunley e João Loureiro, visite as suas páginas.
Ciclo de exposições do Centro Universitário Maria Antonia: Bruno Dunley, Dudi Maia Rosa, João Loureiro e Nuno Ramos.
visitação até 14 de julho 2013
terça a sexta, 10 às 21h
sábados, domingos e feriados, 10 às 20h
entrada franca
Centro Universitário Maria Antonia USP
Rua Maria Antonia 258 e 294 · Vila Buarque
São Paulo · SP · 01222 010 · + 55 11 3123 5200